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publicado dia 21 de dezembro de 2016

No Bom Retiro, rede estimula a ocupação da cidade de forma criativa e educativa

Reportagem:

Imagine um museu de portas abertas para a comunidade. Junte isso a uma rua voltada às pessoas, livre de carros, com crianças brincando de pular corda, amarelinha e bola, com lambe-lambes e grafites pelos postes e paredes. Nas calçadas, um tanto de barracas, ora com pessoas fazendo um tricô gigante, ora flores artesanais, mobiliário urbano ou explicando como cuidar do meio ambiente, enquanto um coral de idosos fazia a trilha sonora a céu aberto.

Foi exatamente isso que aconteceu no último domingo (18/12) na Rua General Flores, no bairro do Bom Retiro (região central de São Paulo), durante o evento Que Bom Retiro – 1º Festival de Rua do Bom Retiro. Gratuito e realizado de forma colaborativa, o festival teve início às 11h, atravessou o dia e nem mesmo a forte chuva de domingo o impediu de acontecer até a noite.

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Além da ocupação do espaço público de maneira educativa, o Que Bom Retiro celebrou ainda o Dia Internacional do Migrante, em uma região que é reconhecida, historicamente, por receber imigrantes de todos os cantos do mundo. 

Imigrantes em São Paulo 

Segundo a Polícia Federal, a população imigrante documentada na cidade de São Paulo está estimada em 385.120 pessoas. Isso quer dizer que pelo menos 32% do total de imigrantes do Brasil estão localizados em SP: 19% são portugueses, 17% são bolivianos, 6,5% são chineses e 3,1% são haitianos.

A programação contou com a participação de grupos imigrantes, como o Ecos Latinos, que promoveu uma roda de conversa com autores brasileiros e imigrantes e trouxeram a importância da literatura também nos processos migratórios. O Coletivo Sí Yo Puedo realizou uma roda de leitura com imigrantes, apresentando o livro “Histórias que se Cruzam na Kantuta”, onde foi possível conhecer melhor a realidade de uma das maiores populações imigrantes da capital paulista, a boliviana.

Estiveram presentes, ainda, coletivos de intervenção urbana, serviços sociais e equipamentos culturais públicos e privados, em um movimento intenso de troca de saberes no território.

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“Foi uma oportunidade de encontro e de conhecimento que permitiu começar a tecer com força uma rede interdisciplinar, que abre espaço à diversidade e inclusão”, disse Jemmy Andrea, uma das integrantes do Coletivo de Audiovisual Itinerante (CAI), grupo colombiano que colaborou com uma oficina de identidade e uma mostra de curtas latino-americanos.  “Para nós, o processo de construção do festival foi muito interessante e colaborativo”.

Roda de conversa com escritores peruanos, angolano e brasileiros com o Sarau Ecos Latinos
Roda de conversa com escritores peruanos, angolanos e brasileiros com o Sarau Ecos Latinos.

Articulação intersetorial pela ocupação das ruas

Para a construção do festival, foram realizadas cinco reuniões, envolvendo mais de 20 organizações e coletivos. A ideia surgiu a partir de uma demanda local por mais espaços de lazer nas ruas do Bom Retiro, já que, em décadas passadas, as ruas do bairro eram ocupadas por crianças e jovens para a realização de partidas de futebol.

O Bom Retiro em números

Mesmo com o baixo número de equipamentos, levando-se em conta a população de 37.529 pessoas, o Bom Retiro ainda está nos primeiros lugares no ranking de bairros com o maior número de espaços culturais da cidade de São Paulo. Segundo o Observatório do Cidadão, o distrito possui 11 equipamentos públicos culturais, ficando em quarto lugar no ranking de toda a cidade. A região também concentra um dos maiores números de museus da capital paulista, com sete unidades no total, quatro salas de shows, cinco teatros e quatro equipamentos esportivos. 

A Unidade Básica de Saúde (UBS) levou a ideia para os demais atores que articulam e realizam atividades no território, mobilizando e fazendo crescer a Rede Social Luz – Bom Retiro que, desde 2015, já vem realizando ações pelo território.

Durante todo o mês de novembro e dezembro foram realizados encontros no Museu da Saúde Emílio Ribas para a construção do evento, incluindo reuniões para colocar os sonhos no papel, algumas para organizar os responsáveis por cada atividade e outras, ainda, para pensar a divulgação do evento.

O processo rendeu diversos aprendizados, como solicitar o fechamento da rua aos órgãos responsáveis, pensar a programação e logística do evento na rua e, principalmente, como fazer a ação chegar até a população local, um dos maiores desafios encontrados no processo de mobilização, segundo os participantes.

