publicado dia 13 de abril de 2017
Democracia: a grande inovação
Reportagem: Helena Singer
publicado dia 13 de abril de 2017
Reportagem: Helena Singer
Por Helena Singer
Na virada deste mês aconteceu na cidade de Hadera, em Israel, a 25ª Conferência Internacional de Educação Democrática (IDEC) e a 1ª Conferência Hadera pela Educação Inovadora. Altamente sugestiva esta simultaneidade. Ao que parece, passados 25 anos, finalmente a educação democrática é reconhecida por seu caráter inovador e valorizada em um contexto mundial no qual se sobressai a urgência de transformar o campo da educação.
Helena Singer foi a única brasileira presente nas 25ª Conferência Internacional de Educação Democrática (IDEC) e 1ª Conferência Hadera pela Educação Inovadora, realizadas em Israel. Esse é o primeiro de dois artigos que o Portal Aprendiz publicará com a cobertura completa realizada pela socióloga. Não perca o próximo!
Mais de 700 pessoas vindas de trinta países espalhados por todo o mundo participaram dos eventos. A diversidade não era só de nacionalidades e etnias, mas também de atuação no campo da educação: escolas públicas e privadas (em suas múltiplas possibilidades, já que em alguns países público equivale a estatal, em outros, privado equivale a livre, nem sempre coincidem quais são pagas, quais são gratuitas), universidades democráticas, comunidades autossustentáveis com projetos educativos, instituições de acolhimento a crianças e jovens refugiados, centros de pesquisa, centros de formação de educadores, pais e muitos estudantes.
A maior qualidade dos debates e oficinas foi garantida justamente pela diversidade dos participantes, com grande destaque para os estudantes.
O evento se espalhou por escolas e o parque municipal, mas se desenvolveu em grande parte em Givat Haviva, organização voltada para a integração de árabes e judeus. As IDEC acontecem a cada ano em um continente diferente e são de inteira responsabilidade das organizações do lugar. No caso desta de Israel, os responsáveis foram a Cidade Educação, que promove colaboração e rede em salas de aula, escolas, cidades e países, e o Instituto de Educação Democrática, cuja visão se expressa em “pratique o que você reza”.
Já na abertura, Yaacov Hecht, que fundou ambas as organizações, anunciou: “o grande problema das nossas democracias é que elas foram construídas sobre um sistema educacional copiado ou adaptado dos regimes autoritários. As nações democráticas não se propuseram a construir um sistema educacional que formasse seus cidadãos para a democracia. Agora se reconhece a necessidade de fazer isso.”
E, depois, continuou: “Mas, o problema é que se imagina que as mudanças necessárias no sistema devem vir dos ministérios da educação e isso jamais acontecerá. A mudança vem das pessoas, os poucos que sentem que podem fazer a mudança, fazem. É o que os estudantes no movimento brasileiro de ocupação das escolas demonstraram.”
As Grandes Questões
Para construir este novo é preciso parar de fazer as mesmas velhas perguntas sobre “como melhorar o sistema educativo?” e buscar as grandes questões que ainda precisam ser formuladas.
A inspiração para construir a conferência em torno das grandes questões veio do físico indiano Sugata Mitra, professor da Universidade de Newcastle, na Inglaterra, que realizou vários workshops durante a conferência. Mitra é o criador dos SOLE, sigla em inglês para Ambientes de Aprendizagem Auto-organizados, nos quais crianças e adolescentes se organizam autonomamente para investigar de forma colaborativa as grandes questões da humanidade.
As nações democráticas não se propuseram a construir um sistema educacional que formasse seus cidadãos para a democracia.
Quando se pensa a educação das crianças, as perguntas referem-se a que pessoa se quer formar, o que significa que a resposta tem a ver com algo que vai acontecer em vinte anos. No entanto, não sabemos como será o mundo em duas décadas e por isso precisamos criar ambientes educativos que sejam significativos para as crianças no presente. Para Hecht, as previsões atuais de que no futuro próximo metade da população estará desempregada baseiam-se no pressuposto de que as escolas continuarão preparando as pessoas para o passado.
Mas se considerarmos que os grãos de areia da montanha que sustenta o sistema educacional estão se movendo, em breve o sistema irá ruir e as escolas serão reinventadas.
A primeira grande questão relaciona-se então a encontrar o ambiente mais favorável para que os estudantes inventem seu próprio futuro, ou seja, o ambiente mais propício ao pleno exercício da paixão pela aprendizagem e produção de conhecimentos.
Nesse sentido, Mitra defende que estamos a caminho de uma sociedade em que não haverá mais distinção entre saber e não saber, já que cada um de nós, conectados a algum dispositivo, teremos acesso imediato a todo o conhecimento do mundo. É aqui que nos deparamos com outra grande questão: o que a educação significará neste contexto?
Certamente uma mudança tão radical determina a necessidade de transformar a escola, de uma instituição que transmite informações, para uma que apoia os estudantes na busca por suas próprias respostas, na elaboração de conhecimentos novos. É por isso que Mitra dedica-se atualmente à questão curricular.
A seu ver, deveríamos superar definitivamente a tentativa de transmitir às novas gerações um suposto “conhecimento acumulado da humanidade” e construir um currículo que se oriente pela busca das grandes questões da humanidade que, em última instância, referem-se a formar pessoas saudáveis, felizes e produtivas. Tudo o que aprendemos ou investigamos na escola deveria ser orientado exclusivamente nesta direção, tirando do ambiente escolar tudo o que nos adoece, entristece ou desmobiliza.
Em uma escola orientada para as grandes questões, o professor deixa de ser alguém que fala a respeito de determinados assuntos, e passa a desempenhar o papel de ajudar o estudante a descobrir o que lhe faz bem, como se cuidar, qual é o seu modo próprio de criar. Ele o apoia no processo de formular suas próprias ideias e transmiti-las aos outros.
Um currículo que se oriente pela busca das grandes questões da humanidade
E, como reforça Hecht, o professor se torna um estimulador da rede de conhecimentos formada pelos estudantes.
Importante ressaltar que Mitra atribui o papel decisivo na transformação do nosso relacionamento com o conhecimento não a objetos tecnológicos, mas sim à internet, à rede mundial, que descreve como “uma ferramenta capaz de conectar seis bilhões de pessoas, ou seja, uma ferramenta capaz de nos fazer transcender e, finalmente, conquistar o Humanismo”, o sentido de pertencimento ao universo e a fraternidade com os outros seres, humanos e não humanos. Inovar para mudar a educação não se dissocia do objetivo de transformar o mundo.