publicado dia 19 de setembro de 2024
Com seca e queimadas, Brasil está na contramão do direito ao meio ambiente saudável
Reportagem: Nataly Simões | Edição: Tory Helena
publicado dia 19 de setembro de 2024
Reportagem: Nataly Simões | Edição: Tory Helena
🗒️Resumo: A emergência climática global e os efeitos de queimadas e secas extremas no Brasil trazem impactos sobretudo para as crianças e os adolescentes. De acordo com especialistas, países precisam endurecer leis ambientais para garantir o direito ao meio ambiente saudável e equilibrado.
As recentes queimadas em diversas cidades brasileiras, cujos efeitos são potencializados pela seca extrema, pioram a qualidade do ar para todos, mas impactam principalmente as populações mais vulneráveis, como crianças e adolescentes.
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Relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), de 2022, revelou que no Brasil mais de 40 milhões de crianças e adolescentes estão expostos a múltiplos riscos climáticos com o agravamento da crise climática. O montante representa cerca de 60% da população jovem do país.
O acesso a um meio ambiente limpo, saudável e sustentável é reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) como um Direito Humano desde 2022.
A Constituição Brasileira também prevê o direito no artigo 225 e estabelece que cabe ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Na prática, porém, o Brasil e o mundo estão distantes de cumprir esse direito.
Artigo 225 da Constituição
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
“Nem no Brasil e nem no restante do mundo caminhamos nessa direção. Pelo contrário, caminhamos na direção oposta”, afirma Márcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima e membro do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas.
“Aumentamos cada vez mais a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera, que provoca o aquecimento global e as mudanças climáticas. Isso leva a um quadro de agravamento de eventos extremos. Hoje, a população sente a poluição no meio urbano, onde as pessoas vivem, mas existem populações que também dependem de um meio ambiente equilibrado, como os indígenas e ribeirinhos, que sentem diariamente que o direito ao meio ambiente é cada vez menos respeitado”, explica Astrini, que é formado em Gestão Pública e pós-graduado em políticas públicas e Direito Constitucional.
O Brasil enfrenta a seca mais severa já observada nos últimos 75 anos, indica o Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden). Ao menos 58% do território nacional sofre com os efeitos da seca, classificada como severa em um terço do país.
A situação agrava o cenário de intensas queimadas em 2024: 11,3 milhões de hectares já foram consumidos entre janeiro e agosto. Metade (49%) pegaram fogo só no último mês.
O mais recente Boletim de Combate aos Incêndios na Amazônia, no Pantanal e do Cerrado, divulgado pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima em 17/09, quantificou os impactos para os biomas.
Segundo a pasta, o Pantanal perdeu 12,79% do seu bioma entre janeiro e setembro de 2024. Já a Amazônia perdeu 2,3% no mesmo período, com 20 municípios concentrando
85% dos focos de calor na região. O Cerrado, por sua vez, teve 5,4% do bioma queimado.
A mobilização para o combate ao fogo nessas regiões envolve 2.992 profissionais, incluindo funcionários do Ibama e ICMBio e das Forças Armadas. O governo federal também publicou medida provisória que destina R$515 milhões para o combate aos incêndios na Amazônia.
De acordo com a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), 11,2 milhões de pessoas já foram diretamente afetadas por incêndios florestais nas cidades brasileiras desde o início deste ano. Ao menos 538 municípios decretaram situação de emergência por conta dos incêndios, informou a Agência Brasil.
“A seca potencializa as queimadas e essas queimadas aumentam a quantidade de material particulado no ar que todos respiram, o que torna esse ar mais poluído e inadequado. Ao mesmo tempo, temos ondas de calor em regiões como o Sudeste, o que eleva a piora de toda a situação”, detalha Marcio Astrini.
As crianças e adolescentes compõem o grupo que irá conviver por mais tempo com os impactos da crise climática. Ainda de acordo com o relatório do UNICEF, esse grupo é mais vulnerável aos efeitos das mudanças climáticas por ter mais suscetibilidade física às alterações no clima.
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As crianças menores, de 0 a 6 anos, que estão na fase da primeira infância, por exemplo, ainda estão com seus corpos e sistemas imunológicos em desenvolvimento, por isso podem ter a saúde mais prejudicada por condições como a poluição do ar e ondas de calor.
A crise climática também representa uma ameaça ao direito à Educação, limitando o acesso ao ambiente escolar, como ocorreu com as enchentes no Rio Grande do Sul. O evento extremo deixou milhares de crianças sem aula devido ao impacto nas escolas.
Marcio Astrini, do Observatório do Clima, destaca que para proteger as crianças e adolescentes é fundamental evitar expô-las aos riscos da crise climática. O endurecimento das leis ambientais é um caminho defendido pelo especialista.
“Precisa endurecer as legislações, punir aqueles que infringem a lei e fazer com que o cumprimento dela seja um fator inibidor”, defende Márcio Astrini
“Precisamos acabar com as queimadas, com o crime que atua nessas áreas há muito tempo. Precisa endurecer as legislações, punir aqueles que infringem a lei e fazer com que o cumprimento dela seja um fator inibidor para que amanhã não tenhamos uma situação como a atual se repetindo”, defende.
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O Brasil sancionou recentemente duas legislações que trazem ações que podem ajudar a mudar esse cenário se forem aplicadas adequadamente.
A Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo (MIF), instituída pela Lei 14.944, de 31 de julho de 2024, visa disciplinar e promover a articulação entre instituições para o manejo integrado do fogo, e reduzir a incidência e os danos dos incêndios florestais.
“Apesar do enfraquecimento nos últimos anos, ainda temos um leque de leis ambientais que podem fortalecer a resiliência de nossos biomas”, diz Diana Sampaio.
“Apesar do enfraquecimento nos últimos anos, ainda temos um leque de leis ambientais que podem fortalecer a resiliência de nossos biomas. A sociedade deve cobrar seus representantes, pois são eles que detêm as ferramentas para combater as mudanças climáticas em nível sistêmico. É necessário fiscalizar e punir, além de proteger aqueles que lutam pela preservação ambiental, como ativistas ambientais e líderes comunitários”, pontua Diana Sampaio, do Instituto ClimaInfo.
Ainda no âmbito das políticas públicas, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 2225/2024, que propõe a criação do Marco Legal Criança e Natureza. A iniciativa, elaborada com o apoio de 80 organizações ligadas à defesa da infância e do meio ambiente, propõe a criação do Marco Legal Criança e Natureza para garantir a crianças e adolescentes o direito a acessar ambientes naturais e saudáveis.