Por Lucas Ferraz e Kelly Mattos, da Folha de São Paulo
No dia em que tomaram posse, os integrantes da Comissão da Verdade buscaram ontem abrandar a primeira divergência pública do grupo: a possibilidade de investigar violações de direitos humanos cometidas não só pela ditadura, mas também pela guerrilha que a combateu.
Coordenador rotativo da comissão, o ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça, disse que a primeira reunião do colegiado foi “meramente burocrática” e não discutiu focos.
Dipp será também o porta-voz do grupo. Ontem, ao fim do dia, ele disse que não há “cisão” e fez um apelo: “Deem tempo para a comissão trabalhar direitinho.”
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Para a advogada Rosa Maria Cardoso, “cada um tem a sua compreensão dos fatos, mas a comissão precisa ter uma voz só”. Ela defendeu Dilma Rousseff na ditadura e já disse ser contra a apuração de atos da esquerda armada.
Na solenidade de instalação da comissão, o advogado José Paulo Cavalcanti Filho evidenciou o mal-estar com a divergência pública. Afirmou que ninguém sabe a fórmula para o trabalho dar certo, mas que “para dar errado, é só cada um dos membros começar a dar sua opinião”.
“Não dá para sete iluminados saírem dizendo o que pensam sobre determinado assunto. Não vamos resolver nada assim. A comissão só vai dar certo se tiver convergência”, afirmou.
Durante a solenidade, questionado se as investigações incluirão “os dois lados”, Dipp sugeriu que sim: “Toda violação de direitos humanos. Presta atenção no que eu disse. Toda a violação de direitos humanos”.
DESENCONTROS
O ex-ministro da Justiça José Carlos Dias já havia dito que a comissão deveria analisar a apuração de casos de violações tanto da ditadura quanto da luta armada.
Único dos sete integrantes da comissão a discursar na posse, ele afirmou ontem que é “fundamental dizer que abusos cometidos por cidadãos na luta contra a ditadura não justificam os atos de violência praticados pelos agentes do Estado”.
Já o pesquisador Paulo Sérgio Pinheiro disse ao jornal “O Globo” que “é bobagem” apurar crimes da esquerda, uma vez que o foco deve ser na opressão estatal. Posição semelhante tem a psicanalista Maria Rita Kehl.
A lei que criou a Comissão da Verdade prevê a apuração de violações dos direitos humanos entre 1946 e 1988, mas o grupo tende a focar na ditadura, que foi de 1964 a 1985.
Militantes da área de direitos humanos defendem que as investigações se limitem a ações de agentes da repressão, mas militares querem estender o foco para ações da luta armada contra o regime.
O encontro de ontem foi realizado no Planalto com os ministros Gleisi Hofmann (Casa Civil), José Eduardo Cardozo (Justiça) e Luiz Inácio Adams (Advocacia Geral da União). A sede do grupo será o CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil) de Brasília.
Serão organizadas reuniões ordinárias (a cada 15 dias) e extraordinárias (sem data fixa). “Mas podemos trabalhar virtualmente, por telefone e também de outras cidades”, ressaltou Dipp.