publicado dia 5 de agosto de 2019
Organizações e sociedade civil reagem contra Portaria 666 sobre deportação
Reportagem: Cecília Garcia
publicado dia 5 de agosto de 2019
Reportagem: Cecília Garcia
*Publicada originalmente no site Migramundo com o título “Sociedade civil e políticos reagem contra portaria do Ministério da Justiça sobre deportação”.
Considerada inconstitucional por especialistas, a Portaria 666 do Ministério da Justiça, publicada na edição da última quinta-feira (25) do Diário Oficial da União e que endurece as regras para entrada de pessoas de outros países no Brasil, assim como de deportação e repatriação, é alvo de ações tanto da classe política como de instituições da sociedade civil.
O deputado Orlando Silva (PC do B-SP), que foi relator na Câmara do projeto que criou a atual Lei de Migração, apresentou na terça-feira (30) um PDL (Projeto de Decreto Legislativo) que susta os efeitos da portaria.
A expectativa é pautar a proposta junto a outros líderes partidários para que seja votada em regime de urgência pela Câmara – o Congresso Nacional estava em recesso parlamentar e retomou seus trabalhos na quinta (1º).
“Resumidamente, a Portaria 666 editada pelo ministro Sergio Moro inovou no direito brasileiro, inaugurando a possibilidade de deportação sumária de migrantes com base na suspeita de que a pessoa seja perigosa para a segurança do país, além de permitir a repatriação e o impedimento de entrada no Brasil dessas pessoas consideradas “suspeitas perigosas”, bem como reduzir ou cancelar o seu prazo de estada — o que pode afetar migrantes que atualmente vivem regularmente no país”, argumenta o deputado na justificativa para o PDL.
Outro deputado, José Guimarães (PT-CE), também apresentou PDL que prevê a suspensão dos efeitos da portaria 666.
Segundo nota no site do Ministério da Justiça, a Portaria 666 “pretende proteger o Brasil ao evitar a entrada de pessoas suspeitas de crime de terrorismo ou de tráfico de drogas, assim definidos em lei”.
Em thread no Twitter, o ministro Sergio Moro voltou a defender a portaria. Nas respostas às postagens do ministro há tanto manifestações de apoio como de repúdio à proposta.
Para a Defensoria Pública da União, no entanto, a Portaria 666 viola direitos e leis nacionais, incluindo a própria Constituição Federal.
A portaria 666 foi tema de um debate público no dia 1º na Faculdade de Direito da USP, no centro de São Paulo. A ação foi puxada pelo Fórum Internacional Fontié ki Kwaze – Fronteiras Cruzadas e pelo grupo de extensão universitária ProMigra.
Também na última semana, 60 instituições da sociedade civil assinaram uma nota de repúdio à Portaria 666 – que pode ser lida na íntegra a seguir.
NOTA PÚBLICA: DIREITO DE MIGRANTES E REFUGIADOS COLOCADOS EM RISCO PELA ILEGALIDADE DA PORTARIA 666 DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA
Na última sexta-feira, 26 de julho, a publicação da Portaria nº 666/19 do Ministério da Justiça e Segurança Pública despertou grande preocupação das entidades que assinam esta nota conjunta.
A Portaria contraria o espírito da vigente Lei de Migração (13.445/17): construída com profundo e maduro diálogo com sociedade civil e concebida conforme os parâmetros de direitos humanos oriundos da Constituição Federal e do direito internacional.
A Portaria nº 666 pretende regular hipóteses para impedimento de ingresso em território nacional, a repatriação e a deportação sumária de imigrantes e visitantes. Para tanto e buscando dar legitimidade a seu texto, utilizou-se de instrumentos previstos na Lei de Migração, ignorando, no entanto, seus princípios e diretrizes pautados no respeito aos direitos humanos, na não criminalização da imigração, e na garantia de respeito ao contraditório e à ampla defesa nos procedimentos de retirada compulsória.
A referida Portaria ignora a presunção de inocência ao impedir o ingresso no país – inclusive para fins de solicitação de refúgio- e ao determinar a repatriação e mesmo a deportação sumária com base em mera suspeita de envolvimento em crimes, pautando-se em informações ainda não comprovadas. Vale-se, ainda, de termo vago e inexistente no ordenamento jurídico interno de “pessoa perigosa” para implementar tais medidas e coloca sob o manto do sigilo os processos nesse contexto, inviabilizando o controle social.
A Portaria se vale da deportação, medida de retirada compulsória já existente no ordenamento jurídico brasileiro (Lei nº 13.445/17, artigo 50), para aparentar legitimidade e legalidade ao tratar da “deportação sumária”, porém, desfigura tal medida a ponto de criar uma nova.
A deportação tal qual prevista na Lei de Migração é instrumento jurídico de âmbito administrativo para retirada compulsória do território nacional apenas de pessoa que se encontre em situação migratória irregular. No entanto, a portaria a utiliza para tratar da retirada compulsória de qualquer pessoa suspeita dos crimes listados em seu artigo 2º, ainda que tenha condição migratória regular, em clara violação à previsão legal.
Não há previsão no ordenamento jurídico brasileiro, em especial na Lei de Migração, para medida de retirada compulsória de imigrante que já se encontre em território nacional nos moldes apresentados pela Portaria, tratando-se, portanto, de inovação normativa.
Ainda, a portaria ignora o artigo 51 da Lei de Migração que garante o direito ao contraditório e à ampla defesa nos procedimentos de deportação ao permitir a retirada compulsória do país sem o respeito ao devido processo legal, pois reduz o prazo para a apresentação de defesa – que, na Lei, é de 60 dias prorrogáveis – para meras 48 horas. Na prática, esse direito fundamental a qualquer cidadão (brasileiro ou não) tem seu exercício impedido, já que não haverá tempo hábil para reunião e produção de provas e, em muitos casos, sequer para que se constitua advogado.
É inadmissível, também, que a portaria impeça o ingresso no país de qualquer migrante diante de mera suspeita do cometimento ou de envolvimento com atividades ilícitas. Afinal, a Constituição não autoriza que um cidadão – brasileiro, ou não – seja considerado culpado antes de formada sua culpa, isto é, sem o trânsito em julgado da sentença condenatória (art. 5º, LVII da CF).
É importante lembrar que o Ministro da Justiça não está autorizado a regulamentar as hipóteses para fins de refúgio já que o art. 12, V da Lei Federal nº 9.474/97, reserva ao Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE) essa atribuição.
Ainda, no direito brasileiro não há possibilidade de que mera portaria venha a contrariar o texto de normas superiores, como são as Leis, Decretos, Tratados e, obviamente, a Constituição Federal. É por essa razão que a norma em comento extrapola formal e materialmente suas possibilidades criando insegurança jurídica aos migrantes no País.
O Ministro da Justiça e Segurança Pública age ao arrepio do que determina a Constituição Federal e ignora seu dever de defender a ordem jurídica (inciso I do art. 37 da Lei nº 13.844, de 18 de junho de 2019) e resolve baixar espécie normativa que deve, tão somente, instruir a execução de leis e decretos, sem jamais alterar seu conteúdo (art. 87, parágrafo único, II da Constituição Federal).
Assim, o Ministro faz com que o Brasil venha a violar compromissos internacionais assumidos e inclusive podendo prejudicar os brasileiros residentes no exterior que poderão vir a receber tratamento equivalente em razão do princípio da reciprocidade.
Para que maiores repercussões não venham atingir brasileiros e não brasileiros é que se conclama a imediata revogação da Portaria nº 666/19 do MJSP.