publicado dia 12 de julho de 2012
“É ao ar livre, observando o comportamento dos mais velhos, brincando e cantando que acontece a educação de acordo com costumes e tradições indígenas”, afirma o educador Vitor, índio guarani, morador da aldeia Tekoa Pyau, localizada no Pico do Jaraguá, em São Paulo. Para ele, o modelo de educação da sociedade branca pode ser uma ferramenta na luta pelos direitos indígenas. “Se não lemos nem escrevemos, o homem branco não nos escuta.”
Ao longo da história, a educação indígena foi construída a partir de duas matrizes. De um lado estava a utilização do ensino como instrumento de inserção e adaptação à sociedade branca. De outro, uma luta histórica para que seu potencial fosse empenhado na valorização da tradição, conhecimentos e línguas das diferentes etnias. O antropólogo, especializado em educação indígena, Luis Donizete, acredita que “essas possibilidades resultaram em um conflito inevitável, com o qual os índios têm de lidar”.
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Já Vitor vê na escola um papel estratégico, fundamental para estabelecer diálogos com o homem branco. “Deve formar os jovens para compreenderem o mundo e assim, tornarem-se grandes líderes”. Ele conta que, no passado, a liderança era de responsabilidade dos mais velhos, mas que atualmente as necessidades da comunidade são outras. “O líder deve defender nossos direitos, precisa saber negociar com o homem branco e isso os mais velhos já não conseguem fazer, pois a maioria não sabe ler ou escrever”, revela o educador.
A alfabetização passou, então, a ser o maior objetivo das escolas nas comunidades indígenas. Em Tekoa Pyau há uma escola de ensino fundamental. Segundo Vitor, o primeiro desafio das crianças é “aprender a ficar cinco horas sentadas, quietas e ouvindo o que uma pessoa tem a dizer”. Ele afirma que na escola local é preciso ensinar aos pequenos como se “comportar” em sala de aula, pois quando chegarem as séries mais avançadas terão que ir para uma escola da cidade.
Na tentativa de tornar a educação um instrumento que facilite a defesa de seus direitos, muitos jovens acabam se afastando das suas tradições. “O maior desafio é fazer com que a escola não seja uma porta de saída da comunidade para o contexto urbano”, avalia Donizete, que já foi assessor do Ministério da Educação (MEC) para a política nacional de educação indígena.
O especialista aponta que, na maioria dos territórios, entre as diferentes gerações indígenas, há um crescente conflito no que se refere ao legado cultural dos povos. Os mais jovens alegam que os anciãos não querem mais ensinar. Os mais velhos dizem que os jovens não se interessam pelas tradições. Entre todos, muitos defendem ser capazes de adquirir conhecimentos dos brancos, sem deixar de ser índio.
A escola e o índio
Durante a colonização do Brasil a escola foi um forte instrumento de transformação dos povos nativos. Ela tinha o claro objetivo de convertê-los em cristãos através de um processo de catequização empreendida pelos missionários jesuítas, que ansiavam usá-los como mão de obra, além de querer dominar seus territórios.
De acordo com informações da Fundação Nacional do Índio (Funai), os avanços da urbanização no Brasil deram origem a novos conflitos a partir dos anos 1900. Os movimentos de expansão para o interior do país fizeram surgir uma verdadeira guerra contra os nativos. Havia inclusive os que defendiam o extermínio dos índios que impedissem a “civilização” do Brasil. Foi neste contexto que surgiu o Serviço de Proteção aos Índios (SPI), em 1910, que mais tarde se transformaria na Funai.
Entre os anos 60 e 70, a causa indígena ganhou mais força com o surgimento de uma série de instituições e Organizações Não Governamentais (ONGs), como a Comissão Pró Índio, Operação Amazônia Nativa (OPAN) e o Centro de Trabalho Indigenista (CTI).
Mas foi com a iniciativa dos próprios povos indígenas que, a partir de 1980, surgiu a reivindicação de autogestão dos processos de educação formal. Naquele momento, os índios passaram a exigir uma educação que respeitasse as diferenças e especificidades de cada etnia.
“Se para a sociedade a educação está intimamente ligada as possibilidades de mobilidade social, nas realidades indígenas o sentido deveria ser justamente o contrário”, avalia Donizete. O ideal é que ela viabilize a manutenção e a potencialização das tradições. De acordo com ele, “muitos indígenas ainda não conseguem impor sentido próprio para seus processos de escolarização”.
Atualizada no dia 19/4, às 13h50.