publicado dia 6 de outubro de 2020
Candidaturas plurais em diversidade sexual, gênero e raça crescem nas eleições de 2020
Reportagem: Cecília Garcia
publicado dia 6 de outubro de 2020
Reportagem: Cecília Garcia
Na última semana de setembro, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) divulgou os candidatos às eleições municipais de 2020. Houve recorde de postulantes autodeclarados pardos e negros – que, pela primeira vez na história, ultrapassaram os brancos – e aumento na participação de mulheres, que correspondem a 33,1% do total de candidaturas.
Recentes mudanças na legislação eleitoral ajudam a entender o fenômeno: com o fim das coalizações partidárias, partidos terão que cumprir individualmente cota de 30% de candidaturas de mulheres. A decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) por cotas financeiras para candidaturas negras, válida já nestas eleições, também impactou o cenário.
“Havia um receio de que a pandemia ia atrapalhar bastante as candidaturas, principalmente de mulheres, mas não foram tantas assim que desistiram”, comemora Gabi Juns, coordenadora de projetos do Instituto Update, que mapeia inovação política no Brasil e na América Latina. “Mapeamos nestas eleições mais de 80 iniciativas de fortalecimento de candidaturas de mulheres.”
Também é expressivo o aumento de candidaturas ligadas à temática LGBTI+. Segundo a Aliança Nacional LGTBI+, foram 497 pré-candidaturas espalhadas em diferentes espectros políticos.
“O Estado brasileiro é feito para pessoas cis e heterossexuais, e a exclusão fez com nossa população por muito ficasse de fora do processo de garantia de direitos e acesso à cidadania”, explica Symmy Larrat, presidenta da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT). “Ocupar esse lugar é trazer uma nova forma de fazer política, mais inclusiva, respeitosa e que leva em consideração todas as existências.”
Para Juns, quem coordena essa ocupação diversa nos espaços políticos são os movimentos sociais e a sociedade civil organizada. “São eles que sustentam politicamente iniciativas de formação política para mulheres, campanhas de recrutamento e financiamento. É uma política com pé na sociedade, mais perto das pessoas. Diferente de políticos que são eleitos e não se comunicam mais com a sociedade, essas candidaturas tendem a se manter próximas aos coletivos e territórios que as elegeram.”
O estudo Eleitas, do Instituto Update, que olha a ascensão feminina nas candidaturas brasileiras e latino-americana, mostra um redesenho de políticas públicas a partir das experiências diversas trazidas por mulheres, principalmente quando negras ou indígenas, e intersetorialidade e participação social são tendências que se destacam.
A ocupação de corpos outros altera também processos de convivência nas casas legislativas. Como já relatado pelas deputadas federais da Mandata Juntas para o Portal Aprendiz, a assembleia pernambucana teve que se adaptar em termos físicos e subjetivos para ajeitar essa nova forma de fazer política, mais coletiva e descentralizada.
“O preconceito se derruba com convivência. Pessoas trans em lugares de poder, pessoas como nós, naturalizam a nossa existência. Se o debate que nos exclui é moralizante, a ocupação desse espaço ajuda a constituir uma sociedade que julga menos”, afirma Symmy.
Ainda na seara dos preconceitos, Larrat rebate com veemência contra os que acreditam que as pautas criadas por esses grupos são sectárias e só visam melhorias para essas populações.
“Não somos uma bolha. As políticas criadas por nós são de saúde, assistência, educação. E são contra lutas que também nos prejudicam. Se há um teto de gastos que tira dinheiro do SUS (Sistema Universal de Saúde), como vai ter ambulatório trans, como vai ter ambulatório para todo mundo? Nos preocupamos com pautas diversas e interseccionais”
Muito além da Representatividade
Para a cientista política Fhoutine Marie, embora a ascensão política da diversidade seja algo a se celebrar, é preciso olhar o cenário com criticidade. “Mais importante que a representatividade em si, é importante conhecer o projeto político com o qual pessoa estará alinhada. É só pegar o exemplo da ministra Damares Alves. Não é só por ser mulher que ela está comprometida com o direito das mulheres, contra a questão da violência doméstica, pela saúde preventiva.”
Symmy corrobora que só o número não basta. “Não podemos só disputar quantitativa, mas qualitativamente. Você tem que ter candidaturas atreladas a projetos que não querem nos excluir. Não é possível uma candidatura LGBT que não defenda o SUS.”
Existem canais que monitoram o aumento da diversidade nos espaços políticos: O #Me Representa, o #Vote LGBT e o Enegrecer a Política são alguns exemplos.
Rafa Ella Brites, representante do coletivo #VoteLGBT afirma que é preciso um olhar atento para essa candidaturas e como elas podem ser cooptadas para dentro dos partidos só para fazer volume ou emular uma pretensa diversidade.
“Temos que reconhecer o sistema político, seja de direita ou de esquerda, como impregnados de hegemonias. O privilégio é tão interseccional quanto à opressão. É nesse momento, em que essas candidaturas se acham seguras, que elas podem estar mais vulneráveis. Temos que ver se estão recebendo o devido valor dentro do partido, se estão sendo financiadas e divulgadas.”