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publicado dia 21 de agosto de 2019

As ruas são o espaço para se desenvolver uma cidade educadora, afirma Skye Duncan

Reportagem:

Uma rua aberta: nela, as calçadas largas oferecem espaços de convivência e de pausa, onde crianças podem correr e uma mãe pode ensinar sua filha a andar de bicicleta. Há lugar para carros, mas é proporcionalmente menor. A prioridade é de quem caminha, quem pedala e de quem experimenta a cidade por meio de suas ruas. 

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É por lugares assim que a arquiteta neozelandesa Skye Duncan trabalha. Urbanista responsável por um melhor planejamento do espaço público em cidades como Nova Iorque (EUA) e Addis Ababa (ETI), Skye esteve em agosto no Brasil em evento organizado pela Fundação Bernard Van Leer para se encontrar com gestores de municípios como São Paulo (SP), Boa Vista (RO) e Recife (PE) e pensar em práticas para tornar cidades mais afáveis e seguras para a primeira infância. 

Estima-se que até 2050, 2/3 da população mundial habitará espaços urbanos. Sky acredita em ações concretas para inverter a visão “carrocêntrica” das grandes cidades, priorizando pedestres e ciclistas. 

“Nossas ruas são os maiores espaços de conexão na malha urbana. A cidade é feita delas, o que as coloca como lugares de verdadeiro desenvolvimento. Quando pensamos em como usar esses espaços, temos que pensar no imenso – e ainda não atingido – potencial de acesso que as ruas oferecem para ajudar a enfrentar os desafios e proteger as crianças.” 

É na primeira infância, faixa que vai de 0 a 3 anos, que Skye acredita que prefeitos, gestores e urbanistas devem pensar na hora de estruturar políticas públicas, principalmente porque a maior parte do tempo essa população é invisível a eles.

“Crianças estão sempre confinadas. Elas raramente estão ao ar livre, sempre em suas casas, dentro de um meio de transporte, ou na escola. Isso significa que as crianças não estão sendo visibilizadas. Temos que criar ambientes onde elas estejam; porque quando uma criança é visível na cidade, quando uma mãe sente-se segura para sentar na praça e amamentar seus filhos, alguém também se sentirá mais confortável em passar tempo no espaço público, criando uma reação em cadeia.” 

Grande parte das iniciativas que Skye desenvolve são pensadas a partir do ponto de vista das crianças. Por exemplo, a arquiteta esteve na capital paulista para conhecer o Conviver Sub Penha, projeto onde uma rua no bairro de Artur Alvim se tornou mais segura com medidas simples, como pintar faixas no asfalto. 

rua em artur alvim teve faixas pintadas
Rua Dr. Campos Moura teve sua dinâmica alterada pela pintura de faixa de pedestres / Crédito: Prefeitura de São Paulo

Essas ações em micro-escala, que envolvem às vezes apenas tinta para pintar uma faixa de pedestre, são, em sua opinião, modos de usar as ruas com mais sabedoria: 

“Não é possível criar novas ruas. Mas nós arquitetos e planejadores do espaço urbano temos que olhar cada centímetro desse espaço público existente para fazê-lo melhor, senão nunca estaremos realmente enfrentando os desafios que estão ao nosso redor. É preciso pôr uma lente de aumento nas ruas.” 

O Portal Aprendiz listou 5 ações que, na opinião de Skye Duncan, podem ajudar os municípios e as comunidades a olharem para suas ruas de maneira a torná-las a expressão máxima de uma cidade educadora

1 – O potencial das calçadas 

“Ao redor do mundo, parece que interpretamos a palavra calçada como espaço para colocar postes, lixo, entulho, quase tudo, menos para andar. As calçadas são muito necessárias, porque elas são feitas para ser um caminho desobstruído e livre”, afirmou Skye. 

A arquiteta ainda versou sobre a necessidade de se alargar calçadas, tornando-as espaços de circulação e também de permanência. Um dos exemplos é a Times Square, avenida de grande movimento na cidade de Nova Iorque (EUA). O aumento da largura dos passeios e o fechamento para carros diminuiu os acidentes e melhorou a qualidade do ar, além de proporcionar espaços de encontro. 

2 – Faixas de pedestre 

O trânsito é uma das maiores causas de acidentes em todo o mundo – segunda entre jovens de 5 a 15 anos -, de acordo a Associação Internacional de Segurança nas Estradas (ASIRT).

Para Skye, uma das soluções para diminuir essas fatalidades- e garantir a vida segura das crianças – é pintar faixas de pedestre. 

