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publicado dia 2 de dezembro de 2020

Escolas em todo Brasil promovem a transformação da educação; conheça boas práticas

Reportagem:

Se por um lado a pandemia do novo coronavírus no Brasil evidenciou a necessidade de uma atuação coletiva e intersetorial para garantir o direito à educação, ela também mostrou que, individualmente, temos escolas e educadores preparados e com muita capacidade de pesquisar, repensar e inovar a educação. E estas pessoas já estão promovendo a reviravolta da escola.

Matéria publicada originalmente no Centro de Referências em Educação Integral. O texto é Ingrid Matuoka.

Mas para não deixar essa movimentação arrefecer com a virada do ano e a volta às atividades presenciais, entidades da Saúde e da Educação lançaram o manifesto “Ocupar escolas, proteger pessoas, valorizar a educação”, que resume as bases de um trabalho significativo e inovador nas escolas, e que se propõe a ajudar o sistema educacional a encontrar soluções e alternativas para os desafios que vivemos. Isso não significa desconsiderar tudo o que era feito antes da pandemia, mas estimular a continuidade de uma transformação.

“A pandemia está agudizando um conjunto de problemas que já estavam ali, e nossa tarefa é criar estratégias para resolvê-los, e não simplesmente voltar ao que era antes. Queremos aproveitar essa oportunidade para pensar como construir um processo educacional que ajude a diminuir as desigualdades, que seja de fato inclusivo. E temos que encontrar alternativas adequadas para cada contexto, contando com a participação de gestores, professores, funcionários, famílias e estudantes”, diz Geovana Lunardi Mendes, presidente da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (Anped), instituição que encabeçou o manifesto ao lado da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).

Em relação aos ganhos conquistados durante a experiência com o trabalho pedagógico remoto, Geovana destaca a aproximação da escola com as famílias, a comunidade e o contexto local, e o uso das tecnologias possíveis, de maneira inclusiva e significativa do ponto de vista pedagógico. “Mas o mais importante é que as redes, escolas e a sociedade reconheçam que a educação precisa ir além dos conteúdos, e tem um papel central em acolher, em promover a socialização e uma formação humana e civilizatória”, diz.

Conheça experiências de escolas e redes de Educação que já estão promovendo a reviravolta da escola na prática:

A proteção integral e o acolhimento como prioridades

Muitos professores, estudantes e famílias estão ansiosos para a retomar as atividades pedagógicas presenciais, e com razão: na escola, em relação com os educadores e seus pares, os alunos aprendem mais e melhor. Mas antes de mergulhar nos conteúdos escolares, é importante uma atenção ao acolhimento das crianças e adolescentes.

“Eles ficaram tanto tempo longe da escola, vivendo sob pressão, por falta de alimentação adequada, vivendo situações de violência, perdendo familiares e pessoas próximas, que a escola precisa ter a sensibilidade de ser um espaço humanizado, de acolhida, de conversa, de sorriso, de brincar, do encontro. Precisamos mostrar que queremos estar juntos, que esses alunos são amados e fizeram falta. Assim, quando estiverem se sentindo seguros e tranquilos, teremos condições de começar os conteúdos”, diz Lúcia Cristina Santos, gestora da escola municipal Professor Waldir Garcia, em Manaus (AM).

Márcia Calçada Kohatsu, gestora da escola municipal Dr. José da Costa e Silva Sobrinho, na periferia de Santos (SP), concorda com esse posicionamento e já planejou uma série de oficinas, atividades mão-na-massa, brincadeiras, jogos e rodas de conversa nas duas primeiras semanas do retorno.

“Queremos também estimulá-los a vislumbrar possibilidades para o futuro, para que não se esqueçam de seus reais desejos e sonhos, de seu projeto de vida”, afirma Márcia, lembrando que esse cuidado se estende também aos professores, que têm participado de reuniões virtuais com terapeutas e psicólogos, um espaço onde podem falar sobre seus sentimentos.

