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“O trajeto da minha casa até o curso técnico leva mais de uma hora. Para conseguir chegar, voltar pra casa e estudar de novo é um processo. Eu tenho que acordar mais cedo, me organizar, pegar o trem na hora certa, senão chego atrasada ou perco a aula.”

O problema descrito pela estudante Clara Ribeiro, 18, é comum em São Paulo. As questões referentes à mobilidade urbana – tema que alcançou repercussão nacional com o debate sobre as tarifas no transporte público e as inúmeras manifestações que agitaram o país nas últimas semanas – afetam diretamente a educação brasileira. As más condições do transporte público, somadas às dificuldades no trânsito e longas distâncias, configuram um dos motivos para a evasão escolar nos ensinos Fundamental, Médio e Superior.

Ainda nas palavras de Clara, que vive em Itaquera e fez curso técnico de alimentos no Senai, localizado na Barra Funda, “o transporte faz você chegar no ambiente escolar mais estressado, mais cansado, no aperto, tanto na ida quanto na volta. Quem mora na periferia e precisa de transporte público canaliza toda a sua energia nele, em vez de canalizar só para a educação”.

Distância Itaquera - Barra Funda chega a 30 km e 1h30 de viagem.

Segundo levantamento do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) referente ao ano de 2011, a taxa de evasão escolar no Ensino Fundamental brasileiro é de 2,8% dos matriculados, tendo a ampla maioria ocorrido nas redes pública municipal e estadual. Já no Ensino Médio, a taxa mais que triplica: 9,8% dos alunos abandonam os estudos (a maioria também faz parte da rede pública). Nas universidades públicas e privadas, a taxa de evasão atingiu 14,4% dos estudantes em 2010, de acordo com os últimos dados disponibilizados pelo Ministério da Educação (MEC).

Motivos variados sustentam o abandono dos estudos. Escolas distante de casa, precariedade do transporte escolar, necessidade de trabalhar e falta de interesse estão entre eles. Para Cleuza Repulho, presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e Secretária de Educação em São Bernardo do Campo (SP), “o transporte é uma questão fundamental para a permanência das crianças na escola”.

Ela cita as dificuldades de locomoção, principalmente nas áreas rurais e amazônicas, onde a qualidade do transporte é inferior à média. “Em alguns lugares, a questão não é só o transporte em si, mas sim reorganizar o sistema e o local onde essas escolas estão. Não adianta tirar as crianças da periferia e trazer para escolas do centro da cidade”, afirma ela.

Direito ao transporte articula outros direitos

Jéssica Moreira, 22, estudante de Jornalismo da Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação (Fapcom), relembra o período em que saía de Perus, na zona norte de São Paulo, para fazer um curso técnico na Lapa, zona oeste da cidade. “Desde cedo, aprendi o que é estudar dentro do transporte público. Muitas vezes, sentava nas escadas do ônibus e ali, entre um empurrão ou outro, terminava os exercícios da aula.”

Distância Perus - Lapa chega a 19km e 1h15

Hoje o trajeto até a Vila Mariana, onde fica a faculdade, também é longo – contudo, um pouco mais experiente, Jéssica ressalta que aprendeu a tirar proveito dele. “Eu me estressava muito, ficava revoltada por perder tanto tempo. Comecei a andar sempre com papel e caneta pra ir anotando as coisas que via. E o melhor é que comecei a interagir com as pessoas em volta e conhecer suas histórias. Senhores contavam, em uma hora, a história inteira da vida ou seus problemas. Então comecei a botar essas histórias em um blog, divulgar no Facebook”, revela.

São inúmeras as queixas dos usuários: preço das passagens, aperto, empurrões e atrasos, entre outros.

No Brasil, as maiores taxas de evasão ocorrem durante o ensino superior, quando já não existe transporte escolar gratuito – como no ensino básico – e nem sempre é possível estudar em instituições de ensino próximas de casa.  “Quanto mais velha a pessoa vai ficando, mais ela terá que bancar sozinha sua passagem de ônibus”, afirma Nina Cappello, 23, estudante de Direito e integrante do Movimento Passe Livre (MPL). De acordo com ela, “esse estudante vai ter que trabalhar pra conseguir pagar o transporte até a escola, uma dificuldade a mais, o que com certeza influencia na questão da evasão escolar”.

O MPL enfatiza que o direito de circulação na cidade – através da tarifa zero – é fundamental para que o cidadão possa exercer outros direitos, como ter acesso à saúde e educação. “Se você não tem transporte público gratuito e precisa pagar uma passagem, há algo te impedindo de ter acesso a esses direitos”, prossegue Nina. Para ela, a relação entre transporte e educação vai além da escola. “Tem uma série de atividades que complementam a educação nas escolas, como o acesso à cidade aos finais de semana para visitar museus, ir ao cinema e ao teatro.”

