publicado dia 20 de outubro de 2017
Campanha “Repense o elogio” questiona tratamento diferenciado por gênero
Reportagem: Nana Soares
publicado dia 20 de outubro de 2017
Reportagem: Nana Soares
Enquanto meninos são elogiados como espertos, fortes e corajosos, as meninas são valorizadas por seus atributos físicos (linda, bonita) e por serem fofas e delicadas. Essa percepção inspirou o documentário “Repense o elogio”, produzido pela Avon em parceria com a ONU Mulheres, e que capitaneia uma campanha de mesmo nome. O objetivo é mostrar como o tratamento diferenciado para meninos e meninas impacta na autoestima dos jovens e perpetua estereótipos de gênero.
Lançado nesta terça-feira em São Paulo, com sessão seguida de debate, o documentário percorreu o Brasil para conversar com famílias, crianças e adolescentes sobre o que é um elogio e como eles os afetam e pressionam os jovens a corresponder expectativas. As meninas, em geral, questionam o rótulo de “bonita”, desejando ser mais do que isso: inteligente, corajosa, determinada.
A narrativa expressa por elas e reforçada pelo documentário é de que não há problema em ser bonita/princesa, mas sim em reduzir uma identidade a isso, especialmente a características físicas que não remetem a nenhuma ação. Por isso, a urgência de mudar a forma de se referir a elas.
Já os meninos expressaram seu incômodo por não poderem demonstrar sentimentos e serem cobrados para ser fortes. Em comum, meninos e meninas têm o desejo de liberdade, de poderem ser eles mesmos, independemente dos padrões reproduzidos desde cedo.
O filme “Repense o Elogio” está disponível no site da iniciativa e os interessados podem acessá-lo depois de realizar um cadastro. Em breve, será disponibilizado também na plataforma Videocamp.
“Inconscientemente, a maioria dos adultos elogia meninos e meninas de forma diferente e, apesar de parecer inofensivo, os elogios têm um poder enorme de estabelecer normas e condicionar quem os está recebendo. Se por um lado os elogios nos motivam, por outro eles também nos limitam”, explica Gabriela Tebet, pedagoga e pesquisadora da Unicamp sobre temas relacionados à infância.
Nadine Gasman, representante da ONU Mulheres no Brasil, pontuou a complexidade da reprodução dos padrões de gênero: “A sociedade reforça e perpetua a cultura de desigualdade de gênero também por meio da linguagem e da educação”, defendeu ela, acreditando que essas construções tradicionais já estão se transformando e perdendo espaço. “Mas ainda precisam se transformar mais. Precisamos criar condições para que nenhuma menina, seja ela branca, negra, lésbica, indígena ou o que for fique para trás. Uma das maneiras é repensar o elogio.”
Por isso a campanha #RepenseOElogio, foca no poder das palavras na formação de crianças e adolescentes. “Há um desequilíbrio nos elogios, mas esse desequilíbrio é um sintoma de uma cultura de desigualdade”, enfatizou Estela Renner, diretora do documentário.
Ser menina no Brasil
Antes das filmagens, a Avon realizou uma pesquisa com mais de mil participantes para averiguar se era verdadeira a percepção de que os elogios são diferenciados por gênero. A resposta confirmou que os tratamentos são diferentes, já que quase 80% das palavras utilizadas pelos adultos para elogiar as meninas eram relacionados a aparência, especialmente “bonita”, “princesa” e “linda” e 70% dos elogios aos meninos referiam-se às suas habilidades.
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Infelizmente, esta não é a única pesquisa a apontar que o machismo e os estereótipos de gênero afetam as meninas desde cedo. O levantamento “Por ser menina no Brasil”, da Plan Internacional, já havia aferido em 2013 que uma significativa maioria das meninas entre 6 e 14 anos realiza afazeres domésticos enquanto seus irmãos são poupados. Enquanto 81,4% das meninas arrumam sua própria cama, só 11,6% de seus irmãos homens fazem o mesmo. Quando o assunto é lavar louça, os números são, respectivamente, 76,8% diante de 12,5%.
A pesquisa “Menina Pode Tudo”, iniciativa do Enois Inteligência Jovem com o Instituto Vladimir Herzog, entrevistou apenas jovens das classes C, D e E e os resultados também foram alarmantes: 82% das jovens de 14 a 24 anos já declararam ter sofrido preconceito por ser mulher e 74% sentiu esse preconceito dentro de casa. Para completar, 77% das entrevistadas acreditam que o machismo influenciou seu desenvolvimento.
Elas são lindas
O desafio proposto pela campanha #RepenseOElogio é mostrar às meninas que elas são (e podem ser) mais do que lindas, mas para muitas delas esse é também um lugar importante de se ocupar. A rapper MC Soffia, uma das personagens do documentário e debatedora na sessão de lançamento, lembrou a importância disso para as meninas negras. “Nós estamos começando a ser elogiadas só agora. Eu quero ser uma princesa, mas uma princesa que anda de skate, joga basquete, faz outras coisas também.”
A fala de Mc Soffia também encontrou eco na atriz Taís Araújo, uma das Defensoras dos Direitos das Mulheres Negras no Brasil, nomeada pela ONU Mulheres. “Para nós, ser bonita é muito importante, tem a ver com uma questão de pertencimento. É algo que foi negado às nossas avós.”
Mãe de um menino e uma menina, ela garante que tenta aplicar o mote em seu dia a dia com os filhos, preparando-os para serem o que quiserem. “Mas também quero que meus filhos, caso queiram ser pessoas que estão dentro de um padrão, saibam acolher quem é diferente.”
Confira o trailer do documentário “Repense o elogio”: