publicado dia 11 de julho de 2025
Como estão os direitos de crianças e adolescentes em meio à crise climática?
Reportagem: Nataly Simões | Edição: Tory Helena
publicado dia 11 de julho de 2025
Reportagem: Nataly Simões | Edição: Tory Helena
Resumo: O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa 35 anos em 13 de julho de 2025. A legislação é considerada um marco para assegurar que as novas gerações tenham acesso a um ambiente saudável, mas a emergência climática mostra como as ações do poder público têm sido insuficientes para proteger as infâncias e adolescências.
As crianças não são responsáveis pelas mudanças climáticas, mas são as que mais sofrem seus efeitos no Brasil e em todo o mundo. A crise no clima representa uma ameaça concreta à saúde e ao desenvolvimento, além do acesso à alimentação, moradia e Educação com dignidade.
O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) aponta que 1 bilhão de crianças — cerca de metade da população infantil mundial — vive em países classificados como de risco extremamente alto, ou seja, estão altamente expostas a perigos e estresses climáticos e ambientais. A estimativa é de que até 2030 as mudanças climáticas poderão causar 95 mil mortes de crianças menores de 5 anos a cada ano.
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No Brasil, ainda de acordo com o UNICEF, 40 milhões de crianças estão expostas aos impactos da crise climática, agravada por fatores como enchentes e ondas de calor extremo. As desigualdades históricas do país aprofundam ainda mais os riscos, sobretudo para os jovens que pertencem aos grupos mais vulneráveis, como os negros e moradores de periferias.
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e crise climática
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que completa 35 anos no dia 13 de julho de 2025, é considerado um marco na promoção, defesa e proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes. Apresentada em 1990, a legislação (Lei 8.069) assegura que os jovens tenham acesso a um ambiente saudável e ecologicamente equilibrado. Esse direito também está previsto no artigo 227 da Constituição Federal e é reforçado pelo ECA, que coloca a preservação ambiental como parte essencial do desenvolvimento integral das novas gerações.
“A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência”, afirma o Art. 7º do ECA.
Embora o Brasil ainda não tenha leis específicas que protejam às infâncias em meio às mudanças climáticas, é o ECA que aliado a outras legislações, como a própria Constituição de 1988, garante essa proteção de forma indireta.
“A leitura conjunta dessas legislações cria a base legal para exigir ações climáticas que considerem os direitos das infâncias. O Marco legal da Primeira Infância também é um deles. Contudo, embora não haja ainda uma legislação climática infantil no Brasil, o arcabouço jurídico existente é utilizado como instrumento legal para exigir que o Estado atue de forma preventiva, justa e integrada em relação à crise climática e seus efeitos sobre as infâncias e adolescências”, explica Brenda Kauane, líder do movimento Médicos pelo Clima, idealizado pelo Instituto Ar, que integra a Coalizão pelo Clima, Crianças e Adolescentes (CLICA), coletivo de entidades da sociedade civil que atuam nacional e internacionalmente pela defesa dos direitos de crianças e adolescentes ao meio ambiente limpo, saudável e sustentável.
Crise climática e violação de direitos na infância
Nos últimos anos, a população brasileira tem sofrido com o aumento de enchentes, secas e ondas de calor, que comprometem a saúde física e mental principalmente das crianças.
“A exposição prolongada à poluição do ar, à insegurança alimentar e à água contaminada afeta o desenvolvimento infantil, aumentando doenças respiratórias, desnutrição e contaminações. Aqui no Brasil, cerca de 2,1 milhões de crianças e adolescentes vivem em encostas, margens de rios e favelas — locais onde basta uma chuva forte para transformar a vida em uma emergência”, exemplifica Brenda.
A exposição de crianças e adolescentes a riscos de desastres como deslizamentos de terra e alagamentos tem ainda forte impacto sobre o direito à Educação.
A pesquisa “O Acesso ao Verde e a Resiliência Climática nas Escolas das Capitais Brasileiras”, realizada pelo Instituto Alana e pela Fiquem Sabendo com base em dados do MapBiomas mostrou que cerca de 370 mil alunos matriculados na Educação Infantil e no Ensino Fundamental estudam em escolas localizadas em áreas de risco, sendo que 90% dessas escolas estão dentro ou até em um raio de 500 metros de favelas e comunidades urbanas, evidenciando a conexão entre desigualdades e fatores climáticos.
