publicado dia 22 de julho de 2016
Em Belém do Pará, mobilização comunitária quer a permanência de museu na Casa das Onze Janelas
Reportagem: Danilo Mekari
publicado dia 22 de julho de 2016
Reportagem: Danilo Mekari
Na beira do rio Guamá, no município de Belém do Pará, há um museu de arte contemporânea. Atualmente, esse equipamento público está aberto aos visitantes graças à mobilização comunitária e cidadã que pede a revogação do decreto nº 1568, do último dia 17/6, no qual o governo do Estado autoriza a criação de um polo gastronômico da Amazônia na edificação histórica onde, desde 2001, funciona o Museu Casa das Onze Janelas.
Situada no recinto histórico de Belém, que compreende os bairros da Cidade Velha e Campina e possui inúmeros patrimônios materiais e imateriais da cidade, como a feira Ver-o-Peso, o Forte do Presépio, o Museu de Arte Sacra, a Catedral da Sé e a Praça do Carmo, a Casa das Onze Janelas foi construída no século 18 por um senhor de engenho e, desde então, já abrigou um hospital e uma base militar.
No início do milênio, o espaço foi adquirido pela Secretaria de Estado da Cultura para fazer parte do Projeto Feliz Lusitânia, que pretendia requalificar o patrimônio histórico do núcleo de fundação da cidade. Em quinze anos de existência, o Museu Casa das Onze Janelas tornou-se referência para a arte brasileira contemporânea feita e exposta no norte do país. Artistas importantes como Luiz Braga, Alex Flemming, Rosângela Rennó, Miguel Rio Branco, Miguel Chikaoka, Cildo Meirelles e Adrianas Varejão possuem obras no local.
Porém, desde que a capital paraense recebeu o título de cidade membro da Rede de Cidades Criativas da Unesco, com destaque para a gastronomia, em 2015, ganhou impulso um projeto que tira do espaço sua função voltada para a experimentação artística e transforma-o no Centro Global de Gastronomia e Biodiversidade da Amazônia, projeto que inclui também a criação do Polo de Gastronomia da Amazônia, tocado pelo Instituto Atá.
Conheça o Museu da Casa das Onze Janelas a partir de um tour virtual pelo espaço.
Reação
Após a divulgação do decreto, um movimento realizado por artistas, estudantes, professores e agentes culturais está realizando ocupações culturais no Museu e pede a revogação imediata da medida. Argumentam que, além da falta de transparência no que se refere à implementação do projeto, o governador Simão Jatene se recusa a dialogar com representantes do Movimento A Casa das Onze Janelas é Nossa, inclusive denominando-os como “meia dúzia” de artistas.
Para o artista visual Alexandre Sequeira, professor da Universidade Federal do Pará (UFPA) que possui obras no acervo do Museu, a mobilização foi criada para “se colocar à frente” de um processo que consideram extremamente negativo no que se refere à gestão daquilo que é público. “A decisão foi tomada pelo governo sem a menor conversa e interlocução com o meio artístico. Este Museu firmou por 14 anos sua imagem intimamente relacionada com o prédio que o abriga, de valor histórico”, aponta Sequeira. “A sua localização é privilegiada e tornou possível estabelecer relações próprias com o entorno, o rio, o horizonte – a área externa tem obras instaladas, feitas para permanecerem ali, em diálogo com o que há dentro do espaço.”
Até agora, o movimento já organizou seis ocupações artísticas no Museu, que agora abriga diversas ações, atividades, aulas públicas e oficinas ligadas à permanência do espaço em seu local de origem. Além disso, a mobilização se esforça para convocar uma audiência pública sobre o tema para o mês de agosto.
“É um momento em que o governo será obrigado a se manifestar publicamente e explicar que projeto é esse. Para além de desativar um museu que já tem história e uma atuação importante na região, outro ponto negativo é não ter a menor ideia do que virá com o novo projeto”, observa Mariano Klautau, fotógrafo e professor da Universidade da Amazônia (UNAMA).
“A partir do momento em que o poder público cria um museu, ele não pertence mais ao Estado, e sim ao público, e não pode ser extraído segundo o interesse particular de uma gestão. O Museu é da comunidade e ocupa um lugar estratégico da produção artística contemporânea não apenas do Pará”, defende o fotógrafo. “Quem deve procurar um novo lugar é o Polo, e não o Museu.”
Órgãos relevantes, como a sede paraense do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN-PA) e a Comissão Nacional de Incentivo à Cultura, do Ministério da Cultura, já se posicionaram a favor do movimento que pede a permanência do Museu na Casa das Onze Janelas.
A artista Val Sampaio também é contra a mudança do Museu para espaço ainda desconhecido. “No meu entendimento, no momento em que o Museu sair do lugar onde foi pensado, é como decretar sua morte, perder sua identidade.”
Para ela, basta analisar rapidamente o discurso do decreto para perceber que o projeto traz à tona uma ideia de gentrificação e homogeneização da cultura paraense, conhecida por ser rica, diversa e heterogênea.
“No momento em que se retira a arte dali, você não tem noção do que representa esse prédio para a cidade. Passar por cima dessa história é uma falta de respeito muito grande com um lugar constituído e uma atitude de poder arrogante que atropela um território cultural já constituído”, conclui Val.
A reportagem tentou contato com representantes da Secretaria de Cultura do Estado do Pará (SECULT-PA) e do Instituto Atá, mas não obteve respostas.