Muito além do online

Para tentar enfrentar o desafio de trazer o público do próprio bairro para o evento, para além da divulgação virtual – realizada por meio de redes sociais, blogs e sites – a equipe de agentes comunitários da UBS, Serviço de Assistência Social às Famílias (Sasf Bom Retiro) e Inova ficaram encarregados de entregar os flyers impressos durante as visitas domiciliares, que já faziam parte da rotina de trabalho desses serviços.

Para além do evento pontual, a rede que articulou o Que Bom Retiro pretende fortalecer os potenciais educativos já presentes no bairro e também fomentar melhorias para o espaço urbano que compõe o bairro.

Abaixo, veja depoimentos de alguns representantes de organizações que integram a Rede Social Luz – Bom Retiro:

O Projeto Integração Família Rede Socioeducativa, que integra o Programa Cidades Educadoras da Associação Cidade Escola Aprendiz, também é membro da rede e fomenta a integração de famílias latino-americanas ao território.

Josiane Oliveira (Museu da Saúde Pública Emílio Ribas

“A equipe do Museu da Saúde Pública Emílio Ribas – Instituto Butantan, que faz parte da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, entende que ocupar as ruas é uma experiência fundamental da vida na cidade e que precisamos qualificar essa experiência. Para tanto, nada melhor do que estar com outras pessoas, contar histórias, brincar, dançar, cantar, jogar, pintar, trançar, ler, ouvir, compartilhar. Desta maneira, desejamos imensamente que este Festival tenha sido o primeiro de muitos, que a Rua General Flores possa estar disponível para a população ao longo do ano e que mais e mais moradores do bairro participem desta ideia”

Keka Carrara (coletivo meiofio)

“Ações como essa colaboram para uma cidade educadora da forma mais gostosa que há, mostrando que o espaço público é nosso e pode ser ocupado sem medo e com amor! A troca entre as pessoas e o acesso livre à arte, cultura, educação só tem a enriquecer todos os envolvidos. Participar do ‘Que bom Retiro’ foi uma experiência mesmo gratificante! Passaram por ali pessoas de diversas idades e culturas que, apesar das diferenças, tinham em comum a curiosidade em aprender algo novo, a ser atraído pelas cores e a colaborar com a peça. Estávamos todos no mesmo tapete, ali no meio fio, se ajudando e tecendo juntos uma peça que representava o sol. Foi isso, todos brilharam na construção conjunta. Nos sentimos acolhendo e sendo acolhidas”

Régis Costa (Centro de Atenção Psicossocial III Álcool e Drogas – CAPS III AD/ Projeto Occupart)

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“Gostei de ver os colaboradores com muita vontade e a interação dessa rede cheia de potencialidades. Creio que ações como essa colaboram bastante para uma educação mais ampla, divertida, com bons modelos e exemplos na prática de inclusão, diversidade e cidadania. Os pacientes do CAPS se sentiram pertencentes e isso é saúde, isso é a reforma psiquiátrica, essa é a proposta do projeto Occupart: ocupar os espaços de arte e cultura do território,  reinserir ou dar acesso aos excluídos e à população em situação de rua”

Jeimmy Andrea (Coletivo Audiovisual Itinerante – CAI

“Foi uma experiência emocionante, uma oportunidade de encontro e de conhecimento que permitiu começar a tecer com força uma rede de trabalho interdisciplinar, que abre o espaço à diversidade e inclusão. Nós, como equipe, nos oferecemos para seguir em atos desse tipo, que promovem alternativas e ferramentas de educação popular que permitem chegar em diferentes comunidades e nos acercar. Para 2017, a ideia é seguir em reuniões e dinâmicas de trabalho que permitam juntar forças e nos aproximar da diversidade que caracteriza São Paulo”

Victor Gonzáles (Ecos Latinos e Sí Yo Puedo

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“Ficamos felizes em poder participar do 1º Festival de Rua do Bom Retiro. Foi uma forma de fazer história na cidade, comemorando o Dia Internacional do Migrante com poesia latino-americana, brasileira, africana. Gostei demais da organização do evento como um todo, ver todos colaborando foi muito gratificante, houve muito amor envolvido nesse evento, muita disposição de todos os que organizaram, colaboraram e participaram. Ações como esta só enriquecem a cidade”

Denny Tavares (Núcleo de Apoio à Saúde da Família, NASF/UBS Bom Retiro

“Um dos desafios é tornar a comunidade consciente e empoderada de seu território, que é preciso zelar por ele e estabelecer uma relação mais próxima de todos os equipamentos disponíveis: saúde, saneamento, educação e lazer. Tendo consciência de como cada equipamento funciona e interage entre si, a população saberá como usá-los para seu melhor benefício. Nesse caso, precisamos continuar o trabalho de conscientização, esse evento foi um primeiro passo. Foi bom sentir o quanto o pessoal da equipe estava disposto a colaborar para que tudo desse certo. Ações assim fazem os profissionais de várias áreas se juntarem por um bem comum, não existe o ‘sou mais importante, pois tenho tal diploma’ e sim o ‘vamos nos juntar para com nossas experiências fazer algo diferente que beneficie a todos’. É preciso reconhecer que educação não é apenas saber ler e escrever, e sim integrar, ampliar e compartilhar conhecimento. Em uma ação como a do Que Bom Retiro a gente respirou isso” 

