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publicado dia 6 de junho de 2017

Intervenções urbanas no Jardim Ângela buscam recuperar passagens da comunidade

Reportagem:

E se as passagens de uma cidade – escadas, ruas, calçadas e vielas – deixassem de ser apenas uma via, mas também se tornassem um local de encontro, convivência e resgate da identidade do bairro? É o que propõe o concurso “Passagens Jardim Ângela”, promovido pelo Instituto Cidade em Movimento (IVM) e que começou esta semana em São Paulo.

O concurso, integrante do Programa Passagens, que já aconteceu em cidades como Xangai e Paris, quer promover atividades que recuperem o sentido social e a caminhabilidade das passagens, construindo uma cidade mais democrática. A edição brasileira teve 55 projetos inscritos e vai revitalizar três passagens da região do Jardim Ângela, extremo sul de São Paulo, melhorando a mobilidade local e facilitando a integração com o transporte público da região. As passagens escolhidas por aqui são Bambuzal, Menininha e Fundão, com características bem heterogêneas entre si. Em comum, o obstáculo que representam aos moradores.

Uma das passagens do Bambuzal visitadas pelos participantes
Uma das passagens do Bambuzal visitadas pelos participantes

Os 6 grupos finalistas, formados por estudantes e profissionais de diversas áreas,realizaram uma visita à região na segunda-feira, 5 de junho, e apresentaram seus projetos nesta terça. As ideias vão desde a construção de mirantes à instalação de permaculturas. Os tutores são especialistas de todo o mundo, que apresentaram recomendações aos finalistas e compartilharam práticas similares em suas regiões.

A arquiteta Natalia Castaño participou da revitalização de Medellín, na Colômbia, que fez com que a cidade passasse da mais violenta para a mais inovadora do mundo. A requalificação dos espaços da  cidade não só trouxe equipamentos culturais, de lazer e transporte público para os bairros periféricos como os conectou às outras regiões da cidade. “Assim como o Brasil e os países da América Latina em geral, a Colômbia é um país extremamente desigual. Qualquer intervenção neste território tem que buscar melhorar a qualidade de vida das populações mais vulneráveis”, disse ela, hoje pesquisadora do Centro de Estudos Urbanos e Ambientais da Universidade EAFIT.

Uma característica compartilhada com São Paulo são os bairros construídos quase verticalmente, dada a topografia das periferias. Medellin, localizada entre montanhas da Cordilheira dos Andes, apresentava  o mesmo desafio. “A ocupação europeia veio pensada para cidades planas. Foi só a partir dos anos 50 e 60, com a intensa urbanização, que as montanhas começaram a ser ocupadas intensamente”, explicou Natalia. E essa ocupação intensificou a segregação dos moradores dessa região.

Mas no início da década de 2000, Medellin começa a se transformar e vários setores da sociedade, impulsionados pelo poder público, começam a repensar o projeto de cidade, num processo que se intensificou entre 2004 e 2007 e continua até hoje. “Houve uma preocupação de congregar os diversos atores públicos, as secretarias e a sociedade. As intervenções de ordens físicas, sociais e culturais tiveram a mesma importância”, narra a arquiteta e pesquisadora.

“A instalação do teleférico foi um símbolo dessa revitalização, não tendo sido o único foco de intervenção, mas um provocador. Ele permitiu conectar bairros populosos com o resto da cidade”, avalia ela.  Na transformação de Medellín, o transporte público teve papel central como agente de transformação física e social.

O resultado foi a diminuição da violência que, segundo Natalia, não se deu apenas pelas revitalizações, mas também uma ressignificação dos bairros para seus moradores. “Tão importante quanto fazer uma leitura dos territórios é entender que eles serão auto-construídos e vão gerar lideranças e participação das pessoas que têm interesse em melhorar onde vivem”, alerta.

“Quem viveu os anos mais duros de Medellín tinha medo de ficar na rua, mas a cidade foi devolvida às pessoas e esse é o maior símbolo da mudança. Há muitos processos nos bairros  periféricos que nós, profissionais externos, devemos escutar.”

Pioneirismo catalão

Em Barcelona, berço do I Congresso de Cidades Educadoras (1990), não faltam iniciativas de requalificação de espaços para a construção de uma cidade mais democrática e participativa. O arquiteto e urbanista Carles Llop, vencedor do Prêmio Nacional de Planejamento do Ministério da Habitação da Espanha em 2010 , enfatizou que “a cidade é um sistema espacial de intercâmbio de serviços e de fluxos” e que é necessário parar de dividi-la entre centro e periferia. “Por isso me interessa muito a ideia de passagem, não existe passagem sem ação de transitar.”

Mas revitalizar o Jardim Ângela não pode ser uma cópia das ações implementadas em Barcelona. Como explicou o urbanista, muitos dos recursos utilizados na Europa pressupõem espaços largos de circulação e convivência, o que é totalmente diferente da geografia da favela, que tem espaços menores e mais complexos. “Quando trabalhamos o Jardim Nakamura não é para pensar apenas como um bairro de periferia, mas sim como um bairro de montanha, com suas próprias condições de urbanidade e suas características próprias de vento, água vegetação”, afirmou.

Nesse sentido, é importante que as passagens superem não só as barreiras infraestruturais e físicas, mas também psicológicas e culturais. “Uma passagem é para ir e vir, para encontrar, para se sentir seguro”, analisou Llop. Em Barcelona, por exemplo, foram derrubados muros e construídas praças em territórios antes inacessíveis ao pedestre.

“Se para pegar um mísero ônibus era necessário virar um atleta, aquele espaço não era de trânsito, não era social.” Das iniciativas apresentadas pelo urbanista, nem todas já estão concretizadas, mas todos os projetos incluem a valorização das realidades locais – passagens que preveem a circulação de animais junto às pessoas em locais menos urbanizadas ou paredes grafitadas por artistas locais são alguns dos casos.

“Abrir uma passagem é autorizar uma permanência de parada”, disse o arquiteto e urbanista francês Pascal Amphoux. Aos finalistas do Concurso “Passagens Jardim Ângela”, Amphoux, que é professor na École Nationale Supérieure d’Archuteture de Nantes, recomendou atenção aos “motivos, fatos e figuras” das passagens escolhidas. Isto é: pensar em quem vai realmente usar aquela passagem, que atores vão interagir nela e como, e o porquê de sua existência, além de pensar nas iniciativas já existentes no local. “A passagem é uma forma específica de transição, uma outra forma urbana caracterizada pela presença do pedestre. Sem ele, a passagem não existe.”

Concurso “Passagens Jardim Ângela”

O encontro “Passagens: o desafio de unir as pessoas à cidade” foi apenas a primeira parte do workshop internacional do concurso “Passagens Jardim Ângela”. As seis equipes finalistas passarão a semana desenvolvendo seus projetos, como o anúncio do vencedor no sábado, dia 10 de junho.

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