De Ângela Chagas, do Terra
Homossexual assumido, Rubenilson Araujo é o único professor da escola estadual Frei José Maria Audrin, em Porto Nacional (TO), que tem “coragem”, como ele mesmo define, de discutir a homofobia na sala de aula. Segundo ele, a posição da presidente Dilma Rousseff ao vetar o kit que seria distribuído em escolas públicas há um ano foi responsável por um grande retrocesso no combate ao preconceito contra gays, bissexuais, travestis e transexuais nas escolas. “A gente nota que os professores já viam o tema como tabu e a posição da presidente contra o material reforçou ainda mais isso. As escolas silenciaram completamente e ninguém mais cogita falar em homofobia”, afirma.
Para o professor de português, qualquer posição da presidente da República tem um impacto grande sobre a população, ainda mais quando o tema é considerado “difícil”. “Todos silenciaram, mas o problema só agravou. O número de crianças e adolescentes vítimas da discriminação nas nossas escolas aumenta a cada dia”, afirma o educador, que desenvolve atividades nas turmas de 8º e 9º ano do ensino fundamental para que os alunos aprendam a respeitar a diversidade.
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Araujo tenta ajudar a mudar as estatísticas de violência contra os homossexuais porque sabe muito bem o sofrimento causado pelo preconceito por “ser diferente”. “Fui vítima de homofobia durante toda a minha vida escolar. Chegava em casa com marcas, porque apanhava muito na escola. Meu refúgio foi estudar”, conta o professor de 36 anos, que apresentou sua tese de mestrado sobre diversidade sexual no final de 2011 na Universidade Federal do Tocantins (UFT). “Quando escolhi ser professor, também enfrentei preconceito e até hoje enfrento de algumas pessoas. Mas meus alunos aprenderam a me respeitar”.
Nas aulas de português da escola, além dos clássicos de Machado de Assis e Aluísio Azevedo, os alunos passaram a se dedicar à literatura infanto-juvenil, com obras que abordam a temática da diversidade sexual. Olivia tem dois papais, de Márcia Leite, e O gato que gostava de cenoura, de Rubem Alves, são alguns exemplos de livros que fazem parte das atividades em sala de aula. “Os alunos leem e depois promovemos um debate para discutir a questão da identidade, do respeito às diferenças”, conta o professor, que leciona há 17 anos.
Araujo diz que todos os alunos sabem da sua orientação sexual. “Nos debates eles já me perguntaram: ‘professor você é gay?’. Eu expliquei que era homossexual e um deles me respondeu que queria ser meu amigo. É uma relação harmoniosa, eles aprenderam a respeitar”, comemora. O educador conta que desde que o trabalho começou a ser feito na escola, ele percebe que o convívio entre os colegas melhorou. “No 8º ano tenho um aluno que enfrentava violência verbal por ser muito próximo das meninas. Ele estava sempre com as garotas no intervalo e os outros incomodavam. Percebo que isso começou a mudar, os outros passaram a respeitá-lo mais e houve até uma integração maior entre os colegas”, afirma.
O educador diz ainda que tem conquistado o apoio da direção da escola para o seu trabalho. “Eu apresento um relatório quinzenal das atividades que desenvolvo e nunca tive nenhum problema”, diz. Apesar disso, Araujo sente falta de um maior engajamento dos outros docentes. “Uma professora das séries iniciais até se interessou pelo meu trabalho, principalmente porque os livros têm uma linguagem bem infantil, mas disse que não teria coragem de discutir isso com os alunos. Às vezes sinto que estou sozinho nessa luta”, completa.
Qualificação dos professores
Para o professor do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Pedro Paulo Bicalho, a falta de interesse dos educadores em discutir a homofobia é resultado do despreparo para tratar temas considerados difíceis. “Os professores não só se sentem despreparados, como não existe nenhum tipo de discussão com eles. A LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) coloca a diversidade como um tema transversal, mas o que nos vemos ocorrer é que isso é trabalhado de maneira muito iniciante por um professor de ciências, como um tema biologizante, da sexualidade com fins reprodutivos”.
Bicalho coordena o curso de extensão em Diversidade Sexual nas Escolas promovido pela UFRJ para capacitar educadores para lidar com a homofobia. “O curso existe desde 2006 e temos capacitado uma média de 600 professores por ano”, afirma ao destacar que faltam vagas devido ao interesse. “A grande questão é que a homofobia está batendo na porta do professor e ele não sabe como reagir. Muitas enfrentam o problema em casa também, com os seus filhos”, comenta. Segundo ele, infelizmente o trabalho feito pela UFRJ ainda é muito pequeno se comparado à necessidade do País. “A capacitação dos professores para tratar da diversidade sexual e do respeito aos direitos humanos deveria ser uma política de Estado. Deveria fazer parte de toda a educação formal do Brasil”, diz o professor.