“Jogar um pouco de tinta melhora o quão habitável uma rua é”. Ainda em Nova Iorque, onde a arquiteta trabalhou durante 10 anos, depois de acidentes em um determinado cruzamento, a prefeitura adicionou uma faixa de pedestre na intersecção de ruas. 

“Ao invés de culpar o pedestre, que atravessa onde não tem faixa, o poder público estudou onde havia maiores chances de cruzamento e criou uma estrutura. Não houve fatalidades desde então.” 

3 – Lugares para sentar, brincar e pausar

Os parklets que Skye viu em bairros como São Mateus, na zona leste de São Paulo, são citados quando o assunto é a necessidade de lugares de pausa e de brincadeira, que viabilizam as crianças na cidade.

“São espaços que reativam o verdadeiro significado da rua. Às vezes colocar algo simples, como móveis para pessoas sentarem, melhora a conexão entre as pessoas que se encontram nesses locais.” 

Ela também mostrou como intervenções simplórias convidam crianças a sentirem donas de suas cidades e responsáveis por elas. Ainda em Nova Iorque, Skye contou como cestas de basquete, colocadas em cima de latas de lixo, proporcionaram momentos lúdicos e fomentaram um sentimento de pertencimento. 

parklet no meio da cidade de são paulo
Parklets funcionam como espaço de desfrute da cidade / Crédito: Prefeitura de São Paulo

4 – Políticas mais restritivas para os automóveis

A velocidade dos carros precisa diminuir; essa prerrogativa de Skye já foi testada em diversas cidades no mundo. Carros mais lentos reduzem a chance de acidentes e isso só possível por meio de políticas públicas de limite de velocidade ou por design.

“Em Bogotá (COL), Copenhague (DK), Chicago (EUA) e Buenos Aires (ARG), o poder público tomou medidas criativas para repensar e realocar os espaços das ruas. Três linhas de faixa de ciclistas já convidam as pessoas a andar mais de bicicleta. Diminuir as faixas de carro de avenidas centrais reduz os acidentes e também diminui o tempo que uma pessoa leva para chegar de A até B. Ninguém deveria ter que esperar mais de 10 minutos para atravessar uma rua.” 

No campo do design, Skye chama a atenção novamente para ações simples, que requerem não menos que uma lata de tinta e disposição. Em Artur Alvim, bairro da zona leste de São Paulo, o Convive Sub Penha pintou um ziguezague nas ruas. Isso possibilita o trânsito, porém em velocidade mais lenta. 

Skye aponta que a comunicação com os cidadãos é crucial nesse momento. Isso porque, a mentalidade das cidades foi por muito pensada para os carros e as pessoas têm medo de mudanças. 

“É preciso trabalhar a comunicação para que as pessoas entendam que não estamos mudando a rua ou tirando seu estacionamento porque não queremos que seu negócio floresça. Pelo contrário, queremos que sua criança sobreviva a ida da escola na manhã. Que seus pais consigam sair de casa seguros e se conectem com seus vizinhos.” 

5 – Facilitar a vida dos ciclistas

Para a arquiteta, para se pensar em políticas ciclistas para as cidades, é preciso primeiro entender que a maioria dos ciclistas da cidade não são os esportistas ou de alta velocidade. São, na verdade, crianças aprendendo a andar de bicicleta, pessoas indo para seu trabalho, ou um pai levando seu filho no assento da bicicleta. 

“O ciclismo é a chance de uma outra mobilidade para as crianças e para suas famílias. Mas ainda, na maioria das cidades, há um medo de se andar de bicicleta. Isso porque, quando a velocidade dos carros é acima de 30 quilômetros, o risco é grande. Temos que dar proteção para os ciclistas quando é acima de 30 quilômetros, e quando é abaixo, dar uma chance de mobilidade para nossas crianças e famílias, fazendo as ruas mais amigáveis e com mais estrutura para bicicletas.” 

Skye chama a atenção para infraestruturas complementares. Em Fortaleza (CE), o sistema de bicicletas compartilhadas para crianças aumenta a adesão a esse tipo de transporte. Em Milão (ITA), as bicicletas públicas têm assentos para crianças. “O design facilita o acesso e as crianças começam a perceber que existem outras alternativas de locomoção.” 

criança andando no proejto da prefeitura de fortaleza
Projeto em Fortaleza (CE) incentiva o ciclismo desde a primeira infância / Crédito: Prefeitura de Fortaleza
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