Alexandre Ribeiro ( Instituto A Cidade precisa de Você

” Um evento como esse colabora para uma cidade educadora quando as pessoas demonstram que têm interesse uma pela outra, quando você vê uma ação dessa, que fecha a rua para os carros e abre para as pessoas e convida a comunidade a participar de um festival. Isso demonstra que as pessoas se importam e que não precisam estar sempre esperando algo do poder público para interferir e fazer a vida das pessoas melhor. Acho que isso pode ser feito por nós mesmos”

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Inês Maria (Acupuntura Urbana / Espaço Fazedoria

“O que eu mais gostei foi ver a energia da organização horizontal acontecer e de ver que cada um estava realmente dando o seu melhor. Essas ações colaboram para uma cidade educadora, porque articula os vários setores que normalmente não conversam. As instituições, as organizações mais informais, essa abertura de diálogo e uso do território físico, parte que é publica, que é de todo mundo, faz com que se sintam empoderados do território onde atuam e que criem memórias afetivas sobre esse lugar, e isso contribui para que as pessoas olhem o território como uma oportunidade de crescer e de se relacionar e o vejam como sendo a sua casa”

Camila Marques Torres (Coletivo Feminicidade)

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“Ocupar a rua é um desafio. Cada história colada nos muros e postes do Bom Retiro representa a luta para que as mulheres sejam respeitadas, para que haja igualdade entre os gêneros nos espaços público e privado. E o mais enriquecedor é poder fazer isso em conjunto com diversos coletivos de abordagens distintas. O evento transformou a rua em um espaço acolhedor que permitiu conciliar diversas realidades, valorizando a memória e as histórias dos migrantes e moradores do bairro. Crianças, idosos, mulheres ocupando o espaço público, diversidade de interesses, experiências cotidianas e realidades sociais, esse sem dúvida é o caminho para uma cidade educadora”

Marcos (Programa Ambientes Verdes e Saudáveis – PAVS)
serviçosdesaude” O evento foi fantástico. Conseguiu agregar e reunir pessoas de vários segmentos, várias instituições, que participaram a colaboraram juntos e construíram um espaço que é participativo. Para a comunidade, foi uma ‘sementinha’ plantada, que pode gerar muitos frutos no futuro, gerou muitas parcerias e nos ensinou que é possível, sim, fazer e fortalecer as redes. Para o bairro, isso vai constituir uma rede sólida e construir vários eventos no futuro”

Patrícia Torres (Programa Ambientes Verdes e Saudáveis – PAVs

“O que eu mais gostei foi do comprometimento de todos os parceiros em realizar suas atividades. As pessoas que não vieram precisam ter essa oportunidade, pois os parceiros trouxeram atividades ricas. Nesses momentos, ouvimos de quem veio e de quem não veio a importância dessas atividades acontecerem sempre. É uma forma de proporcionar lazer a uma população de migrantes muito trabalhadora, porém carente de lazer, pois suas verbas não se destinam a isso. Nós colaboramos para uma cidade educadora respeitando, conhecendo, primeiramente, para poder respeitar e admirar as diferentes culturas. Há uma grande miscigenação nesse país onde a gente vive e as pessoas se educam se conhecendo e se aproximando”. 

Helenilson Barbosa (Serviço de Assistência Social à Família – SASF Bom Retiro)

“Foi uma experiência enriquecedora para nós, enquanto serviço social, ver um movimento ser criado e executado num curto espaço de tempo sem verba e tecido apenas pelos agentes que se desdobraram para que a ideia saísse do papel. Nos alegramos bastante em ver o envolvimento e engajamento de todos os agentes dos diversos serviços e coletivos envolvidos, o que evidenciou a importância do trabalho coletivo e comunitário. Para nós o ponto clímax do festival foi a criação de vínculos maiores entre as instituições, coletivos e pessoas que participaram tanto do evento quanto da organização do mesmo, algo que para nós precisa ser continuado”.

Waldir Grisólia ( Coletivo El Clã) 

 “Sou grafiteiro há mais de 15 anos. Hoje, vejo a grande importância do grafite em lugares públicos, valorizando e conservando esses espaços. Além de ser uma ferramenta em que se valoriza o artista, o local fica mais agradável e leva uma reflexão para quem as vê. O grafite é uma linguagem direta com a comunidade e as pessoas. Portanto, é fundamental abrir oportunidade aos artistas nesse grande museu a céu aberto que é a cidade”

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