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Frente a frente com o índio Klekeiniho, a pequena Maria, de 6 anos, estica o braço e toca o cocar de penas do já antigo amigo, em uma atividade que se repete desde 2010 e virou tradição no Colégio Sidarta, em Cotia, na Grande São Paulo: uma vivência entre membros do grupo indígena Fowá Fulni-ô, que vive em uma reserva na cidade de Águas Belas, no interior de Pernambuco, e crianças de todas as idades que estudam no colégio. A experiência foi a forma que os Fulni-ô encontraram para derrubar os mitos que a sociedade brasileira mantém sobre seus índios, e a tecnologia os ajuda a se aproximarem do homem branco.

Segundo Carmen Maria Hester, coordenadora da área de línguas do Sidarta, os Fulni-ô mantêm contato telefônico regular com o seu e outros colégios paulistas, e viajam uma vez por ano a São Paulo para participar de atividades com os estudantes que eles mesmos planejam, com o auxílio das escolas. Os indígenas aproveitam o mês de abril, quando se comemora o Dia do Índio, para conseguir que as escolas abram suas portas para a experiência que tenta desfazer, segundo Carmen, a “visão totalmente estereotipada que o brasileiro do século 21 tem do indígena brasileiro”.

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A experiência deu tão certo que, neste ano, o colégio decidiu antecipar a atividade para março porque o grupo não estaria em São Paulo em abril. E produziu um vídeo com vivências anteriores para registrar o aprendizado intercultural.

Carmen afirmou ao G1 que os índios envolvem as crianças em atividades como a pintura de rostos para os alunos da pré-escola, a contação de histórias em volta de uma fogueira para os estudantes do fundamental e até um inusitado resgate dos ensinamentos de matemática da tribo, que os próprios índios precisaram perguntar aos mais velhos do grupo antes de compartilhar com os alunos adolescentes e o professor de matemática.

“Nem todos os índios estão ainda vestidos da maneira ilustrada nos livros e filmes, tem já uma comunidade indígena bem fortalecida. Tem os que são advogados, engenheiros, tem de tudo. Eles têm celular, usam laptop, são antenados, mas a missão deles é trazer a cultura indígena pro homem branco, é nessas palavras que eles colocam”, afirmou Carmen.

Além da presença de indígenas na escola, os professores buscam aproveitar as facilidades do mundo atual para mostrar a presença da cultura indígena na realidade dos estudantes. Com CDs de músicas gravadas nas aldeias ou em estúdio, vídeos publicados no YouTube e até a própria iniciativa de índios como o filósofo e doutor em educação Daniel Munduruku, autor premiado pela Unesco que escreve livros para crianças e adolescentes sobre o cotidiano e as lendas dos indígenas brasileiros.

‘Querem ficar iguais’
As novidades são aproveitadas para todas as idades em atividades que vão muito além de pintar o rosto e prender uma pena no cabelo. Andrea de Paula Notari, professora do maternal II do Colégio São Luís, usou a internet para mostrar a seus alunos, de 3 e 4 anos, imagens de crianças da idade deles que vivem em aldeias.

“Isso amplia bem a visão do que é o índio, a gente não trabalha o índio como um personagem, e sim como uma pessoa que faz parte da nossa realidade, tem parte do índio na gente”, explicou ela, que deixou que os alunos escolhessem que pinturas faciais copiar das fotos e trabalhou a formação das cores a partir dos elementos encontrados na natureza. “Eles gostam, deixam pintar porque estão vendo uma criança pintada e querem ficar iguais a ela.”

Além das fotos, os alunos do São Luís escutaram um CD de músicas gravado com crianças indígenas e puderam interagir com um cenário construído na sala de aula, com ocas, objetos do cotidiano indígena e esculturas de madeira feitas por uma professora a partir de desenhos de alunos do primeiro ano do ensino fundamental. Segundo Adriana, eles ainda aprenderam mais sobre a mandioca, um dos principais alimentos da cultura indígena, e depois fizeram um bolo em uma atividade de culinária.

