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publicado dia 21 de janeiro de 2020

O desenho selvagem e a arquitetura do imaginário infantil: Um perfil da ilustradora Mariana Massarani

Reportagem:

Há 4.500 anos, no coração do deserto da Mesopotâmia, Enreduana talhou em argila sua história. Considerada a primeira escritora e filósofa do mundo, a sacerdotisa suméria desafiou o sistema patriarcal escrevendo sua poesia em placas de argila.

Enreduana (Companhia das Letras, 2018) é uma das parcerias entre Mariana e o também ilustrador Roger Mello. Eles também construíram juntos o livro Inês, sobre a história de Inês de Castro, rainha coroada depois de morta.

Mais de dois mil anos depois, é a ilustradora Mariana Massarani quem talha a história de Enreduana. No livro homônimo, de tons magentas e alaranjados como os do Sol se pondo sob uma duna, a ilustradora carioca deu vida à narrativa sobre a coragem da palavra, por meio da coragem do desenho. 

Para recriar em ilustração esse tempo antigo e longínquo, Mariana usou sua habilidade de pensar por imagem e sua curiosidade pela beleza das figuras e das histórias que elas podem contar.

“Gosto de fazer esse trabalho de detetive, sair pesquisar e ver o que eu posso usar. Pesquisei como seriam as roupas, o entorno, a paisagem aonde viviam os povos sumérios”. 

página do livro enreduana
Páginas do livro Enreduana / Crédito: Kids Indoors

O resultado foi um trabalho premiado como melhor livro de literatura infantil pela Biblioteca Nacional e que também diz muito da habilidade ilustrativa de Mariana: suas linhas finas, intenções claras, e uma curiosidade primal pela conexão nem sempre literal que se dá entre palavra e imagem.  

A criança dos desenhos selvagens 

Mariana nunca não desenhou. Já foi expulsa de sala de aula por não conseguir parar de rabiscar o que ela costuma chamar de desenhos selvagens – aí vai uma liberdade poética de pensar que é porque eles respondem a um fluxo de pensamento e desejos intuitivos. 

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Além de gostar de desenhar, gostava dos livros, de folheá-los, de nem sempre entendê-los, mas aproveitar sua beleza, sobretudo a inculcada na ilustração. “Eu tenho uma irmã bem mais nova, e ela estudava em um colégio alemão, que tinha uma livraria fantástica com muitos livros. Ela nem ligava muito, eu que curtia os dela. Gostava dos livros da minha mãe, dos livros antigos, dos livros bonitos”. 

ilustração mariana massarani
Ilustração do livro “Quem tem medo de quê?”, de Ruth Rocha / Crédito: Blog da Mariana Massarani

Se à uma Mariana criança se abriu como se abre um livro o apreço pelo desenho, a Mariana adulta continou a desejar fazer uma vida disso. Cursou desenho industrial na UFRJ. “A gente tinha aula de um bilhão de matérias, mas o que eu era melhor mesmo era na ilustração”.

Seu primeiro trabalho como ilustradora foi na redação de um jornal. Entre os horários insanos de fechamento de matérias, ela aprendeu a ser rápida, com uma precisão e objetividade que levaria para toda uma vida de ilustradora. Quando um chefe recusou um trabalho de ilustração de um livro infanto-juvenil, Mariana abriu a portinhola para uma carreira de 200 obras ilustradas e escritas. 

ilustração para uma revista feita por mariana maasarani
Mariana conta que foi no jornal que aprendeu a ser rápida e precisa / Crédito: Blog de Mariana

A arquitetura do imaginário infantil 

Há uma frase dita pelo parceiro de pincel e poesia Roger Mello com o qual Mariana concorda integralmente: “Foi há pouquíssimo tempo que se inventou a noção de um livro só para crianças, que o adulto não conseguiria ler. Mas desse livro a criança também não gosta. Ela vai abandoná-lo, porque falta o perigo. Ela quer a poesia, o lúdico. Mas também o conflito”. 

Mariana também gosta do perigo presente em cada novo desafio de ilustração: gosta de se deparar com uma história nova, um prazo diferente, uma técnica diferente de desenho. 

“De acordo com o formato do desafio, aí eu vou lendo, fazendo umas anotações, montando a ideia. Eu leio muito, então tenho muitas ideias armazenadas na cabeça. Essa é a parte divertida, quando eu me vejo frente a uma papel branco e saio montando”. 

rabiscos do livro inês
Desenhos de Inês, livro construído junto com Roger Mello / Crédito: Blog Mariana Massarani

Mariana parte de um lugar muito intuitivo e pouco literal na feitura de seus desenhos. Quando por exemplo tece a linha fina que conta a história do amor proibido entre Inês e Pedro em Inês (Companhia das Letras, 2015), ou quando dá vida aos animais de obras como Terra dos Papagaios (Moderna, 2016) , a ilustradora encontra a imagem ou imagens que as palavras evocam, não necessariamente o que elas dizem. 

“É uma coisa intuitiva, meio de gaiato. Eu vou bolando outra coisa que tem a ver com a palavra, com outro olhar sobre ela”. 

Do mesmo jeito que Mariana se encantava perdidamente quando criança com imagens de livros sobre o antigo Egito e Hieróglifos, mesmo sem entendê-las, é esse o poder que ela acredita que a ilustração tem dentro dos livros infanto-juvenis. Crianças podem não necessariamente entender o que está escrito, mas a ilustração tem potência especial para esse primeiro leitor, com imagens disparadoras de sensações e lembranças. 

“Temos que entender que o leitor é sempre autônomo, seja adulto ou criança. Mas para o primeiro leitor, o desenho diz coisas que as palavras não consegue dizer”.

Livro Terra dos Papagaios / Crédito: blog Mariana Massarani
Livro Terra dos Papagaios / Crédito: blog Mariana Massarani
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