Já em Leopoldina (MG), a escola estadual Doutor Pompílio Guimarães aproveitou o momento de adaptar os espaços com as medidas de segurança sanitária para convidar a comunidade a pintar os muros da escola. “Queremos garantir álcool em gel, mas também cor e vida e acolhimento, para que os estudantes se sintam felizes ao retornar”, conta o diretor João Paulo Araújo.

Para além de acolher e ensinar, as escolas também desempenham um papel central na proteção integral das crianças e adolescentes. Por isso, a escola de Santos vai priorizar o retorno dos que não têm acesso algum às atividades remotas. E a escola de Manaus tem promovido a coleta e distribuição de cestas básicas, celulares e planos de internet.

Também decidiram abrir o espaço escolar para atender as crianças em alfabetização que estavam com dificuldades de aprendizagem. “E as crianças têm respeitado muito bem as regras de distanciamento e higiene, e nós já vamos nos preparando e aprendendo com elas o que precisamos ajustar para o retorno dos demais estudantes“, relata Lúcia Santos.

Planejando em conjunto e a partir das demandas dos territórios

Não é tarefa simples planejar a volta das atividades presenciais. Com tantas incertezas sobre datas, protocolos sanitários, demandas e especificidades de cada escola, professor e estudante, só mesmo pensando em conjunto para encontrar caminhos.

“Quando planejamos juntos, diminuímos as chances de errar, porque teremos múltiplos olhares para as ações. Além disso, fortalecemos nossa comunidade, porque todo mundo se responsabiliza e se mobiliza por essa missão”, lembra Alessandra Magalhães, de Caraguatatuba.

Em Vila Velha (ES), a Secretaria de Educação apostou na escuta das escolas para elaborar seu planejamento, de forma a contemplar as diferentes necessidades de cada território. Em junho, enviaram um formulário com algumas questões sobre o perfil das famílias, professores, funcionários e estudantes. Ao final, deixaram uma pergunta em aberto: quando houver a possibilidade de um retorno presencial, qual é a sugestão que você dá para a organização escolar?

“Essa questão foi interessante porque deu espaço para as pessoas falarem de modo particular sobre o medo de voltar, de contar que alguém da família está com Covid, de pedir informações e ajuda”, conta Thaise Varnier, coordenadora do setor de Educação Integral da Secretaria.

Com as mais de mil respostas que receberam, compilaram os dados e organizaram um relatório técnico. Cada escola recebeu o seu, específico, com informações sobre aquela realidade específica, como porcentagem de funcionários que fazem parte do grupo de risco, quantos estudantes têm acesso à internet, entre outros dados. A partir disso, cada escola reuniu suas equipes e construíram sugestões próprias para o retorno presencial, a partir de seus contextos. A Secretaria recolheu esses documentos e, a partir deles, criou um planejamento central, em conjunto com o setor de Saúde.

“As Secretarias precisam estar abertas para construir planejamentos e protocolos coletivos, se colocando no lugar do outro e entendendo as várias realidades da rede, ouvindo cada escola em suas demandas locais, e respeitando as particularidades”, recomenda Thaise.

Já em relação ao planejamento para a retomada presencial das atividades pedagógicas, a escola de Leopoldina (MG) vai apostar no trabalho coletivo dos professores. A proposta é que eles analisem as atividades que os estudantes realizaram durante a quarentena para dimensionar quais habilidades e competências conseguiram desenvolver, e quais precisam ser retomadas. A partir dessa análise, somada a uma avaliação diagnóstica dos estudantes, os educadores vão discutir as estratégias possíveis para conduzir a retomada das aulas e dos conteúdos.

“Na nossa semana de planejamento, vamos reunir todas essas informações e, a partir de um diagnóstico coletivo, decidir quais são os melhores caminhos para garantir o direito à educação de todos e não deixar ninguém para trás”, ressalta o gestor escolar João Paulo Araújo.

Aproveitando os espaços para além da sala de aula

A impossibilidade de permanecer em espaços fechados, onde a chance de contaminação por coronavírus é mais alta, abre a oportunidade de explorar outros espaços para realizar atividades com os estudantes. Pode ser o pátio da escola, uma quadra de esportes, ou uma praça do entorno. Isso é importante não só porque as crianças e os adolescentes passaram muito tempo confinadas em casas e apartamentos, mas também porque elas têm o direito de ocupar outros espaços e de ter contato com a natureza.

Em Caraguatatuba (SP), as escolas que não possuíam quadras aproveitavam uma pública que há na cidade, e as crianças adoravam. “Elas veem que a cidade também está a favor do aprendizado, uso, ocupação e pertencimento dela. E a comunidade passou a se ver como uma extensão da escola”, afirma Alessandra Magalhães, professora no apoio pedagógico da Secretaria.

Quando o retorno for autorizado, planejam aproveitar também as praias e praças próximas às escolas. “Isso será um ganho principalmente para os estudantes do Fundamental I e II, que têm a tendência de ir só para a sala de aula”, diz.

Já em Jundiaí (SP), a Secretaria Municipal de Educação firmou uma parceria com o Instituto Alana para mapear esses espaços externos que podem ser utilizados e como aproveitá-los. “Eles estão nos ajudando a pensar atividades, conteúdos e aprendizagens que os espaços abertos promovem, e mostrando a importância que a natureza tem para o desenvolvimento integral das crianças”, conta Thais Nonô, diretora do departamento de Educação Infantil da Secretaria.

Outras formas de encarar o ensino e a aprendizagem

Quando a pandemia começou, os professores se depararam com a missão de ensinar sem recorrer ao giz e à lousa, e sem a presença física da turma. Para a escola de Santos (SP), a saída foi apostar nos roteiros de estudo.

Partindo da escuta dos estudantes, os professores de uma mesma área de conhecimento se reúnem e criam em conjunto propostas para serem realizadas ao longo de quinze dias. O critério principal é que a temática da quinzena seja relevante ao contexto de vida dos estudantes. Depois, os roteiros de estudos são publicados no Portal da Educação de Santos, e podem ser acessados por todos.

“Os educadores estão amadurecendo o olhar para atividades interdisciplinares, estão pesquisando e investigando a questão do roteiro, porque ele precisa desenhar um caminho por onde esse aluno vá atingir o que o professor deseja, mas de uma maneira autônoma. Não sabemos ao certo quando será a volta presencial, mas temos certeza de que não teremos as mesmas práticas que tínhamos antes, e de que vamos manter os roteiros de estudos, porque eles têm funcionado muito bem”, conta a diretora Márcia Calçada Kohatsu.

O uso das tecnologias para a educação é outro ponto que chegou para ficar. João Paulo, diretor da escola Doutor Pompílio Guimarães, já planeja realizar formações em tecnologia com seus estudantes na volta presencial, aproveitando os equipamentos do laboratório de informática da escola. “A pandemia escancarou o fato de que nós não estávamos preparando os estudantes para utilizar as tecnologias digitais para a educação”.

Para Lúcia Santos, de Manaus, esse também foi um momento importante para as escolas enxergarem as aprendizagens e o desenvolvimento dos estudantes para além de notas, cumprimento de prazos e de atividades conteudistas.

Ela cita como exemplo a empatia que têm percebido aflorar com mais força nas crianças e adolescentes, movidos pela situação de colegas e do país como um todo, uma melhora no trabalho em equipe, na autonomia e protagonismo, o desenvolvimento da oralidade, por terem que falar em vídeos e áudios, e na criatividade e na atribuição de sentido para as aprendizagens escolares. Também vê os professores valorizando mais as questões e saberes do território e reconhecendo as aprendizagens que os estudantes têm para além da escola.

“Rompemos com a escola conteudista, tradicional e fechada, e passamos a ter outros olhares para o que é a educação. Os estudantes também vão voltar com outras exigências, não vão mais querer a escola do passado. É a escola contemporânea, que fala a língua deles, que dialoga, é a que eles sempre quiseram. É a escola cheia de orelhas, porque temos a tendência de falar demais e não deixar as crianças falarem”, afirma Lúcia.

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