publicado dia 18 de outubro de 2023
Marcos Sorrentino: “Educação Ambiental exige política pública comprometida com sustentabilidade”
Reportagem: Ingrid Matuoka
publicado dia 18 de outubro de 2023
Reportagem: Ingrid Matuoka
🗒️Resumo: Marcos Sorrentino, Diretor do Departamento de Educação Ambiental e Cidadania da Secretaria Executiva do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, fala sobre os princípios de um trabalho significativo de Educação Ambiental, em entrevista ao Educação & Território.
Ciclones extratropicais no sul do Brasil, chuvas diluvianas no litoral de São Paulo, seca na Amazônia, incêndios devastadores no Havaí, ondas de calor no que possivelmente será o ano mais quente da História.
Em 2023, já não é possível negar: os efeitos da crise climática começam a impactar comunidades e territórios em todo o globo.
A Educação Ambiental pode contribuir para o enfrentamento dos desafios socioambientais atuais, desde que a atuação das escolas não seja solitária.
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Em entrevista ao Educação & Território, Marcos Sorrentino, Diretor do Departamento de Educação Ambiental e Cidadania da Secretaria Executiva do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, afirma que os gestores públicos têm papel central em promover políticas públicas de Educação Ambiental e criar territórios educativos para que estudantes possam aprender e atuar para além dos muros da escola.
“É preciso dar condições para as crianças saírem da escola, irem para o quintal de uma casa, uma unidade de conservação no bairro ou no município”, defende Marcos, que desde a década de 1970 participa de entidades ambientalistas, de cidadania e de Educação Ambiental.
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Além de uma proposta de Educação comprometida com a superação dos impasses socioambientais, experiências interessantes de redes públicas ensinam que é preciso investimento, formação e articulação para a Educação Ambiental sair do papel, bem como a atuação conjunta dos demais atores sociais.
“É necessário que gestores públicos, meios de comunicação e toda a sociedade se desafiem a aprender junto com as escolas como enfrentar os problemas socioambientais”.
Leia a entrevista na íntegra:
Educação & Território: De que forma a Educação Ambiental contribui para o enfrentamento de problemas contemporâneos, como as mudanças climáticas, perda de biodiversidade, poluição, entre outros?
Marcos Sorrentino: A Educação Ambiental é uma oportunidade para as pessoas, partindo de uma das emergências da problemática socioambiental, começarem a compreender as causas e consequências desses problemas, a problemática como um todo, e procurarem comportamentos e valores que possam contribuir para o enfrentamento efetivo dessa problemática.
É compreender que as mudanças climáticas, o aquecimento global, são consequências de um processo cumulativo que leva pequenos impactos que os humanos causam no meio ambiente a se tornarem um grande problema.
Para esse enfrentamento acontecer, é necessário mais do que jogarmos nas costas das crianças, escolas e professores toda a responsabilidade dos enormes desafios socioambientais globais.
Na escola, é importante aprender participativamente sobre o que é problemática socioambiental e como agir no sentido de mitigá-la e resolvê-la.
Mas é necessário que gestores públicos, meios de comunicação e toda a sociedade se desafiem a aprender junto com as escolas como enfrentar os problemas socioambientais.
EdT: Como é possível que estas aprendizagens, que começam com as crianças, adolescentes e seus professores e professoras, se convertam em ações na prática dentro e fora da escola, alcançando também suas famílias e até a comunidade como um todo?
Marcos: É ter uma escola problematizadora, que incentiva os estudantes a aprenderem pesquisando, perguntando, se inquietando com os problemas, observando possibilidades de solução, perguntando para seus familiares, vizinhos, amigos. Isso provoca toda a sociedade.
Da mesma forma que é preciso toda uma aldeia para educar uma criança, como diz o famoso provérbio africano, é preciso também que todas as crianças contribuam para educar suas aldeias, famílias, bairros e cidades.
Que as pessoas que têm responsabilidade de promover processos educacionais se unam e construam o Projeto Político-Pedagógico (PPP) do município, do bairro, da cidade, de um território mais amplo do que o da escola.
