publicado dia 6 de janeiro de 2017
No Memorial do Homem Kariri, crianças são protagonistas em resgate da cultura local
Reportagem: Redação
publicado dia 6 de janeiro de 2017
Reportagem: Redação
por Pedro Nogueira, da Plataforma Cidades Educadoras.
“Olá, meu nome é Alicia”, se apresenta a pequena guia. “E o meu é Yasmin”, responde sua colega. “Juntas vamos lhe acompanhar pelo percurso da Casa”. As duas meninas são recepcionistas e guias do Memorial do Homem Kariri, localizado na pequena cidade de Nova Olinda, na região do Cariri, no sul do Ceará.
Desde 1992, o museu funciona na sede da Fundação Casa Grande, que foi a primeira casa do município. Fundada no século 18, é considerada, após a restauração, a primeira peça do Memorial, voltado para a preservação da história e das culturas dos homens e da mulheres da região. Para isso, conta com um acervo repleto de objetos doados e escavados no território, como peças líticas (pedras talhadas e artefatos) e cerâmicas, além de lendas ilustradas pelas crianças e fotografias.
“A gestão do museu é toda organizada e guiada por crianças”, explica Felipe Alves, hoje com 18 anos, mas que frequenta o local desde que tinha um ano de idade. Segundo Alembergue Quindins, um dos fundadores do museu ao lado de Rosiane Limaverde, essa ideia dos meninos guias “começou por eles mesmos”. “Eles viam a gente recebendo e começaram a fazer isso também. Acho que é uma grande ferramenta para desenvolvimento de oratória, de organização, de autonomia e de auto-conhecimento”, analisa.
Pé no território
É o jovem Felipe Alves que nos conta um pouco da história do Museu. Segundo ele, a casa surge em 1717, em uma região habitada por indígenas da etnia Kariri. Servia como um ponto de parada para os boiaderos que vinham de Casa da Torre, na Bahia, atravessavam o rio São Francisco e adentravam na Chapada do Araripe. “Era um ponto de parada, com muitas ligações e estradas para outras cidades. Lá eles dormiam com o gado e seguiam para fazer o comércio”.
Com o passar dos anos, ela acabou se tornando apenas moradia de duas famílias – uma delas é a de Alembergue, que morou na casa até 1975, quando foi abandonada. Até sua restauração, no começo dos anos 90, ela ficou conhecida na região como um casarão mal-assombrado. A restauração, que manteve as características originais do local, abriga as pesquisas feitas na região, as pinturas rupestres, os materiais arqueológicos e até os mitológicos, trazendo as lendas e as composições do homem do Cariri.
Gestão infantil
O Memorial, inclusive, coordena escavações arqueológicas na região, por meio da metodologia da Arqueologia Social Inclusiva, envolvendo as crianças e a comunidade no processo. “Não é só um Museu onde a criança vê a peça. Ela desenvolve a peça, ela tem uma história de vida com o patrimônio e isso faz parte de sua formação. Quem vai desenvolver a explicação é a criança mesmo. A formação é um espaço de vivência, de aperfeiçoamento”, completa Alembergue.
“Acredita-se muito que as crianças podem ser gestoras e tomar conta dos espaços, como se fossem deles e com responsabilidade”, comprova na prática Felipe, que explica que o primeiro passo é conhecer seu território.
“Quando você sabe onde está inserido, a história da sua região, isso é uma passaporte. São crianças de 5 a 12 anos que explicam e guiam os turistas pelas casas. E eles aprendem muito com aulas de rádio, com expografia, com museologia. Aí ela passa a saber e criar sua própria explicação. Cada pessoa é atendida de uma forma diferente. É como se fosse um ciclo, sabe? Uma criança ensina para a outra”, afirma rememorando seus 17 anos de Casa.
Desenvolvimento local
O Memorial trabalha sempre em conjunto com sua mantenedora, a Fundação Casa Grande. Ambos já receberam mais de 500 meninos e meninas, que hoje realizam diversas funções na cidade e ajudam a construir a relação com a comunidade e com suas próprias identidades. Para receber os turistas, por exemplo, foram criadas Pousadas Domiciliares da Cooperativa de Pais e Amigos da Fundação Grande, que incentiva o turismo comunitário.
“O trabalho deu um sentido muito grande à cidade, que era um lugar de passagem à margem de uma estrada. Com um espaço cultural funcionando ativamente, ele passa a formar o intelecto das pessoas a partir de sua ancestralidade, do contato com os primeiros homens e mulheres daquele lugar, no ambiente onde eles se desenvolveram”, analisa.
Também são mantidos laboratórios de conteúdo e produção, visando uma formação interdisciplinar. Entre eles estão laboratórios de música, um cineclube, uma gibiteca e a biblioteca, com amplo acervo local e do mundo. A Fundação também mantém, e tem como locutores as crianças, o sistema de difusão de Rádio e TV do município, o Teatro Violeta Arraes – Engenho de Artes Cênicas e a Escola de Comunicação Meninada do Sertão, criando um ambiente prolífico de difusão e produção cultural.
Ao trazer os saberes do território e da comunidade, a partir da preservação da memória e de suas narrativas, cria-se uma convivência da ocupação. “E se o território todo for essa sala de aula, esse espaço de saber e formação, cria-se um espaço – e esse espaço é a Fundação e o Museu, de horizontalidade, de vivência e de formação. Não é escolar, não é fechado, e sempre trazemos habitantes da região para trocar suas histórias”, relata.
“Trabalhamos com esse pensamento de que a qualquer momento, na rua, no campo ou na praça você está aprendendo com alguém que você conhece na comunidade. Todo cidadão é apto a ser um professor e um aluno ao mesmo tempo”, finaliza.
Saiba mais acessando a página do Memorial do Homem Kariri e o site da Fundação Casa Grande. Para entrar em contato, envie um e-mail para [email protected] ou ligue para (88) 3521-8133.