publicado dia 29 de junho de 2016
Em greve, arte-educadores das Fábricas de Cultura pedem mudanças na gestão do equipamento
Reportagem: Danilo Mekari
publicado dia 29 de junho de 2016
Reportagem: Danilo Mekari
Deflagrado na última quinta-feira (23/6), o movimento grevista de arte-educadores das Fábricas de Cultura já atinge cinco destes equipamentos públicos. Instaladas nas periferias da capital paulista, em regiões como Capão Redondo, Jardim São Luís, Jaçanã, Brasilândia e Vila Nova Cachoeirinha, todas as Fábricas paralisadas têm a administração cedida pelo Estado à organização social Poiesis.
Com a iminência da renovação do contrato entre o poder público e a organização social por mais quatro anos, a partir do dia 1º de julho de 2016, inúmeras incertezas tomaram os corredores das Fábricas geridas pela Poiesis. “A greve se fez necessária pela ausência de transparência da instituição para com os educadores, educadoras e comunidade”, afirma o comunicado oficial da mobilização, que está acontecendo sem o intermédio de sindicatos.
Segundo arte-educadores ouvidos pelo Portal Aprendiz, desde o início do ano os funcionários estão à procura da gestão para maiores esclarecimentos a respeito de suas futuras condições de trabalho. Temas delicados como corte de verbas, demissão de funcionários, redução das horas de planejamento e da duração de atividades reforçam as dúvidas de arte-educadores, sempre pouco esclarecidas pela direção.
Para que as Fábricas de Cultura ofereçam gratuitamente atividades e cursos de iniciação artística e programação cultural – além da manutenção do espaço, que contém biblioteca, arena e estúdios de gravação e multimeios, entre outros –, o Estado repassa anualmente R$16 milhões para a Poiesis.
Desde junho de 2015, 27 funcionários foram demitidos das Fábricas geridas pela Poiesis. A partir de maio, os funcionários passaram a especular que, em um corpo de 100 arte-educadores, 25 seriam mandados embora – cinco em cada unidade. Com a situação se agravando e os próprios aprendizes das Fábricas se mobilizando contra a gestão da organização social, os educadores optaram pela paralisação por tempo indeterminado.
Após o anúncio da greve, realizado na segunda-feira (20/6), a Poiesis demitiu 15 educadores por telegrama, sendo sete da Fábrica de Cultura do Capão Redondo. A primeira demissão atingiu a arte-educadora de dança contemporânea, Ana Sharp, que dá aulas na unidade do Jardim São Luís desde 2012. “É uma demissão ilegal, pois já havíamos anunciado a greve. Isso serve para mostrar que está havendo perseguição, já que pessoas demitidas são ligadas ao movimento grevista e tinham um trabalho reconhecido e elogiado tanto nas Fábricas quanto nas comunidades, sempre com turmas cheias”, avalia.
O movimento exige equiparação salarial, reintegração dos funcionários demitidos e retratação pública da Poiesis perante os aprendizes e as comunidades atendidas. Também defende que não haja corte no oferecimento de ateliês, nem mesmo em sua carga horária (de três horas para duas horas e meia, como quer a Poiesis).
Além das Fábricas de Cultura, a Poiesis administra quinze Oficinas Culturais do governo estadual e os espaços culturais Casa das Rosas e Museu Casa Guilherme de Almeida. A organização social tem como diretor executivo o fundador do PSDB e ex-ministro da Casa Civil do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), Clóvis de Barros Carvalho.
O arte-educador de música Evandro Santos* acredita que a leva de demissões está mais ligada a um desejo de mudar o perfil dos educadores do que a um corte de despesas. Desde a concepção das Fábricas, os arte-educadores ministravam oficinas duas vezes por semana, restando tempo razoável para realizarem seus trabalhos artísticos em paralelo. “Oferecer novos postos de trabalho aos educadores, de segunda a sexta-feira, mudará completamente a dinâmica da Fábrica. Sai o artista, entra o professor, oferecendo uma formação muito mais tecnicista do que é o processo de emancipação através da linguagem artística”, denuncia. “Isso é uma mudança drástica e tem a ver com o projeto de contenção social que é a Fábrica de Cultura.”
Negociação
A última reunião de negociação entre os arte-educadores e a organização social ocorreu na tarde desta segunda-feira (27/6) e nenhuma reivindicação dos grevistas foi atendida. De acordo com ela, a adesão à greve está alta – cerca de 80 em um total de 100 arte-educadores –, e esse número tende a aumentar com a legalidade do movimento. “No começo, as pessoas estavam com medo, pois a Poiesis age com represália. Mas como continuar trabalhando em um projeto em que a direção não dialoga com os trabalhadores?”, questiona.
Janaína Araújo*, arte-educadora de circo, ressaltou que a mobilização deve se focar também nas críticas à gestão da cultura pelo governo estadual. “Infelizmente, o sucateamento das Fábricas de Cultura era esperado. Os primeiros quatro anos são de investimento em estrutura e aparelhos para que o projeto possa ser reconhecido pela comunidade. Isso acontecendo, a fábrica faz o seu nome, se torna um espaço de excelência e então os gestores começam a sucatear para gerar lucro – o investimento vai diminuindo e a qualidade vai caindo. Este é o ciclo básico da política cultural no Brasil.”
Acompanhe as informações dos Arte-Educadores em Greve e das ocupações das Fábricas de Cultura: Militantes da Brasa (Brasilândia), A Fábrica É NOSSA (Vila Nova Cachoeirinha), Fabrica de Cultura em Alerta (Jd. São Luis) e Aprendizes de Olho (Capão Redondo).
O movimento grevista está organizando piquetes, cortejos e atividades nas Fábricas e em suas imediações, e também em frente à sede da organização social, no centro de São Paulo. Para Rodrigo Batista, arte-educador de teatro no Capão Redondo, é preciso privilegiar as ações nas comunidades, pois são elas que sofrerão o maior impacto do sucateamento do espaço. “Estou há três anos aqui e dá pra perceber que a própria comunidade nunca se sentiu à vontade para frequentar um prédio gigante, branco e meio asséptico que é a Fábrica de Cultura. Após a ocupação, tem muita gente indo para conhecer o local e entender como aquilo funciona.”
O Portal Aprendiz procurou representantes da Poiesis para comentar o assunto, mas até o fechamento da reportagem não haviam retornado os pedidos de entrevista. Já a Secretaria de Estado da Cultura afirmou que “os ajustes administrativos adotados a fim de garantir a gestão responsável dos recursos existentes não trouxeram nenhum prejuízo aos aprendizes e frequentadores dos equipamentos”.
O órgão ainda pontuou que “a reestruturação no quadro de funcionários é uma adequação administrativa da Poiesis e não afeta nem a qualidade nem a quantidade de atividades oferecidas ao público. A Secretaria da Cultura acompanha junto à Poiesis a situação [da greve], orientando-a para a manutenção do diálogo.”
*Nome fictício. Por receio de represálias, o arte-educador preferiu não se identificar.