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Por Júlia Rabahie, da Rede Brasil Atual.

Foi aprovada na quarta-feira (26) uma proposta pela Comissão Especial sobre Mortes e Desaparecidos Políticos (Cempd), ligada à Secretaria de Diretos Humanos da Presidência da República (SDH), de retificação dos atestados de óbito dos mortos pela repressão militar. A comissão notificará cartórios de todo o país pedindo a alteração nos documentos. O número de retificações gira em torno de 400.

A proposta aprovada segue no caminho da decisão anterior do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) publicada na segunda-feira (24), sobre a retificação do registro de óbito do jornalista Vladmir Herzog. A decisão foi tomada após recomendação por parte da Comissão da Verdade ao Juízo de Registros Públicos de São Paulo. Em vez de suicídio, versão do documento apresentada por autoridades na época, constará na certidão que a morte “decorreu de lesões e maus-tratos sofridos em dependência do 2º Exército em São Paulo (no antigo DOI-CODI)”.

O debate sobre a memória do período da ditadura militar do país (1964-85) ganhou mais visibilidade este ano, em grande parte devido às atividades da Comissão Nacional da Verdade (CNV), instalada em maio para apurar os crimes cometidos por agentes de Estado durante o regime.

Segundo Marco Antônio Barbosa, presidente da Cempd, a retificação é uma medida que visa atender às justas reivindicações dos familiares por documentos que condigam com a verdade sobre o destino dessas pessoas. “É uma necessidade essencial que visa, além de construir a memória histórica do país comprometida com a verdade, mitigar a dor experimentada pelos familiares de mortos e desaparecidos políticos”, disse.

Porém, a estrutura para que as retificações sejam feitas ainda não está montada. Barbosa ressalva que antes de tudo será feito um trabalho de comunicação com as famílias, para que elas estejam cientes e autorizem as mudanças nos atestados. “Evidentemente, as decisões têm de ser tomadas respeitando a vontade das famílias”. O presidente da Cempd ainda afirmou que a ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário, se comprometeu a dar todo apoio necessário para que a estrutura se complete.

Barbosa ainda lembrou da iniciativa como uma possibilidade significativa de contribuir com o papel da Comissão da Verdade. Ainda não há previsões de novas colaborações entre a Cemdp e a CNV. “Independentemente de haver parceria ou não, a lei que criou a Comissão da Verdade diz que ela pode e deve atuar de forma articulada e integrada com outros órgão públicos, então já existe uma colaboração”, disse.

Outra importante decisão tomada na reunião da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos de quarta-feira foi a criação de uma política nacional de localização de todos os locais no país que foram utilizados para práticas de violações dos direitos humanos na ditadura. Depois de mapeados, estes locais serão transformados em “sítios de memória”.

Ainda não há uma estrutura montada para a efetiva transformação das casas de tortura em sítios de memória, ou se serão museus, mausoléus ou monumentos. Segundo o presidente da comissão, “há diversas formas de preservação da memória, o que se busca ao fim de tudo é contar a história do Brasil como ela de fato foi”.

Em julho deste ano, a historiadora Heloísa Starling, que assessora a Comissão Nacional da Verdade, apresentou um mapeamento dos centros de tortura no país nos tempos da repressão, na pesquisa do Projeto República do Núcleo de Pesquisa, Documentação e Memória da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Foram localizados 83 destes locais, distribuídos por todo o país, incluindo aqueles fora do aparato oficial de repressão, como eram os Doi-Codi. Estes locais não-oficiais ficaram conhecidos como “casas de morte”.

Exemplo conhecido destes centros é a “casa de morte” de Petrópolis, no Rio de Janeiro, que foi desapropriada e declarada como local de utilidade pública pela prefeitura da cidade em agosto deste ano. A ideia é que o local seja transformado em um museu voltado para o resgate da memória e da verdade sobre os crimes cometidos pelo Estado durante a repressão. O local era mantido pelo Centro de Informações do Exército (CIE). Acredita-se que pelo menos 22 presos políticos foram torturados e mortos naquela casa.

Em nota divulgada em maio deste ano, setores das Forças Armadas deixaram claro que gostariam que a CNV investigasse também os supostos abusos cometidos por militantes de esquerda que lutaram contra a repressão. O texto criticou também o tratamento, segundo eles, excessivamente cuidadoso dado pelo Estado às famílias dos guerrilheiros, enquanto as famílias dos militares mortos “no cumprimento de deveres que lhes haviam sido legitimamente atribuídos” encontram-se abandonadas.

Para o presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, a atual relação com as Forças Armadas é da melhor qualidade, frisando que a resistência a ações como a da Cemdp está em oficiais da reserva e naqueles que praticaram, comandaram ou apoiaram efetivamente a tortura. “A resistência está naqueles que temem alguma responsabilização. As Forças Armadas deveriam ser tão interessadas quanto as famílias da vítima, para que haja o resgate à memória e à verdade”.

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