publicado dia 17 de novembro de 2020
Crianças e jovens tem que ser partícipes na construção de espaços digitais seguros e democráticos
Reportagem: Cecília Garcia
publicado dia 17 de novembro de 2020
Reportagem: Cecília Garcia
Crianças e jovens brasileiros acessam e se expressam maciçamente nos espaços digitais. Segundo a última pesquisa TIC Kids Online, 89% dos brasileiros entre 9 e 17 anos estão conectados à internet, número que salta para 96% na faixa dos 15 aos 17 anos e seu uso nos últimos três meses. A pandemia de Covid-19 intensificou esse uso, com telas de celular e computador se convertendo em espaços de socialização, entretenimento e estudo durante o isolamento social.
Se a internet é o maior espaço público do mundo e crianças e jovens são atuantes nele, é necessário garantir acesso democrático e seguro. E, para fazer isso, qualificar a discussão e ampliá-la com a participação social desta faixa etária é fundamental.
Esta foi a tônica do 5º Simpósio Crianças e Adolescentes na Internet, organizado pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e o Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br). O evento, que aconteceu no dia 16 de novembro, também teve apoio do Instituto Alana e da SaferNet Brasil.
“É importante pensar a sociabilidade digital das crianças e adolescentes para escapar de armadilhas conceituais equivocadas que colocam a internet como um mundo à parte, separada da vida real e de suas conexões. O digital se tornou presente nas mais variadas formas com a pandemia, mas mesmo antes dela, é interessante a percepção da internet como espaço de vida, concreto, social de convivência e de potência em várias dimensões”, alertou Rodrigo Nejm, diretor da SaferNet.
Internet como espaço de produção das infâncias e juventudes
Para a mestra em comunicação e cultura Renata Tomaz, embora a pandemia tenha gerado isolamento e por consequência uso mais intenso dos espaços digitais, eles já são continuamente utilizados por essa faixa etária e dão pistas importantes de como elas se desenvolvem e se relacionam.
“Os adultos há alguns anos já vem restringindo o espaço físico aos mais jovens, seja por questão de segurança, seja por enfraquecimento dos vínculos comunitários. Enquanto experimentam restrição ao mundo material e físico, eles chancelam o espaço online e virtual como lugar autêntico, legítimo, e nos cabe conferir valor às sociabilidades que emergem daí.”
É necessário então reconhecer as potências produzidas nesse espaço por essa faixa etária, como também às vulnerabilidades às que estão sujeitas, como corroborou Daniel Spritzer, psiquiatra da infância e da adolescência: “O uso das tecnologias tem uma série de vantagens, principalmente pensando no período em que vivemos de isolamento social. Estar conectado pode diminuir o sentimento de isolamento e solidão, jogar e usar as redes é um entretenimento que pode ser menos nocivo do que comer em excesso por exemplo. Mas também sempre se deve pensar que o uso excessivo das tecnologias pode solidificar estilos de vida que são isolados, ou sedentários, ou de pouca interação cara a cara.”
Dentro dessa equação complexa, Nejm argumentou que é preciso pensar os ambientes digitais ambientes não apartados da realidade, mas sim espaços que reproduzem valores postos no convívio social e que podem ser usados como aliados para proteger direitos das crianças e adolescentes:
“Espaços virtuais são múltiplas ambiências, que reproduzem valores postos no convívio social. A questão é como as crianças e os adolescentes estão reinterpretando nas redes aquilo que oferecemos como sociedade. E aí temos que nos perguntar: que tipo de regras temos desenvolvido e dado potência dentro dos acordos sociais que fazemos? Como estamos conectando isso com as potências dos jovens para usar o digital como aliado, para combater práticas de ódio, racismo, intolerância e bullying?.”
Para a psicanalista e pesquisadora na área da infância Ilana Katz, qualquer produção de conhecimento sobre a sociabilidade digital, infâncias e juventude deve também ser atravessada por uma real democratização de acesso às redes. Ainda que a porcentagem de crianças e jovens com acesso tenha aumentado, existem 1,4 milhão sem acesso à internet — e quem a tem nem sempre tem as ferramentas de literacia digital para navegar com segurança.
“Para criar conexões e laços, é urgente que o acesso à internet seja democratizada. Se há um recorte de classe e raça, está decidido quem são os jovens que têm acesso, quem fica de fora, quem discute o uso da internet. A experiência de segurança é radicalmente dependente de ambientes democráticos.”
Agência de crianças e jovens na produção de ambientes digitais seguros
Para enfrentar cyberbullying, exposição de imagens íntimas e outras problemáticas enfrentadas por essa geração no uso dos espaços digitais, é preciso que ela seja partícipe na construção destes ambientes digitais. “Em geral os adultos têm ofuscado e menosprezado a agência das crianças e jovens na tentativa de tutelar o que fazem na internet. Temos que ouvi-los e com eles construir uma sociabilidade digital com base no respeito, na ética, na cidadania e no autocuidado”, relatou Nejm.
O diálogo intergeracional que acontece nas famílias, nas escolas e em outros ambientes é imprescindível para assegurar que os direitos dessa geração estejam protegidos. A psicóloga Karen Svacivi, diretora do Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio aponta alguns caminhos:
“Abrir diálogo com a criança e o adolescente é fundamental. É preciso falar do uso da tela, se eles estão usando redes sociais, jogando, conhecer e conversar sobre seus usos passivos e ativos. Pergunta como essa criança e jovem se sente depois do uso, se fica nervoso, estressado.”
Outro caminho é incentivar espaços de participação onde essa faixa etária possa conversar entre si, dialogando na mesma linguagem sobre os desafios geracionais do uso de tecnologias e a melhor maneira de enfrentá-los. A Safernet.net acaba de criar em parceria com o Facebook a iniciativa Cidadão Digital, onde 10 embaixadores jovens vão poder dialogar e compartilhar práticas mais salubres do uso de espaços digitais.
“Temos que tomar cuidado com a nossa visão adultocêntrica de julgar a experiência do jovem como supérflua, frágil e irrelevante. O nosso papel é ouvi-los e amplificar suas formas, para que não percamos tempo com a ideia de tempo da tela, e sim o conteúdo dela, criado para e com essa faixa etária para equipá-las a ter mais capacidade de reconhecer suas emoções e diferentes experiências digitais, para uma leitura mais crítica de mundo”, finalizou Nejm.
É possível acompanhar na íntegra essa e outras discussões que aconteceram no seminário na página do youtube do NIC.br.