publicado dia 6 de junho de 2016
No centro de São Paulo, crianças em situação de rua protestam por direitos
Reportagem: Danilo Mekari
publicado dia 6 de junho de 2016
Reportagem: Danilo Mekari
“Chorar por essas mortes! Lutar por essas vidas!”
Foi este o lema e a principal palavra de ordem que se ouvia na última sexta-feira (3/6), durante manifestação que pediu o fim da violência e invisibilidade social que atinge crianças e jovens em situação de rua na região central de São Paulo. Os organizadores da ação apontam que, em menos de um ano, sete pessoas nessas condições morreram, sempre em circunstâncias pouco esclarecidas.
O II Ato Pelo Não Silenciamento de Vidas e Mortes de Crianças, Adolescentes e Jovens Adultos no Centro de São Paulo reuniu ativistas, educadores e defensores dos direitos das crianças e adolescentes, além de dezenas de meninas e meninos que utilizam as ruas do centro não apenas para lazer e trabalho, mas principalmente para moradia.
A ação percorreu o Vale do Anhangabaú, passou pela Praça da Sé e terminou em frente ao Fórum João Mendes, onde o garoto João Victor Souza Nogueira Jesus dos Santos, de 13 anos, foi agredido até a morte, em março deste ano. Do começo ao fim, o ato foi protagonizado pelas crianças e jovens, que produziram cartazes, pintaram bonecos, puxaram gritos e relembraram o nome de mais de dez amigos que perderam nos últimos anos.
Uma combinação de uma série de fatores – entre eles a violência policial e a baixa eficiência dos serviços públicos no atendimento a essa faixa da população – torna a presença das crianças e adolescentes em situação de rua uma das questões urbanas mais complexas da metrópole paulistana.
A violência policial contra crianças e jovens, aliás, não é um problema exclusivo do centro da cidade. Na quinta-feira que antecedeu o ato (2/6), o jovem Ítalo, 10, foi assassinado após supostamente trocar tiros com policiais que o perseguiam após o roubo de um veículo, no Morumbi.
Em um contexto de graves retrocessos institucionais – no qual o debate sobre a redução da maioridade penal voltou à luz do dia –, defender os direitos da criança e do adolescente torna-se fundamental para a construção de uma cidade mais diversa, humana e educadora.
De acordo com dados do Censo da População em Situação de Rua de São Paulo, em 2015 havia 7.335 pessoas nesta condição em toda a cidade. A região da Subprefeitura da Sé concentra mais da metade desse número. A pesquisa mostra ainda que 505 das pessoas em situação de rua têm até 18 anos – segundo os dados, porém, apenas 87 deles realmente vivem na rua, sendo que o restante foi acolhido por programas sociais.
Uma faixa preta com diversas mensagens que crianças e jovens escreveram para seus colegas falecidos deu a tônica da manifestação. “Como eu queria estar lá pra te ajudar naquela noite”, “Saudades João Victor”, “Sei que você está longe, mas está no meu coração” foram algumas das frases, que emocionaram os pedestres que cruzavam o ato.
“Achei incrível estar aqui. É importante homenagear nossos colegas que vão ficando, a ideia é que isso ajude todo mundo e não apenas uma pessoa que se foi. Acho errado demais essa violência, muita gente não respeita nossos direitos”, declarou o garoto Emerson, 17. “Hoje tivemos uma participação efetiva das crianças e adolescentes. É fundamental que eles sejam os protagonistas desse ato e dessa luta”, afirmou Gabriel, do Projeto Quixote.
As mais de 20 organizações que participaram da construção do ato também marcaram uma audiência pública para o próximo dia 21/6 (terça-feira), a partir das 17h no auditório da Defensoria Pública do Estado de São Paulo (Rua Boa Vista, 200).
“Queremos deixar claro que nós, enquanto educadores e defensores de direitos, exigimos que essas crianças e adolescentes sejam reconhecidos enquanto cidadãos e portadores de direitos”, observou Tânia Lima, do Projeto Fundação Travessia. “A ideia é não apenas levar essa demanda, mas fazer parte da construção de uma política pública dedicada a crianças e adolescentes em situação de rua.
“Que eles sejam acolhidos com o devido respeito e qualidade que lhe é devido, em espaços que respeitem a diversidade sexual, cultural, religiosa, de gênero e étnica”, diz Ataíde França, do Cedeca – Sé. “A cada dia, vemos que o que falta para essa molecada é oportunidade, nada mais que isso – talento eles têm de sobra”, finaliza.