O currículo de formação de uma criança não se limita à sala de aula, então é a compreensão ampliada de currículo e de processo educador, incentivando aqueles que se propõem a promover esses processos educacionais a dialogarem, a pensarem sobre quais valores, comportamentos e mudanças culturais são necessários para que tenhamos a sustentabilidade socioambiental e a ciência ecológica acontecendo no dia a dia.
A partir disso, se definiria a estratégia da escola em termos de conteúdos e metodologias.
EdT: Na escola, o que significa realizar um trabalho significativo com a Educação Ambiental que possa trazer essas mudanças desejadas?
Marcos: Ela tem potencial para contribuir, desde que seja feita com profundidade, com um olhar no processo educador e não somente no tema gerador. Seja qual for o tema gerador, apropriado à idade da turma e ao contexto, ele sempre deve ter algumas características:
A primeira delas é a dialogia, para aproximar educadores e educandos, a fim de que todos sejam parte de uma comunidade de aprendizagem.
A segunda delas é reconhecer que o saber científico dos povos indígenas, africanos, afro-brasileiros e europeus têm elementos que podem nos ajudar a compreender melhor os impasses sociais e ambientais que a humanidade vive neste momento.
Depois, é compreender que a mudança climática é a ponta do iceberg, que deixa todo mundo preocupado, apavorado com os indícios de desastres naturais cada vez mais frequentes, mas o problema vai além.
É preciso olhar para a fome, falta de emprego e depressão, sintomas de uma sociedade que não está se desenvolvendo adequadamente, que não está propiciando as melhores condições existenciais para todos os seus indivíduos. Essa é a questão.
Mas os educadores, quando se juntam e se dispõem a se abrir ao diálogo, a aprender coletivamente, vão encontrar a melhor pedagogia, os melhores conteúdos, a melhor forma de fazer Educação Ambiental.
Vale a pena ter em mente a mudança de foco de que não é para decorar, é para vivenciar. Fazendo composteiras, por exemplo, os estudantes vão conhecer a compostagem, a minhoca e os diversos bichinhos que materializam o milagre da transformação de Lavoisier.
Também é compreender a questão dentro de uma série de comportamentos e um contexto maior. Quais valores da sociedade humana levam o resíduo sólido a ser um problema? A partir de que momento isso passa a incomodar e trazer consequências nefastas como os lixões e o acúmulo de plástico no mar? Quais são essas diversas condições que se somaram para transformar uma simples casca de laranja em um problema enorme?
EdT: Conhece experiências de redes e escolas públicas que estejam realizando um trabalho interessante nesta perspectiva? Quais são as condições oferecidas aos educadores para que isso possa ser feito?
MS: Nenhuma tem a solução completa, mas as muitas redes que fazem trabalhos interessantes têm em comum uma proposta profunda de fazer uma Educação que contribua para a superação dos impasses que vivemos hoje em termos ambientais e sustentabilidade da vida no planeta.
Mas isso depende de recursos financeiros, ter tempo dos professores dedicado a atividades educadoras ambientalistas e espaços para que as crianças possam sair da sala de aula e continuar aprendendo fora da sala.
No Brasil, só 35% das escolas têm área verde em seu interior. Mas é possível usar a área próxima à unidade. Pode ser que as famílias e professores tenham receios, então é preciso que a Prefeitura assuma a responsabilidade de cuidar desse entorno da escola.
É preciso dar condições para as crianças saírem da escola, irem para o quintal de uma casa, uma unidade de conservação no bairro ou no município. Podem ir conhecer os agricultores que fornecem a merenda da escola e podiam fazer atividades nessa horta, podem aprender com os jardineiros contratados pela Prefeitura.
Temos que aprender com estas experiências pontuais, fragmentadas, de pequena escala, e construir uma política pública que dê escala a isso. Educação Ambiental exige gestores públicos que façam política pública comprometida com sustentabilidade.