publicado dia 20 de maio de 2014
Por Carolina Pombo
Quando comecei a procurar creche para minha filha ela tinha quatro meses e eu pretendia voltar ao trabalho e me preparar para uma seleção de doutorado, na cidade do Rio de Janeiro. Eu trabalhava em home office, e queria uma creche com horário reduzido com a qual pudesse conciliar amamentação e um turno sem interrupções para trabalhar. Procurei muito, mas só consegui um espaço adequado quando minha filha já estava com um ano e meio. Resultado: tive muita dificuldade de conciliar minha vida profissional e familiar, e demorei três anos para retomar o projeto do doutorado.
Na ocasião, visitei mais de dez creches particulares, e as maiores dificuldades que eu encontrava eram: cargas horárias inflexíveis, impedimento da entrada de mães e pais no espaço da creche no dia a dia, poucos profissionais qualificados, mensalidades muito caras. Até que, interessada sobre a questão da educação infantil e da igualdade de gêneros, li sobre o modelo das creches parentais na França. A vontade de criar algo parecido na minha cidade foi enorme! Porém, eu ainda não sabia se existiam outras pessoas com a mesma motivação, e teria que investir muito tempo antes que o projeto fosse operacionalizado – minha filha já estava com dois anos e eu estava razoavelmente satisfeita com a escola infantil onde a tinha matriculado.
[stextbox id=”custom” caption=”Coluna Livre” float=”true” align=”right” width=”250″]O artigo Mães brasileiras conhecem as creches parentais francesas foi escrito por Carolina Pombo, editora do blog Com a cabeça fora d’água e autora do livro A mãe e o tempo – ensaio da maternidade transitória, publicado pela editora Memória Visual.[/stextbox]
Mas, a vontade de conhecer de perto esse modelo só fez aumentar, e desde então, ele tem feito parte de meu projeto de pesquisa, que está em andamento, na França, desde o início de 2013. Durante o doutorado, pude visitar uma creche parental em Paris e entrevistar profissionais que trabalham nesse tipo de estabelecimento, além disso, conheci uma mãe brasileira que é professora universitária e vice-presidente de uma dessas creches. Junto com outras brasileiras, da França e do Brasil, estamos conversando sobre cuidados coletivos de crianças que favoreçam a partilha do cuidado, pensando no bem-estar infantil e na igualdade de gêneros na família e no mercado de trabalho. Estamos percebendo que o movimento recente de cuidados coletivos e o histórico das creches comunitárias, no Brasil, podem ser motores para a criação de um modelo brasileiro de creche parental.
Na França, as primeiras iniciativas nesse sentido ocorreram na década de 1970, com as chamadas “creches selvagens”, que eram estruturas autônomas, criadas e gerenciadas pelas famílias, para suprir a carência de vagas nas creches públicas. Essas iniciativas se espalharam muito nas duas décadas seguintes e foram reconhecidas pelo Estado francês, que passou a contribuir para o financiamento e a criar regras para a organização, como o limite de até 20 crianças. Hoje, essas creches são associações que devem ser registradas no órgão público local de saúde materno-infantil. Elas contam com pediatra e psicólogo, uma diretora pedagógica, e auxiliares que são treinados por escolas especializadas. As mães e os pais são responsáveis pela gestão e pelo co-financiamento da creche, e assumem cargos na tesouraria, secretaria, presidência, etc. Além disso, eles se ocupam da manutenção, como a lavagem das roupas e a compra de alimentos, e fazem a seleção de profissionais e de crianças, que deve levar em conta a possibilidade dos pais se engajarem na associação.
A característica mais interessante desse tipo de creche é que cada responsável familiar deve participar de um tempo mínimo de “permanência”, que varia de um a quatro turnos mensais. Isso, além de resolver o problema do encarecimento e da falta de vagas em creches particulares e públicas, promove maior interação entre instituição e “clientes”. Quer dizer, nesse caso, todos são clientes e todos são responsáveis pelo bom funcionamento da instituição, promovendo uma forma inovadora de relação de cuidado que não se limita pelo consumo.
A diretora da creche parisiense com a qual conversei disse que essa participação parental torna o trabalho dela mais difícil, porque deve dividir muitas decisões, mas também o torna mais satisfatório em termos pedagógicos. Ela afirmou sem hesitação: “eu acho que as crianças que vão às creches parentais são mais felizes”. Eu comentei que essa “felicidade” que ela observa deve ser reflexo de pais e crianças mais satisfeitos, já que os horários de entrada e saída, sonecas e refeições são relativamente adaptáveis. Maíra Mamede, mãe brasileira e vice-presidente da mesma creche, prefere falar de “segurança emocional”, que é favorecida pela “transição leve entre o espaço familiar e coletivo”. Ela diz que não é fácil participar, porém é mais difícil ainda deixar a creche, depois de dois anos de envolvimento. Agora que seu filho Benjamin se prepara para ir à escola, ela diz, emocionada, que “essa aventura foi feita de apoio, troca e partilha”.
Maíra e seu companheiro escolheram a creche parental porque ao mesmo tempo em que permitiria a volta dela ao trabalho, favoreceria o envolvimento deles na educação do filho. Ela argumenta que ao invés de se fechar em suas próprias crenças sobre educação, pôde construir-se como mãe no meio de uma coletividade, aprendendo com diferentes visões de mundo: “Benjamin aprendeu muito e nós também. Ao longo de dois anos, nós nos construímos como família”.
Alguns direitos familiares na França permitem que pais e mães com crianças pequenas tenham mais tempo para se dedicar a sua educação, dentre eles a redução da carga de trabalho sem a perda do emprego e com redução salarial. Eles também recebem uma compensação financeira pelo programa de Allocation Familale (uma espécie de Bolsa-família que atende todos os cidadãos com filhos). No Brasil, ainda não temos direitos familiares tão amplos e há pouco incentivo financeiro para creches associativas, porém, enquanto as alternativas vão se construindo, as famílias se envolvem mais no debate sobre a educação infantil e criam novas demandas. Agora, sonho que um dia nosso país também seja conhecido por seu próprio modelo de creche parental.