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publicado dia 24 de novembro de 2017

Projeto sobre gênero revela como trabalhar o tema dentro e fora da escola

Reportagem:

pte site 03 2 722x311pxA EMEF Infante Dom Henrique, localizada no Canindé, em São Paulo, quer ser “Escritora  Carolina Maria de Jesus”. Há meses articulando a alteração do nome para homenagear a autora negra que viveu na região, a comunidade escolar ainda não conseguiu concluir o processo, mas segue lutando para oficializar uma mudança de valores que já ocorreu do lado de dentro.

A alteração do nome da unidade é um gesto que sintetiza a maneira que a escola e seus membros relacionam-se com o território em que estão inseridos. Uma relação de escuta atenta, humanizada e preocupada em discutir as questões que se mostram relevantes para aqueles que vivem no bairro.

Esse processo teve início com o projeto “Roteiro de Aprendizagem Gênero e Diversidade – Um diálogo pedagógico e social”. Ao conectar a demanda do entorno com as inquietações dos professores percebidas no convívio com os estudantes, a iniciativa conferiu à escola um papel central no combate ao machismo, ao racismo e à homofobia.

Diagnóstico

A educadora responsável pela iniciativa, Fernanda Zientara do Nascimento, relata que a necessidade de trabalhar o tema foi captada pelos representantes da EMEF nas reuniões mensais com atores locais, como a Unidade Básica de Saúde (UBS) e a escola de samba do Canindé. Nesses encontros mensais, os representantes das UBS revelaram que a violência doméstica se colocava como um problema de destaque na região, demandando ações de combate. Ao mesmo tempo, os professores da escola notaram muitas nuances machistas e homofóbicas nos comentários dos estudantes, especialmente do oitavo ano. Comentários que mostravam uma percepção de mundo no qual a mulher é vista como um objeto e LGBTs não são desejados como colegas de classe.

De posse dessas informações, os professores resolveram agir. “Pensamos então nos roteiros de aprendizagem, uma proposta pedagógica que já tínhamos a intenção de inserir mas ainda não sabíamos a melhor maneira”, descreve Fernanda. A ferramenta, já utilizada por outras instituições de ensino, é uma espécie de guia sobre o assunto ou tema, com o mínimo de intervenção possível do professor. O mote é ser interdisciplinar, não se limitar aos muros da escola e promover a autonomia dos estudantes.

Na EMEF Infante Dom Henrique, a decisão foi abordar grandes temas: além da diversidade, escolhida para o 8° ano, outras turmas já trabalharam tecnologia, sustentabilidade, globalização, vícios e compulsões, o que exigiu esforços de professores de diferentes áreas do conhecimento para englobar os temas às matérias lecionadas.

“A abordagem foi muito interessante por trazer esse desafio. A professora de matemática comentou que nem ela imaginava ser capaz de unir a lógica matemática à igualdade de gênero. Ela não imaginava e nem nós”, brinca Fernanda, professora de português do 6°, 7° e 8° ano. Além dela e dos docentes de Matemática, os professores de Ciências também abraçaram a ideia dos roteiros de aprendizagem.

Nesse modelo de intervenção mínima, o trabalho em grupo é fundamental, de modo que os estudantes debatem e tentam sanar as dúvidas entre si. Cada roteiro de aprendizagem tem a duração de um bimestre, embora a temática continue sendo trabalhada após o fim do período.

Temas permanentes

A ideia a partir de agora é tornar os roteiros de aprendizagem permanentes, fixando os temas a ser trabalhados com os estudantes de outros anos. Preocupações catalisadoras da iniciativa – a diversidade e a promoção da igualdade de gênero – continuam como um eixo importante na EMEF. Na festa junina de 2017, por exemplo, os alunos fizeram intervenções sobre o assunto.

“O tema da festa era ‘Mulheres brasileiras fortes’, conhecidas e anônimas e de todo lugar do país. Após trabalhar os roteiros de aprendizagem e, dado o contexto da escola, optamos por homenagear na festa duas mulheres em especial: Carolina de Jesus e a mulher boliviana, dada a grande população migrante e oriunda desse país que temos na comunidade”, rememora a professora. Bottoms e camisetas foram distribuídos no evento, graças à parceria com o Instituto Tomie Ohtake.

Os pais e responsáveis foram apresentados ao projeto - e também passaram por formações sobre gênero
Os pais e responsáveis foram apresentados ao projeto – e também passaram por formações

Resultados e resistência

Em um período de retirada dos temas de gênero e diversidade dos Planos Nacional e Municipais de Educação e de propagação da equivocada noção de “ideologia de gênero”, falar de igualdade é um desafio e pode incorrer em resistência da comunidade. Para evitar que esses mal-entendidos atrapalhassem o andamento do projeto ou mesmo impedissem que ele se realizasse, os professores que coordenam os Roteiros de Aprendizagem realizaram formações prévias com as famílias.

Essa etapa do trabalho foi realizada ainda antes da implementação do tema para os alunos e consistiu em momentos formativos durante as reuniões de pais. Nessa sensibilização, eles assistiram vídeos sobre a Lei Maria da Penha, campanhas publicitárias e discutiram o assunto. Segundo Fernanda Zientara, não houve resistência. “Nós deixamos a comunidade a par do que seria feito na escola. A aceitação foi boa, em nenhum momento houve queixas sobre a abordagem desses assuntos, mas tivemos algumas mães emocionadas com o material”, relembra ela.

A estratégia mostrou-se bem sucedida também com os estudantes. Antes do início do projeto, eles entraram em contato com os mesmos vídeos sobre o tema, para que os professores pudessem mensurar o que deveria ser trabalhado. Durante o projeto, Fernanda avalia que a aceitação foi alta e os roteiros viraram companheiros dos adolescentes, já que eram utilizados em diferentes aulas.

A transformação ficou visível na etapa de avaliação, quando os alunos, divididos em grupos pequenos, refletiram e se auto-avaliaram, confrontando os resultados dos outros grupos. As meninas sentiram-se constrangidas com propagandas que objetificavam as mulheres, enquanto os meninos acharam normal. Já em imagens que colocavam o homem nas mesmas poses tradicionais de mulheres, as meninas acharam engraçado, enquanto eles se ofenderam.

“Nesse momento houve troca de verdade. Eles perceberam quão ofensivas podem ser as atitudes e o discurso dominante”, narra Fernanda, que acredita que a reflexão trazida pelos roteiros de aprendizagem é o maior legado do projeto. “Apesar dos tempos sombrios, nós estamos mudando para melhor.”

Territórios Educativos

O projeto “Roteiro de Aprendizagem Gênero e Diversidade – Um diálogo pedagógico e social”  foi um dos 10 contemplados pela 2ª edição do Prêmio Territórios Educativos, iniciativa do Instituto Tomie Ohtake em parceria da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo e patrocínio da Estácio, que busca reconhecer e fortalecer experiências pedagógicas que explorem as oportunidades educativas do território onde a escola está inserida, integrando os saberes escolares e comunitários.

Este ano, o programa recebeu 67 inscrições oriundas de todas as Diretorias Regionais de Ensino de São Paulo e de diversos tipos de unidades escolares.

Confira os outros projetos vencedores.

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