publicado dia 7 de novembro de 2019
Candomblé: resistência, preservação e reconhecimento da culinária afro-brasileira
Reportagem: Redação
publicado dia 7 de novembro de 2019
Reportagem: Redação
Entre a riqueza de heranças que africanas e africanos trouxeram para o Brasil, está uma manifestação religiosa afro-brasileira construída a partir de religiões tradicionais da África: o candomblé.
Durante suas cerimônias, o ato de comer, assim como a dança, tem um significado sagrado. É através da comida que os praticantes da religião se comunicam e homenageiam os orixás, figuras que representam os ancestrais.
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Nos terreiros, comer é sinônimo de socialização, segundo explica a Makota Bayrangi ‘Nega Duda’: “a comida é oferecida ao público. Não é só o povo do terreiro, mas o entorno inteiro da comunidade come e também o povo que vai às festas do candomblé. No candomblé, a comida é uma partilha.”
A importância que a comida tem na religião fez do candomblé uma ferramenta de preservação e reconhecimento da culinária afro-brasileira. Pratos como o acarajé, bobó de camarão e abará, difundidos na cultura popular e presentes na mesa de muitos brasileiros, resistiram ao tempo graças a sua preservação nos terreiros.
O antropólogo e babalorixá Vilson Caetano explica que a comida, ainda na época da escravidão, além de ser um vínculo dos africanos com sua ancestralidade, era uma forma de lutar contra o sistema escravista.
“Quando os africanos chegam ao Brasil, eles estão com a sua identidade e ideia de comunidade fragmentadas pela escravidão. Eles têm sua família e seu grupo social destruídos. Quando chegam, são obrigados a sobreviver e reconstruir isso. Nesse processo de reconstrução da identidade, a comida teve um papel fundamental”, afirma.
Cerca de 3,6 milhões de pessoas escravizadas foram trazidas para o Brasil entre os séculos 16 e 19, segundo levantamento de dados realizado pela Universidade de Emory, dos Estados Unidos.
Caetano, que também é professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), lembra que os africanos já chegaram ao Brasil com vasto conhecimento de ingredientes e técnicas, como o preparo dos alimentos no vapor e o flambar.
“Quando esse africano chega ao Brasil, ele já conhece outras cozinhas e culinárias. Os grupos africanos já tinham contato com cravo, canela, cardamomo, damasco, as chamadas ‘especiarias’”, descreve o antropólogo.
O saber acumulado se mistura com os conhecimentos que adquirem no contato com populações indígenas e é empregado nas cozinhas, onde a mão de obra negra escravizada foi amplamente utilizada. Em meio a essa troca cultural, os africanos marcam o processo de construção da cultura alimentar brasileira.
Além de construir a história da culinária, o candomblé tem papel importante na preservação de tradições ligadas à alimentação. Nos terreiros, as receitas, os modos de preparo e ingredientes foram protegidos do esquecimento e do preconceito.
“Algumas comidas, que estão hoje presentes nos restaurantes ou nas ruas de cidades como Salvador e Rio de Janeiro, são comidas que só conseguiram chegar até nós e serem preservadas por duzentos ou trezentos anos graças à relação que possuem com a religiosidade”, afirma o babalorixá.
Para Nega Duda, também é preciso reconhecer a importância que tem o candomblé contra a apropriação cultural de elementos afro-brasileiros. Como exemplo, ela cita o acarajé, chamado por alguns de “bolinho de jesus”.
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“O acarajé não é o bolinho de jesus. O acarajé vem de ‘acará’, que significa bola de fogo; e ‘jé’ significa comer. É comer bola de fogo. Esse acarajé é da religião de matriz africana. Ele tem dono. É de Iansã e de Xangô, é do povo de santo”, defende.
Segundo o Censo Demográfico de 2010, a ‘religião dos orixás’ é praticada por cerca de 600 mil brasileiros, mas o dado é tido como subnotificado por seus praticantes.
De acordo com dados do Disque 100 obtidos pelo jornal O Globo, no ano de 2018 foram feitas 213 denúncias de intolerância a religiões de matriz africana no país. Frente ao preconceito, o candomblé segue presente no cotidiano como forma de resistência.
Publicado originalmente no Brasil de Fato, com autoria de Mayara Paixão e edição de Guilherme Henrique