publicado dia 20 de maio de 2020
Comunicação comunitária garante acesso à informação em tempos de Covid-19
Reportagem: Cecília Garcia
publicado dia 20 de maio de 2020
Reportagem: Cecília Garcia
“Fiquem em casa! Nada de churras na laje!” É com um carro de som ressoando a voz do funkeiro Nego do Borel e de outras referências culturais do território que a Redes da Maré, organização social que atua no complexo homônimo de 16 favelas do Rio de Janeiro, pede pelo isolamento social para mitigar o contágio de Covid-19 (novo coronavírus).
“Para a maioria das pessoas da favela, isolamento social e lockdown são palavras que não fazem sentido”, relata Dani Moura, responsável pela comunicação da organização. “Há linguagens, gírias, e referências para se fazer uma comunicação efetiva neste território.”
No Complexo da Maré e em outras periferias do Brasil, a comunicação comunitária é uma ferramenta não só para alertar sobre o espraio da pandemia – maior em territórios vulneráveis – como também combater a desigualdade de acesso à informação.
“É uma comunicação que se estabelece horizontalmente, construída em um lugar e para este lugar. [No caso do Covid-19] ela traduz informações de instâncias oficiais, que muitas vezes aqui são conhecidas só pela truculência policial ou pela ausência de políticas públicas.”
A principal tríade de profilaxia recomendada para prevenção do Covid-19 – álcool em gel, isolamento social e lavaras mãos com água e sabão – colide com a realidade de comunidades vulneráveis brasileiras, cujos direitos à políticas públicas de saúde, saneamento e educação ainda não são garantidos.
“O isolamento que acontece em diversas partes da cidade não pode acontecer nas favelas. Como são casas pequenas e aglomeradas, as pessoas usam a rua como extensão dessa residência. Por isso é tão comum ver famílias sentadas nas escadas, nas praças públicas, crianças brincando na rua”, explica Moura.
Outro fator que dificulta o isolamento é a realidade financeira: “Boa parte dos 140 mil moradores [da Maré] tiveram impacto na geração de renda. Há muitos trabalhadores informais, e eles foram os primeiros a serem atingidos. Com o fechamento do comércio, outra parcela significativa teve sua renda reduzida.”
Para sensibilizar e informar os moradores, a Redes da Maré uniu esforços com a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) para a campanha Se Liga no Corona!: posts para redes sociais, spots de rádio e radionovela para sensibilizar a população idosa fazem parte da estratégia.
A dinâmica da comunicação também traduz a profilaxia de acordo com a realidade vivida na comunidade:
“Quando começou o isolamento social, as indicações oficiais eram que as pessoas comprassem álcool em gel. Só que nas primeiras semanas de quarentena, o preço estava muito elevado, o que inviabilizava a compra. Então nosso papel de comunicação foi dizer: vamos fazer mistura de água com água sanitária, não compartilhemos utensílios, copos, talheres; separem espaços da casa para os idosos, para que eles fiquem isolados de dois a três passos.”
Ante um futuro incerto sobre a duração do isolamento, a Redes da Maré concentra agora sua comunicação para auxiliar a população em casa: por Whatsapp e outras redes sociais, ela informam sobre funcionamento de serviços como posto de saúde, dicas de canais culturais ou educativos, além do boletim De Olho no Corona, que informa sobre os números da doença no território.
Em Nordeste de Amaralina, comunidade de Salvador (BA), o canal de comunicação comunitária NORDESTeuSOU usa meios físicos e digitais – como colagem de cartazes e carros de som – para informar a população local sobre a gravidade da situação.
“Quanto mais informações a comunidade tiver, mais maneiras de se prevenir. O problema é que essa informação nem sempre chega do jeito certo. Nós começamos então a pegar matérias do mundo e do Brasil e traduzir para a comunidade local”, explica Jefferson Borges, criador da plataforma.
As notícias do Portal têm no máximo dois parágrafos e são de leitura rápida e palatável. O canal também convida especialistas em áreas da saúde e economia para gravar lives que respondam às dúvidas locais.
Outro trabalho contínuo do portal durante a pandemia tem sido o de combater a desinformação :
“Apurar as fakenews é o melhor jeito de impedir que se espalhe pânico e preconceito. Fizemos dentro do jornal uma central de crise fakenews: Ao receberemos uma notícia de Whatsapp, por exemplo, a central concentra a apuração para entender se procede ou não e depois dissemina a informação por meios digitais.”