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publicado dia 18 de outubro de 2016

Coletivo cria espaço de aprendizagem e ação em comunidade de Brasília

Reportagem:

Uma roda é do saber. A outra, é do criar. A terceira, do cuidar. A seguinte é do conviver e a última, do brincar. É assim, de maneira circular e respaldados pela prática e pelo território, que o Coletivo da Cidade desenvolve, desde 2011, uma atuação ampla na Cidade Estrutural, no Distrito Federal, uma área de alta vulnerabilidade social vizinha ao maior lixão da América Latina e, como acrescenta a educadora popular Fátima Correia, “a quinze minutos do Congresso Nacional”.

O local começou a ser ocupado nos anos 1960, por catadores de lixo, e hoje tem uma população de 38 mil habitantes, que padece da falta de serviços públicos básicos. “Estamos em um lugar peculiar, que carrega um estigma muito grande de negligência, de negação de direitos básicos desde sua fundação. Nosso diferencial é a possibilidade de atuarmos a partir da leitura que as crianças e os adolescentes fazem do espaço em que vivem. Enxergamos os muitos desafios não como limites, mas como potencial de ação comunitária, de transformação local. A gente tem muito mais a construir junto com eles”, afirma Jackeline Sousa, coordenadora pedagógica do coletivo.

O grupo, que atua como um espaço de aprendizagem comunitária, com duzentas crianças e adolescentes no contra-turno, surgiu a partir da iniciativa de educadores, assistentes sociais, voluntários e estudantes da Universidade de Brasília (UnB) que atuavam numa entidade na região, mas vislumbravam a necessidade de uma atuação mais abrangente, que trouxesse a perspectiva de direitos e, como pontua Larissa Barros, integrante da Coordenação Colegiada do Coletivo, “a necessidade de aprofundar a relação das crianças e adolescentes com o território, fortalecendo vínculos com pais, mães e comunidades para criar redes e vínculos comunitários de garantias de direitos”.

crianças roda de comunicação

“Para trabalhar na perspectiva de transformação com a criança e adolescente no centro, precisamos também envolver as mães e outras organizações que atuam com essas pessoas, como os equipamentos de saúde, educação e assistência”, ressalta Larissa, reforçando o caráter intersetorial, horizontal e em rede do coletivo.

O Portal Aprendiz conversou por telefone com a equipe do Coletivo da Cidade. Cada integrante presente à conferência contou um pouco sobre o coletivo e o trabalho. Confira o que eles têm a ensinar.

Metodologia

“Nós trabalhamos a partir de uma metodologia desenvolvida na nossa prática, pensada a partir de polos de aprendizagem coletiva. Cada uma das cinco rodas são espaços de partilhar saberes, a partir dos eixos Saber, Criar, Cuidar, Conviver e Brincar. Cada um desses verbos vão configurando e a partir deles construímos com as crianças.

A roda do saber é construída na perspectiva da comunidade, diretamente com as crianças e os adolescentes e suas questões que são definidas em assembleias. A roda do criar é onde trazemos linguagens da arte, do teatro, da música, da fotografia, que serão desenvolvidas na perspectiva do auto-cuidado, da empatia, da colaboração. A roda do conviver é o lugar onde pensamos nas nossas pequenas incidências dentro do território com a comunidade, os saraus, as saídas fotográficas, e intervenções urbanas, como construir horta suspensa, o calçamento de lugares depredados, que são recuperados e fiscalizados. Atividades de protagonismo político dentro da cidade. Já a roda do brincar entra justamente na ideia de trazermos a infância e as relações das crianças para o centro da roda, como um direito a ser garantido no território que irá promover uma infância saudável. Para isso, trabalhamos com cultura popular, brincadeira, percepção do corpo e o livre brincar.

marcha em defesa dos direitos da crianças e adolescentes na comunidade

Como trabalhar com direitos da infância e da adolescência é um desafio muito grande. Todos os anos tentamos construir eventos que incidem sobre essa pauta e chamam os moradores para trabalharem conosco nas questões do combate da exploração e abuso sexual, trabalho infantil, exploração. Queremos fortalecer a consciência aqui dentro, mas também lá fora. Como estamos perto do Congresso Nacional, sempre marcamos presença nas audiências públicas que abordam essas questões, com a voz dos nossos adolescentes. Disso foram surgindo muitas iniciativas. Um dos exemplos é o Observatório de Crianças e Adolescentes (OCA).”

