publicado dia 17 de março de 2014
No início de fevereiro, foi apresentado à Câmara Municipal de São Paulo o Projeto de Lei (PL) 10/2014, que tem como objetivo restringir gradualmente a circulação de veículos no Elevado Costa e Silva, obra viária que liga o centro à região oeste da capital. Se aprovado, o projeto tem a intenção de criar um parque elevado em até quatro anos.
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Um debate realizado pelo Centro Ruth Cardoso na última quarta-feira (12/3), entretanto, mostrou que a criação do Parque Minhocão não é unânime entre os paulistanos. No encontro, alguns moradores da região se posicionaram a favor da demolição de uma das obras mais controversas da história de São Paulo, enquanto outros defenderam a ideia de um corredor cultural para ocupar as vias desativadas. Entre eles, o único consenso é de que o viaduto de quase três quilômetros precisa ser transformado.
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Democracia urbana
O movimento Amo Sampa é um dos que pede a demolição completa da via, calculando que a venda das vigas pré-moldadas pode custear a obra. Para eles, em seus 43 anos de existência, o Minhocão trouxe problemas de audição e respiração, além de poluição sonora e visual para os moradores do entorno. “Defendemos o Minhocão no chão para revitalizar o centro”, afirmou um integrante do movimento.
Representante da Associação Parque Minhocão, o professor universitário Wilson Levy, doutorando em direito urbanístico, fez um resgate histórico da criação do Minhocão e lembrou que, à época, os agentes que pensavam em uma cidade melhor perderam para a especulação urbana e imobiliária. “Hoje temos a chance de reverter isso. O projeto de lei abre uma clareira e coloca a cidade no centro das discussões públicas”, opinou.
O presidente do Departamento São Paulo do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), José Armênio Brito Cruz, sentiu falta de um projeto de lei mais detalhado, principalmente no que diz respeito aos investimentos financeiros que serão necessários. “Como arquiteto, meu receio é que a ideia de parque caia no vazio”, aponta. Para ele, contudo, o futuro do Minhocão pode se tornar vanguarda na transformação da cidade. “Precisamos construir uma democracia para além da eleitoral: uma democracia urbana, onde a comunidade influi na própria cidade”, afirma Brito Cruz.
Uso temporário
A inconstitucionalidade do projeto de lei voltou a ser discutida pelo professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, Renato Cymbalista. “Todos os projetos de planejamento urbano precisam consultar a população do local a ser modificado. Mas as pessoas que moram no entorno do Minhocão não foram ouvidas”, alertou Cymbalista.
Embora tenha críticas ao PL, ele não vê na demolição uma saída para o elevado. “Não gostaria de ver o Minhocão integralmente destruído. Até para a gente não esquecer, não repetir o erro e conseguir problematizar o que foi essa obra. Acho importante para a temporalidade da cidade”, afirma.
Os participantes concordaram que uma das vantagens do Minhocão ainda não ter virado um parque permanente é a possibilidade de, nos dias em que a via está fechada para veículos, poder ocupá-lo de diversas formas. “O uso temporário é muitas vezes mais criativo, pois ele tem que ser modificado sempre. São poucos os espaços da cidade que permitem um uso com essa versatilidade”, lembra Cymbalista.
Qualidade de vida
A questão da saúde da população no entorno foi abordada por Sérgio Borges, assessor do vereador Ricardo Young (PPS), um dos sete parlamentares que assina o PL Ele afirma que quem mora muito perto do Minhocão vive menos. “É o preço que se paga pela urbanidade desenfreada. Isso demanda escolhas e, nesse sentido, o parque pode ser uma solução paliativa para elevar a qualidade de vida.”
O artista plástico Paulo von Poser, membro da Associação Parque Minhocão, defendeu que “foi-se o tempo da arquitetura rodoviarista”, referindo-se às obras e construções que privilegiam os automóveis. Ele também falou sobre a carência de espaços públicos na capital paulista. “Só o uso que modifica a nossa percepção sobre o espaço público na cidade. O Minhocão é simbólico de uma mudança que pode influir na dinâmica de uso da cidade.”