publicado dia 12 de abril de 2016
Cidades latino-americanas adotam educação e infância como medidas para pensar o espaço urbano
Reportagem: Pedro Nogueira
publicado dia 12 de abril de 2016
Reportagem: Pedro Nogueira
Qual o denominador comum entre um parque em Santiago, uma praça em Medellín e uma favela em São Paulo? Pensar nas infâncias, na educação e na construção de espaços de convivência e de diálogo pode ser um caminho para cidades mais inclusivas, educadoras e igualitárias? Foi tratando dessas intersecções que o debate “O Desenho do Espaço Público” se desenvolveu nesta segunda-feira, 11/4, no SESC Campo Limpo, como parte do Seminário Internacional Espaço Livre na Cidade, organizado em parceria entre o SESC e a Escola da Cidade.
Presentes à mesa de discussão, os arquitetos e urbanistas Teodoro Fernández, do Chile; Felipe Uribe, da Colômbia; e Marta Grinover, do Brasil, falaram a uma plateia composta por estudantes de arquitetura sobre seus projetos nos diferentes pontos do continente americano. Entre eles, algo em comum: a escala de uma criança é o ponto de partida para o desenho urbano.
“Quando pensamos um espaço público, temos que pensar como um lugar seguro. Um lugar habitado, em que qualquer criança possa sentar e brincar sem medo”, afirmou Fernández, enquanto mostrava uma foto de uma criança brincando numa fonte pública. O chileno é responsável pela criação de diversos parques e centros culturais na cidade, como Centro Cultural Estación Mapocho e o Parque Inés de Suárez, na capital do país.
Cidades mais educadoras
Para o colombiano Uribe, é necessário perguntar sempre o que será feito com a brincadeira das crianças ao pensar o espaço urbano, convidando-as para brincar nele. “A contemporaneidade demanda que nós entendamos que a criança é parte fundamental da cidade. Nossas praças foram feitas para fazer negócios, fumar, tomar café, para passear. E isso é parte de uma cultura masculina de planejamento público que precisa acabar.”
Uribe, um dos fundadores do escritório UdeB, foi responsável por ousados desenhos de cidade, que ajudaram a transformar a cara de Medellín. Antes uma cidade governada pelo medo e campo de batalha da guerra às drogas, a capital do estado de Antioquia hoje se orgulha em ser “a cidade mais educadora”. Em seu planejamento urbano na última década, Medellín foi dividida em distritos de ciência e tecnologia, comunicações, natureza e tecnologia limpa. A partir disso, o desenvolvimento de novos espaços foi sendo ordenado.
Para o arquiteto, tudo começou com a construção, entre 1998 e 2000, da praça dos Pés Descalços, um espaço público para pausar, despertar sensações e trazer famílias e crianças para brincar. Nele, as pessoas são convidadas a tirar os sapatos e andar pelas diversas superfícies presentes. Como Medellín está no centro de um vale, cortada por um rio de mesmo nome, Uribe resolveu trazer espelhos d’água e fontes para crianças brincarem, reforçando sua concepção de cidade como um conjunto de itinerários tanto espontâneos como desenhados, contrapondo-se aos que querem ver a cidade sem pessoas, como algo limpo e ideal. “As pessoas são a matéria prima do espaço público. São elas que o tornam infinito.”
Pedagogia urbana
Foi justamente na medida do infinito que o próximo projeto se deu. Convidado a reformar o planetário de Medellín, o arquiteto resolveu trazê-lo para fora. “Se você pode deitar numa praça e olhar as estrelas, ninguém vai acreditar que essa cidade é violenta.” Com isso em mente, começou a surgir o Parque de Los Deseos (Parque dos Desejos), que congrega o Planetário, uma ampla praça e uma casa da música, que abriga projetos sociais e orquestras infantis do bairro, além de ficar na vizinhança do Jardim Botânico, do museu interativo Parque Explora, do metrô e da universidade pública.
A praça funciona como um espaço para observação astral, com mobiliário urbano desenhado para esse finalidade, ao lado de estruturas que ensinam sobre o cosmos. Local de convivência, também abriga shows e exibições de cinema. “Ao levar a pedagogia para fora dos espaços, fazemos da cidade uma sala de aula. Diziam que isso era um projeto para Dinamarca, não para um bairro vulnerável de Medellín. Dez anos depois, o local segue sendo um sucesso. Precisamos sempre planejar a cidade com a noção de possibilidade aberta.”
Além destes projetos, o escritório de Uribe também foi responsável pela criação de uma biblioteca municipal e uma escola, na periferia da cidade, a Institución Educativa La Independência, que foi criada como um parque acessível para toda a comunidade, aproveitando-se das ruas e espaços de passagem já estabelecidos.
Vazios públicos
Dialogando com os usos que o público faz dos vazios urbanos, a arquiteta brasileira Marina Grinover detalhou sua experiência na urbanização de favelas em São Paulo, assim como na construção de conjuntos habitacionais. Ela relata que a experiência mostrou que ouvir as demandas e desejos da comunidade é essencial para saber como qualificar espaços urbanos marcados pela escassez.
“Nós tivemos que ampliar os vãos e os vazios nas comunidades pois são neles que muitas das atividades do cotidiano se dão, desde o cuidado com as crianças até o local para lavar roupa ou confraternizar. Ao criar vazios públicos, estabelecemos com as comunidades um conjunto de equipamentos para garantir que os espaços públicos seriam utilizados. Desde churrasqueira, canteiros para hortas até áreas de brincadeira para crianças”, relata sobre a experiência nas comunidades da Linha e do Sapé, ambas na zona oeste da capital paulista.
“Nós apostamos nos espaços de circulação como locais de encontro, de olhar, de desfrute. Que estabelecem diálogo e oferecem oportunidades de qualificar a vida em locares de vulnerabilidade. Este tipo de transformação ajuda a mudar a ideia de que o espaço público é local de ‘sujeira e medo’ ”, finaliza.
(A foto que ilustra essa matéria é de Jorge Láscar, via Flickr/Creative Commons)