publicado dia 16 de abril de 2019
O que está em jogo com a extinção dos conselhos federais
Reportagem: Cecília Garcia
publicado dia 16 de abril de 2019
Reportagem: Cecília Garcia
No marco dos seus 100 dias de governo, o presidente Jair Bolsonaro assinou o decreto 9.759, propondo a extinção de dezenas de colegiados federais de participação social. Isso inclui conselhos federais, fóruns, grupos e inúmeros outros dispositivos de aproximação entre governo e sociedade civil.
Em entrevista para o jornal O Globo, o Ministro da Casa Civil, Onyx Lorezoni, alegou que a extinção se dá para gerar economia e simplificar processos burocráticos. Acrescentou ainda que os conselhos “resultavam em gastos com pessoas que não tinham nenhuma razão para estar aqui, além de consumir recursos públicos e aparelhar o Estado brasileiro.”
Diante da decisão, os colegiados terão 60 dias para justificar sua existência. Apesar da medida não afetar colegiados criados a partir de 2019, a expectativa do governo é que, após 28 de junho, qualquer outro colegiado criado atenda aos moldes do decreto com especificações como a curta duração de reuniões e número limitado de participantes.
Leia + O que é a Lei de Acesso à Informação (LAI)
Pontes entre as intenções dos governantes e da população, o iminente fim dos colegiados gera preocupação em movimentos organizados da sociedade civil. Entre os conselhos na berlinda estão alguns relacionados às políticas para pessoas com deficiência, indígenas, população LGBT e erradicação de trabalho infantil.
O decreto também gerou perguntas sobre para que servem e como atuam os conselhos. A fim de sanar estas dúvidas, o Portal Aprendiz ouviu Tatiana Montório, mestra em Políticas Públicas pela UFABC e integrante do grupo de pesquisa 3 PAC, (Política, Políticas Públicas e Ação Coletiva) e Danielle Klintowitz, coordenadora do Instituto Pólis sobre a importância da manutenção desses colegiados. Confira:
Para que servem os colegiados?
Previstos na Constituição de 1988 como dispositivos de participação social e integrados à Política Nacional de Participação Social (PNPS), sancionada pela presidenta Dilma Rousseff em 2014, os colegiados funcionam em diferentes formatos: conselhos federais, fóruns, encontros e mesas que se encontram em Brasília para discutir determinada pauta ou política pública.
“Eles têm diferentes funcionamentos, mas existe uma formulação básica: é um lugar onde se reúnem poder público e os agentes da sociedade. Eles servem para que o poder público não construa a política pública sozinho, e sim com a sociedade”, explica Danielle.
Quem trabalha nos conselhos e quanto eles custam?
Como uma das justificativas para o corte dos colegiados, Lorenzoni alegou economia de gastos – embora não tenha demonstrado seu real custo. Entretanto, os cargos dos conselhos não são pagos, como esclarece Danielle.
“As pessoas do conselho são eleitas pela própria sociedade civil e não recebem nada por isso. É um trabalho voluntário. O que elas recebem é custo para deslocamento, porque tem gente do Brasil inteiro que vai até Brasília (DF) na época da reunião.”
A coordenadora complementa que os próprios conselhos podem ser uma ferramenta para enxugar gastos públicos. “Os custos são pequenos diante da necessidade do funcionamento dos conselhos. O que neles se constitui é a construção democrática das políticas públicas e dentro deles pode ser discutido, por exemplo, como enxugar a gestão. Seu próprio funcionamento é exemplo de uma construção política democrática barata.”
Já Tatiana chama atenção para falas do governo que podem dar a entender que os conselhos são pouco representativos: “A composição dos conselhos federais é extremamente heterogênea. No Conselho Nacional das Cidades, por exemplo, há acadêmicos, urbanistas, geógrafos, movimentos de moradia, empreiteiras, ONGs, ou seja, são espaços plurais.”
O que significa a extinção na prática?
Para Tatiana, a primeira grande perda é a interrupção do diálogo entre governo e sociedade civil. “É uma comunicação cortada pela raiz. Quais espaços as instituições, pessoas e movimentos organizados terão? Só as ruas e olhe lá. Os riscos são políticas públicas unilaterais, sem a voz do povo, porque sabemos muito bem que o voto não garante a efetividade e eficiência do governo. É preciso acompanhar e estar junto”.
Danielle, por sua vez, aponta que de todas as medidas tomadas nos últimos 100 dias, a extinção dos colegiados é o maior ataque à democracia. “Os conselhos são lugares importantes de diagnóstico das políticas públicas, pois discutem em coletivo quais são as mais efetivas. É um lugar onde a sociedade expressa demandas e onde o poder público entra em contato com a população. O Brasil é um país continental, a União tem pouca capilaridade e os conselhos federais são lugares onde isso pode acontecer.”
A coordenadora, contudo, não isenta os conselhos de críticas. “A sociedade vem em uma discussão de como aprimorá-los, fazê-los mais radicalmente democráticos. Deveríamos estar conversando sobre a melhora do seu funcionamento, não sua extinção”, arremata.
O que está sendo feito para impedir a extinção dos colegiados?
Desde o anúncio do decreto ocorrem movimentações no governo e na sociedade civil. O líder da oposição no Congresso, Alessandro Molon (PSB-RJ), entrou nesta terça (16) com um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) para sustar o do governo, alegando inconstitucionalidade. A ABONG (Democracia, Direitos e Bens Comuns) está acionando uma rede mista parlamentar também contra a extinção.
“Os colegiados são espaços de participação democrática e plural. Quem participa de conselhos é organizado e vai lutar contra essa extinção”, declara Tatiana. Ela ainda alerta para possíveis réplicas em nível estadual e municipal. “Temos que ficar de olho nas atrocidades que fazem com o que o diálogo entre Estado e sociedade se desgaste”.