A maior parte dessas escolas tem maioria de alunos negros e também estão localizadas em ilhas de calor. O estudo indicou que 35% das escolas estão em áreas com temperaturas 3,57 graus acima da temperatura média da capital.
“Vimos que especialmente em capitais como Recife (PE) e Rio de Janeiro (RJ), diversos locais enfrentam ondas de calor. Há também os impactos das enchentes, pois as escolas são os primeiros lugares a servirem como abrigo, então as crianças têm suas aulas interrompidas o direito à Educação é afetado”, detalha Ana Cláudia Cifali, coordenadora jurídica do Instituto Alana e conselheira do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda).
“Tudo isso leva a um impacto na rotina e pode trazer diversos traumas que devem ser trabalhados, como nas enchentes do Rio Grande do Sul. Há casos de crianças que até hoje começam a chorar quando começa a chover, por sentirem medo”, acrescenta Ana Cláudia.
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Resposta a desastres ambientais ainda é insuficiente
O Brasil possui desde 2012 o Protocolo Nacional Conjunto para Proteção Integral a Crianças e Adolescentes, Pessoas Idosas e Pessoas com Deficiência em Situação de Riscos e Desastres. Instituída a partir da Portaria Interministerial nº 2, a norma visa assegurar a proteção integral e reduzir a vulnerabilidade desses sujeitos, mas na prática esbarra em desafios para responder de forma suficiente aos impactos da crise climática.
“Muitas vezes, os abrigos emergenciais não oferecem privacidade, segurança nem espaços adequados para crianças, expondo-as a riscos maiores de violência, abuso e exploração. Além disso, falta capacitação técnica das equipes locais para aplicar o protocolo, muitas prefeituras sequer conhecem sua existência ou não têm orçamento para colocá-lo em prática. As redes de proteção social, como CRAS, CREAS e Conselhos Tutelares, ficam sobrecarregadas e, em geral, não estão integradas aos planos de defesa civil”, aponta Júlia Gouveia, especialista em Mudanças Climáticas e Emergências na Plan International.
De acordo com a especialista, a Coalizão pelo Clima, Crianças e Adolescentes (CLICA) propôs ao governo federal a criação do Programa Nacional de Proteção de Crianças e Adolescentes aos Impactos das Mudanças Climáticas, com foco em protocolos intersetoriais para emergências, educação climática em escolas e comunidades, e políticas de adaptação nos territórios mais vulneráveis.
“Essa proposta é fundamental para evidenciar que ainda não existem mecanismos de proteção específicos que considerem gênero e faixa etária, o que expõe crianças e adolescentes a múltiplas formas de violência em contextos de desastres”, sustenta Júlia.
“COP das Crianças”
Na esteira das ações globais para proteção de crianças e adolescentes, 64 países assinaram na 25ª Conferência das Partes (COP25), ocorrida em Madri, na Espanha, em 2019, a Declaração Intergovernamental sobre Crianças, Adolescentes, Juventude e Ação Climática. O documento é o único compromisso internacional existente para impulsionar a adoção de políticas e ações climáticas inclusivas e centradas nas novas gerações, mas o Brasil ainda não é signatário.
“É muito importante garantir essa participação do Brasil. Levando em conta que crianças e adolescentes são os mais afetados, eles precisam ser envolvidos nessa tomada de decisão”, avalia Ana Cláudia, do Instituto Alana.
Para a 30ª Conferência das Partes (COP30), que acontece em novembro de 2025 em Belém (PA), organizações da sociedade civil se mobilizam para avançar na agenda de direitos das crianças e adolescentes.
Chamada de “COP das Crianças”, a iniciativa pretende mobilizar parlamentares e governos a assumir o compromisso de colocar crianças e adolescentes no centro da agenda climática em suas cidades, estados e territórios.
Uma declaração elaborada pelo movimento elenca caminhos para o compromisso, como legislar pelo direito à natureza e a um meio ambiente saudável, garantir orçamento público com prioridade para as infâncias e adolescências, fiscalizar a execução de políticas e metas, e ter engajamento parlamentar na mobilização social por infâncias, adolescências e clima.