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publicado dia 21 de fevereiro de 2020

Carnaval de rua tensiona e promove direito à cidade

Reportagem:

Durante o ano todo, a rua Salgueiro do Campo, em M’Boi Mirim, zona sul de São Paulo, é como outras vias de passagem: circulam nela pedestres, ônibus e um montante de carros. Mas no sábado de carnaval, o Bloco do Beco muda tudo: crianças e adultos fantasiados, sambistas tamborilando pandeiros e uma chuva de confetes e lantejoulas ocupam o espaço público. 

“O Bloco do Beco nasce em 2002, de uma região com grande concentração de sambistas e cultura muito viva. Uma roda de amigos que já tocavam em escolas de samba, mas que não achavam acessível se deslocar até o centro, resolveram montar um bloco no bairro”, recorda Sabrina de Lana Stanzani, responsável pela comunicação do bloco – que também é uma associação cultural. 

Leia +: O carnaval de rua impulsiona a criação, o inusitado e o novo

Esse e mais de 600 outros blocos ocuparão as ruas de São Paulo durante o carnaval de 2020.  Centrais, periféricos, puxados por drag queens ou por sambistas inveterados, os plurais blocos chacoalham o cotidiano da cidade, alterando a relação entre sujeito e espaço público. 

criança sopra confete no bloco do beco
Durante o carnaval, a ocupação do espaço público se dá por todos, crianças até os mais velhos / Crédito Bloco do Beco

“Aproveitar o carnaval, ocupar a rua com folia, brincadeira, com a fantasia literal e metaforicamente, tudo isso faz parte de reinventar a cidade, e efetivar o direito à ela”, aponta Rodrigo Iacovini,  coordenador-executivo do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico (IBDU) e assessor do Instituto Pólis

Este ano, o instituto lançou a campanha “Carnaval é Direito à Cidade!”. Foram produzidas uma série de materiais, lambes e cartilhas para livre distribuição e que falam sobre ocupação de espaço público em tempos de folia. 

A campanha também trabalhou com diversos blocos paulistanos, inclusive o Bloco do Beco, assessorando sobre a ocupação de vias públicas e o que fazer em caso de repressão e abordagem policial

“A campanha mostra que o direito à cidade não se dá somente pelo combate à ausência de infraestrutura, ao problema da mobilidade. O direito à cidade se constrói no cotidiano, como no próprio carnaval. A partir da festa, da brincadeira e da música, o carnaval consegue transformar a relação do cidadão com a cidade de uma maneira que um discurso acadêmico ou uma política pública às vezes não consegue”, arremata o urbanista. 

carnaval é direito à cidade crédito instituto pólis
Lambe da campanha “Carnaval é Direito à Cidade!” / Crédito: Instituto Pólis

Como a folia tensiona o espaço público 

Para a jornalista Beatriz de Paula, responsável pela comunicação do Instituto Pólis, o carnaval de rua marca uma disputa dos espaços públicos disponíveis na cidade: 

“A principal mudança é enxergar a rua como lugar de ficar, não só de passar. Isso gera outra percepção do entorno, do bairro, ou de bairros que você não frequente no dia a dia e por causa do carnaval você acessa. Muda também as relações da casa com o entorno, como quando pessoas que não necessariamente estão na rua mas em suas janelas, brincam e curtem o carnaval. É um outro imaginário da cidade”, explica. 

É também nesse momento de hiperbolização da ocupação da rua que o carnaval revela questões de infraestrutura, mobilidade e ausência de espaços públicos muito anteriores à festa. 

Um outro mote da campanha é que o carnaval efetiva também o direito à cidade diversa em termos de raça, de classe, de gênero e de orientação sexual. É o caso dos Bloco do Beco, que descentraliza a diversão na cidade; o Minhoqueens, bloco tradicional LGBTQ+ que inunda o Largo do Arouche com todo tipo de afeto, ou como o Ilú Inã, bloco afirmativo negro.

É o caso do Bloco do Beco que, como Sabrina explica, é uma das poucas opções de lazer em um território com poucos equipamentos de cultura como bibliotecas, museus ou praças:  

“A nossa região agora teve um boom de blocos mais periféricos, mas sempre foi assim: você tinha que sair do bairro para se divertir, para ter espaços de lazer. Tem poucos aparelhos culturais públicos, não tem praça, tem uma ou duas mas sempre abandonadas. Os blocos são esse espaço para as pessoas poderem confraternizar e celebrar”. 

Rodrigo adiciona que os conflitos surgidos no carnaval de rua podem pressionar o poder público pensar e agir sobre ausência de infraestrutura em mobilidade e cultura. 

“Quando o carnaval demanda ou gera muito conflito, estamos falando no fundo da deficiência de infraestrutura urbana dos equipamentos públicos. Da falta de banheiros públicos, de praças, de espaços que sejam habitáveis pela folia e não hostis à permanência. Se os espaços públicos forem repensados como equipamentos que permitam manifestações culturais e artística, muitos conflitos que acontecem no carnaval serão reduzidos”. 

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