Expansão de vagas “sem qualidade” dificulta acesso

Letícia Schneiter, 18, estuda Design e usa transporte público para trabalhar e ir à faculdade. “É complicado em relação a tudo. É sempre muito lotado, seja metrô, ônibus ou trem. Sem contar que você nunca tem horário. Teve uma noite que eu saí da faculdade às 22h e, um percurso que leva normalmente uma hora e vinte, durou duas horas e meia”, relata Letícia.

A recente expansão do ensino superior divide opiniões sobre os impactos na educação brasileira. Segundo dados do Inep, em 2001 havia 1.391 instituições de ensino superior no Brasil; esse número saltou para 2.365, em 2011 – um aumento de mais de 70% –, alavancado principalmente pela expansão das instituições privadas: elas passaram de 1.208, no começo da década, para 2.081, em 2011.

Se por um lado o acesso aos cursos superiores mais que dobrou – e isso fica claro com o salto do número de universitários de 3.030.754 para 6.739.689 nos últimos dez anos –, por outro, dificultou a questão da mobilidade nas cidades. É o que pensa Paulo Rizzo, secretário do Sindicato Nacional dos Docentes em Ensino Superior (ANDES). Para ele, “os jovens precisam ter garantido o seu deslocamento e as condições para permanecer dentro das instituições de ensino”.

Ele avalia que tal expansão significou também uma mudança no perfil dos universitários, pois abriu oportunidades para parcelas da população que antes não tinham acesso à educação superior. “Porém, o aluno passa através da política de cotas, mas não recebe uma bolsa que garanta a ele pagar o transporte para ir estudar”, explica Rizzo.

A tarifa zero é uma maneira de incentivar os estudantes a não desistirem de seus cursos.

Morador de Artur Alvim, na zona leste paulistana, e estudante de Letras na Universidade de São Paulo (USP), Paulo Martins de Franco, 19, confessa que é duro arcar com o preço do transporte e depender de ônibus para estudar. “Demoro cerca de uma e meia, quase duas horas, pra ir de casa até a universidade. Nesse trajeto tomo ônibus e metrô. Com o preço da tarifa em R$3,20, gastava cerca de R$10 por dia pra ir e voltar. Em uma semana, R$50; no mês, só Deus sabe”. Ele recorda que, além do transporte, possui gastos com xerox e alimentação. “Isso dificulta muito a minha presença na universidade.”

Paulo Rizzo lembrou que os professores também sofrem com a questão. “Professores de universidades particulares têm que circular pela cidade de uma faculdade a outra e gastar tempo de deslocamento nas cidades para poder ir de um emprego a outro. Esse tempo de deslocamento é sempre improdutivo”. Segundo dados do Sindicato dos Professores de São Paulo (Sinpro), a capital paulista – que concentra 133 instituições privadas de ensino – tem 6.338 professores que trabalham em mais de uma dessas universidades, número equivalente a quase 12% do total de 54 mil docentes.

Contudo, Rizzo lembrou que “quem sente esse problema na pele são os estudantes, por isso foram eles que estiveram na vanguarda desses últimos movimentos”. E fez coro à principal bandeira do MPL: “nós do ANDES somos defensores da gratuidade do serviço de transporte”.

Tarifa zero

[stextbox id=”custom” caption=”História da Tarifa Zero” float=”true” align=”right” width=”250″]O projeto da Tarifa Zero foi anunciado em outubro de 1990 pela prefeitura paulistana. A princípio, ele pretendia garantir a gratuidade do transporte coletivo entre os meses de julho e dezembro do ano seguinte, e seria financiado por um Fundo de Transporte, baseado em uma cobrança progressiva do IPTU. O projeto, porém, foi derrotado na Câmara dos Vereadores da cidade, mesmo com aprovação de 65% da população à época.[/stextbox]

Um dos idealizadores do Projeto de Lei (PL) que pretendia implementar tarifa zero no transporte público de São Paulo durante a gestão de Luiza Erundina (1989-1992), o ex-secretário de Transportes, Lúcio Gregori, ainda defende a gratuidade do serviço. Segundo ele, o passe livre “vai significar que o acesso à escola, antes um dos principais problemas na educação brasileira, passe a ser absolutamente tranquilo. É sabido que há pessoas que vão a pé para economizar, há pessoas que não vão, e isso não acontece só na educação, acontece na saúde também”.

Em uma sociedade já tão acostumada às privatizações no setor público, Gregori valoriza ainda mais o retorno da gestão pública aos transportes. “Eu acho que isso teria um efeito pedagógico muito importante na vida das pessoas, pois uma das características que vejo na nossa cidade é o inverso disso: de um modo geral ela privatiza a coisa pública. A gratuidade, desde que trabalhada também nesse aspecto, tem um forte poder pedagógico e educacional”.

Atualizada no dia 26/6, às 12h31.

Confira as matérias do especial “A Rua Ensina”:

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