publicado dia 16 de junho de 2015
Arte urbana é uma ferramenta poderosa de articulação entre escola e comunidade, defende pesquisadora
Reportagem: Pedro Nogueira
publicado dia 16 de junho de 2015
Reportagem: Pedro Nogueira
Hoje em dia, andando pelas grandes cidades brasileiras, é difícil não encontrar um muro de escola pública que não esteja colorido pelo grafite. Por mais que se sonhe com um mundo em que muros não separem a escola de seu meio e sua comunidade, é possível ver, nos coloridos, o desejo de transcender essa segregação. A arte urbana conversa com quem passa por ela. E essa relação pode gerar inúmeros frutos.
Isso é o que acredita Maria Luiza Viana, Professora Assistente no curso de Design da Universidade Federal de Minas Gerais, que trabalhou em dois grandes projetos da capital mineira que faziam a interface entre arte urbana e educação: o programa Escola Integrada e o Projeto Guernica. Enquanto o Escola Integrada, desde 2007, articula a experiência escolar com o seu entorno na rede pública de Belo Horizonte, o Guernica, que começou em 2000, foi um projeto piloto no qual se trabalhava com os grafiteiros e pixadores para discutir o meio urbano e sua atuação nele, despertando dimensões, conceitos e possibilidades de pesquisas.
“O Guernica tinha um foco grande em pensar o grafite e o pixo na cidade, mas também o sujeito que o faz, que discursos ele carrega, como ele os constrói. Fazíamos oficinas para discutir com os jovens e alargar as concepções de cidade. Foi uma experiência inovadora de escuta, quando esses projetos de juventude começavam a aparecer em Belo Horizonte, que davam voz e visibilidade ao jovem”, lembra Maria Luiza.
O Escola Integrada bebeu da mesma água do Guernica quando escolheu o grafite e a arte pública como ferramenta de aprendizado e transformação. O programa propõe a extensão do aprendizado escolar, com atividades que acontecem pela cidade, e com uma identidade visual de ocupação do espaço público expressa nos muros das escolas, valorizando conteúdos culturais e artísticos.
Sem querer
Mas o que esse tipo de ação pode despertar na cidade? Para a educadora, há um rico potencial nas descobertas que se dão quando uma escola se abre. Ela cita o exemplo de uma escola mineira que, ao conversar com vizinhos sobre a pintura dos muros da região, descobriu um artista plástico que lá habitava. Uma vez em contato com os educadores e estudantes, ele se tornou um oficineiro e colaborador da escola.
Outro processo interessante, segundo Maria Luiza, se deu no Morro do Papagaio, onde um beco abandonado ao lado da escola foi transformado pela comunidade. Mobilizados pela escola, os moradores ajudaram a rebocar as paredes de tijolo para servir de suporte para as pinturas que demarcariam o trajeto das crianças entre a escola e a oficina.
“A arte urbana tem esse potencial ativador de articulações comunitárias que realmente transforma os ambientes. Não é o poder público chegando em um lugar e ‘melhorando’. São os principais envolvidos mudando e rompendo com estigmas de certos espaços”, confirma Maria Luiza, para quem, a presença das crianças no espaço público carrega uma carga simbólica enorme.
“Até hoje, isso foi em 2010, o lugar ainda mantém as características que lhes foram dadas pela ação da pintura. A arte desencadeia a transformação local e torna permeáveis e transitáveis espaços que antes estavam ociosos”, analisa.
Cidade como currículo
Mas não é só a cidade que se transforma com a educação. A educação também se transforma em contato com a cidade. Na rua, “a experiência da arte se dá de maneira diferente se comparada a uma sala de aula ou um ateliê”, aponta a educadora. “Tendo a cidade como objeto de aprendizado você começa a perceber seu entorno, absorvendo elementos que estão ali no ambiente como cor, forma, espaço, luz, matéria de superfície”, complementa.
E ela faz questão de ressaltar que essa é uma proposta política também, já que desafia a concepção utilitarista da cidade com apropriações sensíveis e lúdicas e uma outra maneira de ocupar. “É uma saída à cidade do capital, do consumo, do tráfego de automóvel. Abre-se para uma percepção que vai além do aprendizado de artes, mas de biologia, geografia, enfim. É uma oportunidade de recolher tudo o que o ambiente te dá, tudo que está no entorno, processar e de alguma forma depois devolver para a cidade”, propõe Maria Luiza.
Transformando o meio urbano com pinturas, grafites e outros tipos de técnicas como mosaicos, jovens e crianças revertem o fluxo de tempo e de usos de espaço da cidade. Em seu artigo “Expressões Estéticas e Comunidades”, que analisa o projeto Escola Integrada, Maria Luiza lança, ao fim do texto, um pedido esperançoso aos seus concidadãos: “Espera-se que, com o tempo, a cidade de Belo Horizonte reconheça estas marcas, que aos poucos vão se propagando nas ruas, bairros e vilas da cidade. E que através delas perceba outras dimensões e outros fluxos contidos em seus espaços, que mesmo sutis e efêmeras sejam capazes de revelar as capacidades de criação e recriação de quem vive na cidade”.