publicado dia 2 de maio de 2016
Comunidades promovem a participação social e fortalecem democracia no território
Reportagem: Danilo Mekari
publicado dia 2 de maio de 2016
Reportagem: Danilo Mekari
Na última sexta-feira, dia 29 de abril de 2016, o Centro Educacional Unificado Professora Arlete Persoli (CEU Heliópolis) completou um ano de existência. Fruto de uma intensa mobilização comunitária – que perpassa décadas de lutas por melhorias na região – , a chegada do equipamento público que conjuga educação, cultura e lazer serve de exemplo sobre como reivindicações coletivas podem se transformar em políticas públicas permanentes.
O CEU Heliópolis acumula toda a experiência de participação social da comunidade na qual está inserido. A conquista de centros de convivência, moradia popular, asfaltamento, rádio comunitária e eliminação de moradias em áreas de risco para o bairro, que recentemente ganhou também uma rede de iluminação em LED, são resultados de uma contínua mobilização de moradores e movimentos sociais da região desde a década de 1970.
“Como ele nasce dessa luta histórica, sempre será papel do CEU fortalecer tal movimento, qualificando suas reivindicações e fazendo ponte para que esse território esteja em diálogo permanente com a cidade, as instituições e os movimentos culturais”, aponta a gestora do espaço, Marília de Sanctis.
Na publicação “Territórios Educativos – Experiências em diálogo com o Bairro Escola”, a socióloga Helena Singer afirma que, para se constituir como educativo, um território deve se caracterizar pela apropriação comunitária daquilo que é público – inclusive os espaços de gestão.
Caso singular entre os mais de 40 CEUs de São Paulo, o CEU Heliópolis elege seus coordenadores através de indicação da comunidade. A eleição do atual conselho gestor teve a participação de 1.500 pessoas. “É um diferencial marcante. Quem coordena os processos aqui possui vínculo e engajamento com história dentro do movimento social”, observa Marília. “A qualidade dos equipamentos públicos, aliás, está diretamente ligada à democratização de sua construção.”
Diálogo intergeracional
Dentre os desafios encontrados por quem atua no dia a dia dessas instâncias de participação comunitária está o diálogo intergeracional. Garantir que as novas gerações e as mais antigas trabalhem juntas em prol do território exige que realidades apartadas pelo tempo entrem em contato e refaçam os caminhos do diálogo. A gestora do CEU Heliópolis relata que atualmente há muitos projetos com foco no envolvimento do público jovem nos debates sobre os rumos da comunidade.
“Trabalhar a formação política e cidadã desde que a criança está posta em um espaço público é uma prioridade nossa”, defende Marília, lembrando as parcerias entre o CEU e Centros de Educação Infantil e Centros da Criança e do Adolescente. Uma das apostas está no resgate da memória e na valorização da história de luta de lideranças históricas do bairro. “É uma forma de detentores dos saberes locais continuarem contribuindo diariamente para o desenvolvimento de Heliópolis.”
Marília define a participação social existente em Heliópolis como “o brilho do lugar” e ressalta que é necessário um esforço diário para que a mobilização comunitária se mantenha acesa. “Manter essa esperança e vontade de luta é condição vital para que nosso bairro se desenvolva. É um processo que não vai ter fim, pois sempre queremos mais – em uma luta por direitos, quanto mais a gente se desenvolve e se apropria das instituições e gestões públicas, mais profundidade teremos no fazer cotidiano e, por fim, no exercício da democracia.”
Em Rosário, cidade argentina que abrigará o 14º Congresso Internacional das Cidades Educadoras, no próximo mês de junho, novas formas de governança também estão sendo implementadas, como o Conselho das Crianças, que incluiu a voz das crianças nas decisões políticas da cidade.
