O estudante Michael Cerqueira de Oliveira, de 17 anos, que teve a nota da redação no Exame Nacional de Ensino Médio (Enem) alterada de “anulada” para 880 conseguiu nesta semana um documento que pode ajudar milhões de candidatos a entender suas notas. Chamado de espelho da correção, ele inclui uma tabela com os itens avaliados e a pontuação máxima que se pode obter em cada um.
Próximo caso: MEC tem cinco dias para dizer se mostrará correção de todas as redações
Os critérios são os mesmos do edital:
1 – Demonstrar domínio da norma culta
2 – compreender a proposta de redação e aplicar conceitos das várias áreas de conhecimento para desenvolver o tema, dentro dos limites estruturais do texto dissertativo-argumentativo
3 – Selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fatos, opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista
4 – Demonstrar reconhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para a construção da argumentação
5 – Elaborar proposta de intervenção para o problema abordado, demonstrando respeito aos direitos humanos
O que não era informado e fica claro na ficha de correção é que cada um deles tem exatamente o mesmo peso, 200 para cada. Ao pé da tabela há um campo a ser preenchido sobre a “Situação do texto segundo o avaliador”. Todas as provas deveriam ser corrigidas por dois avaliadores independentes e, em caso de discordância de mais de 300 pontos, um terceiro.
No caso de Michael, o primeiro corretor escreveu “Fuga ao tema” neste espaço, o que anularia a sua redação. Todos as demais notas foram zeradas.

Espelho do primeiro avaliador
Um segundo avaliador deu nota máxima ao estudante nos critérios dois e cinco – exatamente os relacionados à compreensão do tema, contradizendo totalmente o primeiro. No entanto, a redação se manteve anulada até que a escola Lourenço Castanho, onde o aluno é bolsista, entrasse com pedido judicial para ver o texto. Dois dias depois, antes de atender à Justiça, o Ministério da Educação afirmou que foi encontrada a segunda correção e confirmada por um terceiro avaliador. Portanto, a nova nota era 880.

Espelho do segundo avaliador
É curioso que, apesar do edital afirmar que o terceiro corretor refaz a correção, neste caso, ela foi exatamente idêntica a do segundo corretor.

Espelho do terceiro avaliador
Michael, que quer cursar Economia, tenta uma vaga na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) ou na Universidade de São Paulo (USP), onde terminou o vestibular ontem. “Mesmo que eu não precise do Enem para entrar no curso superior, é uma nota muito importante. Por exemplo, estas bolsas para o exterior que o governo anunciou são pelo desempenho no Enem, eu posso tentar”, comenta.
A voz de quem corrige
Quem está acostumado a corrigir redações tanto no Enem quanto em vestibulares e concursos públicos se diz surpreso com a falha na correção de Michael. “Fiquei muito surpresa com a falha e lamentei muito o ocorrido, porque acho o processo muito rigoroso. O treinamento é intenso e o meu supervisor, por exemplo, fica atento a tudo, o tempo todo”, contou ao iG uma corretora de São Paulo, que não pode se identificar por causa de termo de sigilo do contrato.
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A corretora conta que, em casos de discrepância, o supervisor não só faz sua própria correção como discute as mudanças de nota com os corretores. “Para chegar em um afinamento. Além disso, um apanhado de redações é corrigido separadamente, mesmo que não haja divergência, para analisarmos se há uma coerência na correção”, afirma. Segundo essa professora, uma nota zero não é dada facilmente. Há muitos itens a serem considerados.
Cada um dos cinco critérios é avaliado em seis níveis (de proficiência muito baixa ou ausente a excelente), ou seja, a nota para cada item pode ser zero, 40, 80, 120, 160 ou 200. A orientação, segundo corretores, é que algo seja sempre considerado, a menos que o texto fuja do tema proposto ou não seja uma dissertação, tenha até sete linhas apenas, contenha frases dos textos motivadores transcritas ou “impropérios”, como desenhos.
A correção dos textos é feita por um programa de computador. O processo, segundo professores ouvidos pelo iG, costuma ser mais tranquilo – porque o corretor faz no seu tempo, em casa, sossegado e descansado – e bem monitorado. Mas não está livre de falhas, eles admitem. No caso da Fuvest, por exemplo, as correções são feitas no papel, em local e hora definidos pela universidade.
Sem neutralidade
Apesar dos critérios claros, corretores admitem que há subjetividade na correção. Há professores mais exigentes e outros menos. Por isso, o papel da supervisão e do treinamento é fundamental. “Por mais treinamento que haja, a visão de quem corrige não é totalmente eliminada e vai haver divergências de correção. A matriz é clara e objetiva no papel, mas são milhões de textos sendo corrigidos. É impossível garantir neutralidade absoluta”, comenta outro corretor de Brasília.
Esse corretor, que dá aulas em escolas de ensino médio, acredita que tornar o processo mais transparente – dando vistas às correções – é importante para tirar as dúvidas dos candidatos. Mas ele defende que os candidatos conheçam melhor as exigências da prova. Ele ressalta que, às vezes, o aluno faz uma boa redação, mas não segue o que é exigido na matriz e perde pontos. “E ele não compreende isso, porque não sabe, na verdade, o que se quer dele”, diz.
(IG)