No Colégio Dante Alighieri, a proposta pedagógica a respeito dos índios foi atualizada neste ano. “Eles sempre saíam com cocar, colar e tudo isso, mas essa não é muito mais uma realidade próxima deles, não é mais esse índio que a gente vê, então nós reformulamos a proposta”, disse Angela De Cillo Martins, coordenadora pedagógica da educação infantil e do primeiro ano do fundamental

Suely Lerner, professora e coordenadora de música do Dante, usou a lousa digital para unir índios e alunos em um único concerto. A educadora pesquisou vídeos de apresentações musicais transmitidos através do equipamento e incentivou as crianças da educação infantil a tocarem junto com os instrumentos à disposição. “Eles tocam junto com o vídeo, junto com a música, parece que estão fazendo parte de algo”, contou Suely

Ela conta que aproveitou apresentações culturais de tribos no Sesc e uma visita a uma aldeia em Parelheiros, na Zona Sul de São Paulo, para comprar CDs e instrumentos. “Acho que falta para a gente o acesso para ter uma identificação maior, eles estão muito distantes”, afirmou ela.

Hino nacional em guarani
Nesta quinta-feira (19), os alunos do 5º ano do fundamental do Colégio Santa Maria, na Zona Sul de São Paulo, vão finalmente apresentar uma canção que estão ensaiando, segundo a professora Márcia Almirall, há cerca de 20 dias: o hino nacional brasileiro, na versão em guarani.

“A gente quer tirar um pouco a imagem que os alunos carregam do índio como um ser à parte da sociedade, que não é cidadão. Levantamos questões para mostrar que ele tem espaço como cidadão brasileiro. Isso não significa que ele abre mão da cultura, ela pode permanecer, mas o índio tem todos os direitos de se inserir na tecnologia atual, viver as mesmas experiências”, disse Márcia.

Uma das formas de o índio manter a cultura, segundo ela, é a língua, por isso a escolha de ensinar aos alunos o idioma guarani por meio do hino nacional, também disponível no YouTube. “Como a fonética é muito complicada porque tem palavras sem vogais, não conseguem acompanhar cantando tudo, mas acompanham lendo”, disse. Segundo ela, o interesse despertado nos estudantes foi grande. “Eles tinham a impressão que todo mundo no Brasil falava português, agora descobriram que nosso índio brasileiro tem uma formação diferente, e que existem muitas nações indígenas diferentes.”

Ensinando a diversidade
Embora os colégios admitam que recorram as datas comemorativas para tratar de certos temas para aproveitar a exposição que eles ganham anualmente na mídia, a pedagoga Sandra Scaravelli, especializada em educação e diversidade, alerta para as consequências de abordar um assunto apenas em datas marcadas.

“Quando você faz uma marca no calendário, é como se só naquele dia a gente pensasse nisso. O erro de cair no estereótipo seria maior. É perigoso porque o educador é um formador de opinião”, explicou ela ao G1.

Segundo Sandra, “o Brasil é diverso e a gente ainda não tem uma clareza de como se faz esse trabalho na sala de aula”. O ideal, de acordo com a especialista, é tratar o tema de maneira transversal e evitar reforçar o índio como alguém diferente. “Quando faz marca está na verdade dizendo que a diferença é algo caricato, que não é algo usual.”

Datas históricas, segundo Sandra, podem ser abordadas em certos períodos do calendário, mas a diversidade deve ser tratada de maneira transveral durante todo o ano letivo, para que as crianças possam refletir sobre o que está discutindo na sala de aula e, assim, fugir do senso comum.

No Colégio Sidarta, os índios Fulni-ô hoje conseguiram uma relação tão próxima dos estudantes que se sentam para almoçar no refeitório com as crianças e, no recreio, demostraram serem tão bons quanto os adolescentes brancos no futebol. “Começaram até a dizer que Garrincha era Fulni-ô. Eles começam a perceber as semelhanças, a entender que é tudo Brasil”, disse Carmen. “É uma experiência transformadora para as crianças, é uma coisa da qual elas não vão esquecer.”

(G1)

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