“Piracaia na Leitura” democratiza a literatura no interior de São Paulo
Publicado dia 5 de novembro de 2021
Publicado dia 5 de novembro de 2021
Em 2014, após o anúncio do fechamento da única biblioteca municipal em Piracaia, interior de São Paulo, Amanda Leal de Oliveira, socióloga, sentiu necessidade de democratizar a leitura naquele território. A cidade de apenas 27 mil habitantes possuía, até então, apenas uma biblioteca pública em funcionamento – que acabou fechada pela gestão pública.
Amanda afirma se lembrar que o espaço permaneceu por ali, quieto, sem movimento, sem vida e sem leitores ativos. “Não tinha nenhuma programação ou possibilidade de acesso aos livros, então a gente acabou pensando em uma ação que pudesse contribuir com a formação de leitores e o direito à literatura em Piracaia”, conta. Foi aí que, ao lado de seu marido e filhos, resolveu criar um ponto de acesso livre à leitura e mostrar como essa relação entre livros e leitores poderia ser menos burocrática. Seria também mais democrática e colaborativa.
O desejo de uma literatura democrática foi então, o pontapé inicial para o nascimento do projeto “Piracaia na Leitura”. Com o apoio, mobilização, colaboração e envolvimento de muitas pessoas da cidade, foram conseguidos livros e materiais para que as chamadas bibliotequinhas começassem a ganhar forma. “Desde o início foi um pressuposto que tivesse a colaboração e envolvimento de muitas pessoas, nunca pensamos em o projeto ser nosso. Tínhamos a preocupação de fazer acontecer, mas sempre de um modo que contasse com as sugestões do maior número possível de pessoas”, afirma.
Após a arrecadação dos primeiros livros e materiais, entrou o apoio da gestão pública do município. O próprio nome, “Piracaia na Leitura”, foi escolhido em votação entre todos os alunos das redes pública e particular da cidade. O departamento de Educação de Piracaia, em contato com os idealizadores do projeto, entregou cédulas para votação em todas as escolas e o nome escolhido, sugerido também por um morador da cidade, ganhou com folga.
A ideia era de uma biblioteca com horários mais flexíveis e que ficasse aberta 24 horas por dia. Vem daí a escolha pelos pontos de ônibus da cidade. Também houve a preocupação em haver diversidade de leituras, pensando nos diferentes leitores e, desde o início, o sucesso da iniciativa e o envolvimento da comunidade puderam ser notados, destaca Amanda.
“Logo que a gente instalou a biblioteca, quando passava por ali para renovar o acervo, as crianças diziam que tinham votado naquele nome (para o projeto); então as pessoas já tinham alguma participação e envolvimento. Era a ocupação do espaço público de forma acessível, os livros chegavam onde as pessoas estavam e houve também a preocupação de construir algo que dialogasse com a identidade de Piracaia, que é toda de madeira e os próprios pontos de ônibus são assim. Quisemos colocar algo que contribuísse com a estética e a identidade”.
Atualmente o projeto tem 12 bibliotecas comunitárias (e cada uma delas conta com um mediador), espalhadas por pontos de ônibus da cidade. O acervo literário é renovado semanalmente. Amanda destaca sua preocupação permanente na atualização e variedade de títulos.
“Procuramos colocar diversidade de texto com crônica, conto, poesia, literatura infanto-juvenil, revista de temas variados, livros nacionais e estrangeiros. Então tem uma curadoria que vai muito do diálogo entre o mediador, que é o responsável e vê o que acaba saindo mais e faz mais sucesso ali, e a comunidade e público que frequenta”.
Os 12 pontos foram escolhidos em locais com grande circulação de pessoas, nas zonas rural e urbana. Além de diferentes regiões, também foram contemplados espaços próximos à escolas de educação infantil e ensino médio; houve ainda o atendimento de solicitações (de onde deveriam estar) que vieram dos próprios moradores da região. Amanda conta que seu desejo seria que houvessem bibliotecas em todos os pontos de ônibus da cidade, mas por falta de mão-de-obra, não é possível. “A gente até queria que tivesse em todos os pontos, mas não adianta instalar e não fazer manutenção, reposição de livros. É um projeto que vive do voluntariado, então resolvemos manter o número”.
Não há controle sobre quem retira os livros – e quais são eles. Há um carimbo em cada publicação com os dizeres “Pegue emprestado, leia sem pressa e devolva na casinha”. Afinal, a ideia condutora do “Piracaia na Leitura” nunca foi ser um projeto de doação de livros, e sim de circulação e democratização da leitura. Por isso, também é desenvolvido o aspecto da confiança e cooperação no momento de se levar cada história para casa.
“Não tem um controle, mas a preocupação está onde os livros estão na vida das pessoas, mais do que estarem na biblioteca. Queremos que ocupem estantes das histórias das pessoas e possam alimentar a vida dessas pessoas”, explica Amanda.
Hoje, o “Piracaia na Leitura” conta com uma equipe de aproximadamente 25 pessoas, das mais variadas profissões e formações. As funções vão desde manter a sala do acervo de livros organizada até receber doações, cuidar de uma biblioteca, fazer posts em redes sociais ou auxiliar na divulgação. O acervo conta hoje com cerca de 5 mil livros. Continuam acontecendo doações e compras quando há recurso disponível, sobretudo através de editais.
Com muito orgulho, Amanda também destaca o empoderamento que a democratização do acesso aos livros trouxe para a vida de muitas pessoas em Piracaia e comunidade local. “Muita gente que não tinha acesso a livros, e gostaria de ter, nos agradece por isso”. Diz que muitos “amaram se descobrir leitores” e que o projeto também contribuiu para o reconhecimento e valorização do espaço público.
Além disso, o “Piracaia na Leitura” foi um disparador para outras ações relacionadas à literatura e cultura piracaienses. Hoje, oito anos depois, a cidade conta com uma semana de literatura, escolas públicas se envolveram em projetos de revitalizações de suas salas de leitura e, além da reabertura da biblioteca (que em 2014 inspirou o surgimento do projeto), a prefeitura implantou um espaço de leitura voltado para crianças e jovens no parque público da cidade.
“É claro que não foi a gente diretamente, mas contribuímos com a discussão da importância da literatura. Então mostrar como a questão da leitura e cultura é algo que agrega para a cidade, inclusive para o turismo e divulgação, saindo na mídia, agrega culturalmente para Piracaia”, destaca Amanda.
Ainda sobre os impactos do projeto, a idealizadora do “Piracaia na Leitura” conta que há relatos de pessoas que saíram da depressão após o contato com os livros e conseguiram se reinserir na sociedade após encontrar palavras para os próprios sentimentos. Há também um senhor piracaiense que nunca teve livros em sua casa, mas após seus netos terem contato com os livros da bibliotequinha, ele relata com orgulho que montou uma estante com livros em sua casa para compartilhar o acervo com sua família.
Em 2021, a iniciativa conta com apoio do Instituto Cultura Etc, uma organização da sociedade civil. Quem desejar contribuir com doações pode entrar em contato através das páginas do “Piracaia na leitura” no Facebook e Instagram e pelo email [email protected].