publicado dia 21 de agosto de 2020
GT Cidade, Infância e Juventude quer aproximar arquitetos de comunidades e territórios
Reportagem: Cecília Garcia
publicado dia 21 de agosto de 2020
Reportagem: Cecília Garcia
Ainda em construção, o Centro Integrado de Educação Integral de Serra Grande (BA) é um espaço projetado a partir de saberes e desejos da comunidade. Construída com materiais locais e integrado ao patrimônio cultural e ambiental da região, a escola pública é um exemplo de processo participativo na arquitetura.
“Todos os espaços construídos, sejam urbanos ou de arquitetura, têm o potencial de interferir e contribuir para os processos afetivos, educacionais, de saúde e qualidade de vida muito mais do que se imagina ou reconhece”, defende o arquiteto Rodrigo Mindlin Loeb.
Mas processos participativos como de Serra Grande são raridade no Brasil. Ainda segundo Rodrigo, serviços de arquitetura e urbanismo atendem somente 15% da população. No tocante à escolas, a maioria segue um padrão de construção que não considera as especificidades territoriais e climáticas do país.
É para aproximar arquitetos e urbanistas de escolas e territórios que nasce o GT Cidade, Infância e Juventude, grupo formado dentro do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-SP). Encontrando-se a cada quinze dias, o GT desenvolve estratégias sobre como incidir em territórios e em conjunto com quem neles vive.
“A ideia não é sair construindo um monte de prédio. É olhar para o que já temos e como podemos ampliar o direito das crianças, jovens e comunidade de terem uma relação mais propositiva e participar de decisões sobre os espaços internos e externos das escolas, dos bairros e da cidade onde habitam. Propomos um urbanismo participativo”, explica Beatriz Goulart, arquiteta integrante do grupo e uma das responsáveis pelo projeto de Serra Grande.
A arquitetura distante da população
Atuando como arquiteto há muitos anos e mais recentemente com um olhar para as infâncias, Rodrigo percebe um afastamento da prática arquitetônica dos espaços que ele chama de ‘defesa da vida’, ou seja, territórios educativos onde estão as escolas, as praças e os serviços, onde pessoas circulam e onde moram.
“Por conta dos processos de industrialização e de transformação da sociedade pautada no desenvolvimento e no consumo, fomos nos afastando da arquitetura sustentável, mais alinhada como meio ambiente e com o território. Os grandes arquitetos também acabaram dando as costas à problemática dos espaços de educação, indo para grandes projetos.”
O resultado do afastamento é uma proliferação de edifícios e espaços idênticos. Construções com concreto e ou de pele de vidro – péssimas para o meio ambiente – são alguns exemplos que o arquiteto usa para falar de edificações que não levam em conta o território e mais importante, quem habitará e utilizará esses espaços.
“O arquiteto vai para esse território e tenta criar soluções como detentor do saber. Isso carrega uma arrogância que vem de uma herança colonial forte. Temos que perguntar: quem está lá, quem passa por lá, quem são as lideranças? Com certeza em todo território encontramos gente com capacidade de diagnosticar problemas, entender demandas e que vem fazendo isso há décadas.”
É pensando nesse princípio colaborativo e no desejo de reaproximação que o GT está esboçando ideias cooperativas: universidades e faculdades poderiam atuar junto com seus territórios por meio de seus programas de extensão; arquitetos e arquitetas poderiam oferecer um trabalho de assistência técnica (AT), para atender comunidades que de outra forma não teriam acesso a esse tipo de serviço.
Além disso, em razão da pandemia, o GT está desenvolvendo um Manual Técnico de Espaços Saudáveis para as escolas estaduais de São Paulo. “Nele levantamos quais seriam as características para um espaço saudável não só na questão da arquitetura – e todas as implicações de saúde num possível retorno às aulas presenciais – mas também um espaço saudável que propicie a criação de uma verdadeira comunidade de aprendizagem, contemplando estudantes, pais e gestão.”
Comunidades e saberes informais presentes no processo participativo
Originalmente, a profissão formal de arquiteto não existia. O que existia, conta Rodrigo, eram artífices, que tinham um saber passado de geração em geração e um domínio manual de trabalhar com materiais, formas e objetos constituído empiricamente ao longo dos séculos.
“O que houve ao longo dos anos foi o processo de desapropriação do saber. Quando arquitetos e urbanistas propõem um trabalho com processo participativo, propõem a restauração ou reconstrução de um caminho contemporâneo que leve em conta os saberes informais de quem vive nos territórios, onde a execução passa a ser parte do aprendizado.”
Se um coletivo de arquitetos deseja trabalhar junto com uma comunidade para construir uma escada ou melhorar uma praça, o que o GT propõe é que esse processo seja participativo: o coletivo se encontraria com lideranças locais, com elas montaria oficinas e dinâmicas para falar da construção, mas não só – também haveriam momentos como um sarau ou outra atividade cultural para se conectar com o grupo.
“Idealmente nesse projeto se identificaria na comunidade gente com um talento incrível para desenho e projeto. Aí se junta uma equipe com soluções que arquitetos nunca teriam imaginado sozinhos. Acontece uma dessacralização da atividade projecional, numa relação mais apropriada entre quem vive no território e o que está sendo construído ou reformado.”
Ainda na linha da reconexão com saberes dissidentes, é importante também olhar para técnicas construtivas de saberes indígenas e afro-brasileiros. Olhar a madeira, a palha, a taipa, o bairro, as construções de indígenas e quilombolas, entendendo a sofisticação da relação estabelecida entre construção, território e natureza. “Não é regressar ao passado, e nem desprezar as tecnologias atuais. É olhar para o que temos com uma proposta urgente de futuro”, conclui Rodrigo.