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publicado dia 31 de outubro de 2019

Pedagogia dos Saraus: a construção coletiva de um sarau dentro da sala de aula

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Às sete da manhã do primeiro sábado de outubro, o pátio elevado do CEU Parque São Carlos lentamente se encheu de crianças e adolescentes. Estudantes de diversas escolas da zona leste de São Paulo começaram a ensaiar poesias: alguns as liam em trêmulos papeis, outras as recitavam em coro com seus grupos.

A aglomeração se deu por conta da apresentação final do projeto Pedagogia dos Saraus, ministrado pelo educador e escritor Rodrigo Ciríaco e seu grupo Mesquiteiros. O curso – que faz parte do  Circuito Literário nas Periferia (CLIPE), iniciativa da Fundação Tide Setubal – foi realizado junto às escolas da Diretoria Regional de Educação (DRE) São Miguel, e levou a prática e linguagem dos saraus para as salas de aula. 

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“A escola é muitas vezes o lugar onde o aluno não quer estar. A Pedagogia dos Saraus é uma ferramenta que muda isso e amplia a diversidade do olhar da escola sobre o aluno, fazendo ele ser enxergado”, explicou Rodrigo, que levava nos ombros uma alafia, que usou para ditar o ritmo das apresentações que aconteceram no Teatro Olga Navarro. 

Nesta edição do projeto, 170 educadores se inscreveram e 38 escolas da DRE São Miguel participaram de cinco encontros de quatro horas de duração cada. O educador coordena o Pedagogia dos Saraus em escolas de diversas regiões do Brasil há 13 anos, e estima que mais de 10 mil pessoas já tenham se envolvido. 

jovens se apresentam no palco
Crianças de diferentes cidades e escolas se apresentaram no CEU Parque São Carlos / Crédito: Cecília Garcia

Uma bagunça organizada: como o sarau muda a dinâmica dentro da sala de aula

Quem acompanha grandes saraus da capital paulista, como o Sarau do Binho, está acostumado com a efervescência cultural do evento. Poetas encostam os lábios no microfone para declamar sobre um sem fim de temas; a plateia emenda um ‘pow pow pow’ quando as rimas agradam, e nessa bagunça organizada, cada participante tem seu espaço no palco. 

Nas salas de aula, entretanto, opera outro estado de espírito, geralmente com fileiras organizadas, hierarquia e lugares de fala delimitados. É para fazer uma ponte entre esses universos aparentemente distintos que Rodrigo e os Mesqueteiros criaram a Pedagogia dos Saraus.

“Na nossa função de educadores, a gente lida com o caos e o conflito, que é o que queremos ter controle. No sarau, a gente consegue trabalhar com esse equilíbrio entre caos e organização, porque ele é um jogo. Todo mundo quer brincar e participar. A grande charada é essa: fazer uma atividade que ao mesmo tempo é pedagógica, que tem a questão da leitura, da interpretação, da escrita, sem perder o lúdico, a alegria e a brincadeira.”

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A ideia de colocar o sarau como prática pedagógica não é para sobrecarregar a já atribulada carga horária dos educadores, e sim paramentá-los com uma estratégia que consiga despertar nos estudantes mais interesse pela leitura e por si próprios.

“Independente da área onde o educador atua, ele pode com o sarau aprofundar a questão da leitura, da interpretação de texto e do vocabulário. Outro aspecto que o sarau trabalha muito é a questão da identidade, autoestima e do exercício de respeito. Se as crianças estão acostumadas a fazer brincadeiras, tiração de sarro e bullying, no sarau a gente exercita o aplauso, o encorajamento, a valorização do talento de cada um.” 

Para o professor de geografia José Costa Lima Filho, da EMEF Milton Pereira, a formação da Pedagogia dos Saraus ajudou a democratizar os espaços de fala dentro da escola: 

“O curso ampliou a troca de conhecimento entre os professores, tirando um pouco do nosso sentimento de que sarau não pode ser na sala de aula. A partir da metodologia, a gente percebe que os nossos educandos tem muito o que falar, e são coisas que nós precisamos ouvir.” 

educadores em cima do palco do final da pedagogia dos saraus
Educadores também se apresentaram durante o sarau que ajudaram a organizar / Crédito: Cecília Garcia

Sarau não se constrói sozinho 

Kevin Gabriel Dorotéia e Nicolas Valentin, de 13 e 11 anos, não tem medo do palco; o duo de rap sempre gostou de se apresentar e pensa em seguir carreira artística. Foi com desenvoltura que os dois subiram no palco da final da Pedagogia dos Saraus com uma ovacionada poesia sobre o viver nas periferias.

“A gente sempre cantou rap, mas é diferente quando o professor chama a gente para um sarau na escola. Não foi difícil, eu gostei muito”, relatou Kevin. A dupla foi levada pelo professor José, que comemorou efusivamente da plateia durante a apresentação.

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A construção de um sarau dentro do espaço escolar depende de uma movimentação coletiva: forças diferentes da escola se articulam para garantir que cada um tenha espaço de produção de sua arte: “Na Pedagogia do Sarau, o professor não faz o sarau sozinho. Ele faz com o estudante, e não para”, sentenciou Rodrigo. 

O entorno da escola é arrastado pela miríade de atividades que envolvem a montagem e a apresentação. No dia da final, grande parte do auditório era composto por familiares dos alunos e dos professores que se apresentavam. 

“O sarau é uma provocação à família, à comunidade, para se envolver e participar. Temos aqui crianças, jovens adolescentes, que estão fazendo uma atividade cultural e artística. O que a comunidade vai fazer com isso? Do início tem uma resistência, porque trabalhamos em uma sociedade em que muitas vezes o livro não tem significado, mas tentamos quebrar símbolos, mudar narrativas, então tudo se mobiliza e se movimenta”, concluiu o educador.

jovens se apresentam na final do pedagogia dos saraus
Kevin Gabriel Dorotéia e Nicolas Valentin apresentaram seu rap de como é ser jovem nas periferias / Crédito: Cecília Garcia
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