Jackeline Sousa, coordenadora pedagógica

Intersetorialidade

“A política da assistência não pode parar na garantia do acesso à educação formal e à convivência comunitária. Também temos que fazer com que as famílias tenham acesso aos direitos sociais básicos. Nos trabalhos, fóruns e redes que organizamos temos uma rede social da Cidade Estrutural que reúne organizações e instituições que trabalham na articulação do território, principalmente nos campos da saúde, educação, assistência e segurança.

Além disso, temos uma plataforma especialmente voltada para as crianças e um grupo que atua – extrapolando o âmbito da educação popular – com as mães delas. A maioria das famílias são chefiadas por mulheres – inclusive financeiramente – e elas enfrentam diariamente a questão da violência contra a mulher. Então as mães começaram a pedir esses espaços e organizamos um grupo aberto para a comunidade que trabalha diretamente no fortalecimento de uma rede de famílias, partindo do feminino. É um grupo de apoio, mas não é terapêutico: ele pressupõe o empoderamento, a participação ativa e o apoio comunitário.

crianças da comunidade da cidade estrutural

Os temas e debates são todos definidos a partir de uma avaliação e as mulheres propõem o que será discutido na próxima reunião. A força do grupo rendeu uma articulação forte com centros especializados na prevenção e enfrentamento da violência doméstica, encaminhamentos e capacitação profissional dessas mulheres. Entender que a criança está num ambiente familiar é essencial, não podemos ignorar o contexto comunitário, que é algo que a escola sozinha não consegue dar conta. Como a criança vai conseguir aprender de forma descolada da sua realidade?”

Ana Paula Penante, assistente social do Coletivo da Cidade

Educomunicação

“Junto com o Observatório da Criança e do Adolescente (OCA), o Inesc e com financiamento da União Europeia, eu desenvolvo um trabalho de educomunicação de maneira transversal, associada à metodologia das rodas e acompanhando o planejamento pedagógico. Nas atividades, que acontecem a cada dois dias, sempre trabalho com os adolescentes para que eles possam contribuir com seu olhar diferenciado sobre a comunidade e incorporem isso no cuidado com ela, sempre numa perspectiva de direitos. Desenvolvemos com isso o Boletim Voz da Quebrada, produzido e criado por eles, que trata das atividades do coletivo e das mobilizações políticas da comunidade.

crianças fazem vídeos pela comunidade

Trabalhamos, por exemplo, a questão do transporte escolar, que é um direito garantido que vinha sendo negado. No último mês, eles fizeram um documentário sobre a comunidade através de uma bola de futebol e fizeram vídeos sobre violência policial, um tema que nos afeta diariamente. A comunicação assim é mais um dispositivo nessa articulação, neste processo educativo e na transformação da comunidade”.

Diego Mendonça, educomunicador

Teatro

“Eu fui adolescente do projeto quando o Coletivo nasceu e hoje sou educador e também faço parte da Companhia de Teatro Bisquets, que funciona em nossa sede. No começo, participei de muitas formações, discutindo direito à cidade, à comunidade e através disso participei de uma formação na extensão da UnB. A ideia que tínhamos era de ter um coletivo de teatro dentro da pegada dos direitos humanos e tendo em vista como a questão LGBT afetava nossa vida. Hoje em dia temos um grupo fixo há três anos, que se apresenta regularmente.”

Walysson Lopes, educador social

(A foto da ciranda que ilustra essa matéria é de Webert da Cruz. As demais, são de autoria de Diego Mendonça)

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