Crianças: cidadãos de hoje
Ao longo dos anos, a forma como crianças e adolescentes poderiam contribuir para a gestão da esfera pública foi aperfeiçoada na cidade paulista de Santo André, reconhecida como Cidade Educadora. No começo dos anos 2000, essa faixa etária da população foi incluída nas discussões sobre o Plano Plurianual do município, que traça metas de planejamento a médio prazo. De acordo com o assistente de direção do Núcleo de Gestão Democrática da Educação, órgão da Secretaria Municipal de Educação, João Wagner Sussai, as crianças reivindicavam melhorias e investimentos não somente para sua escola, mas também para o bairro e a cidade.
Já em 2014, as crianças escolhidas para representar 51 Escolas Municipal de Ensino Infantil e Ensino Fundamental (EMEIEFs) e 32 creches puderam opinar em discussões sobre o Orçamento Participativo andreense. “Desse debate surgiram 15 propostas em diversas áreas da administração pública, mostrando um grau de maturidade muito grande”, observa Sussai.
A partir de então, estabeleceu-se o Conselho Mirim de Santo André, órgão público composto por 1.428 representantes do ensino público andreense. Além de reuniões mensais onde discutem demandas para a cidade e para o cotidiano escolar, os conselheiros mirins têm a oportunidade de conhecer presencialmente órgãos públicos, como o gabinete do prefeito, a Câmara Municipal e o conselho tutelar.
“Eu sempre quis ser veterinária. Agora eu até penso em trabalhar na prefeitura, melhorando a cidade”, declara a estudante Izabela Falea, de nove anos. Estudante do quarto ano da EMEIEF Júlio Nunes Nogueira, ela é uma das representantes da escola no Conselho Mirim e afirma que, até agora, todas as suas reivindicações foram realizadas. “Sugeri que a escola fechasse o telhado, que tinha um monte de ninhos de pombo. E também pedi que as janelas, antes travadas, pudessem ser abertas.”
E os conselhos para a cidade? “Sempre que vejo uma favela tenho vontade de fazer alguma coisa para mudar aquele lugar, mas ainda não consegui.” Ela acredita que sua visão sobre o espaço urbano está muito mais “aberta” após participar do Conselho Mirim. “As crianças estão nos ajudando a administrar a cidade”, argumenta Sussai. “Deixamos de pensar que a criança será um cidadão de direito no futuro – ela já o é agora. Por isso, precisa viver as conquistas e também os problemas da cidade.”
São Paulo hackeada
Em 2011, o Brasil foi um dos oitos países a participar do lançamento da Parceria para Governo Aberto, conhecida como OGP (Open Government Partnership, na sigla em inglês). Desde então, a iniciativa internacional se espalhou pelo mundo – já são 69 países signatários – difundindo práticas governamentais que incentivam a transparência, o acesso à informação pública e a participação social.
É justamente neste tripé de ações que se baseia o programa São Paulo Aberta (SPA), que desde 2013 vem incorporando a agenda de governo aberto no plano municipal. “Isso significa começar a consolidar políticas públicas elaboradas a partir de um novo princípio. Que todo o seu ciclo – elaboração, implementação e avaliação – seja baseado em transparência, participação social, inovação tecnológica e integridade”, relata Gustavo Vidigal, secretário adjunto de Relações Internacionais e Federativas e coordenador do SPA.
A partir da noção de que o caminho para a transparência e o usufruto de dados e informações é uma via de duas mãos – e que o governo deve incentivar a sociedade civil a se apropriar de instrumentos de avaliação da gestão pública –, o SPA elaborou uma estratégia que envolve formação, pesquisa e extensão universitária. Para isso, estabeleceu parcerias com a Universidade de São Paulo, Unicamp, Universidade Federal do ABC e Fundação Getúlio Vargas, que criaram disciplinas que dialogam com o governo aberto.
Realizadas em espaços como CEUs, Centros Culturais, Pontos de Cultura e Subprefeituras, as oficinas abarcavam temas como “Construindo os saberes para uma cultura de participação política”, “Lambe-lambe da transparência”, “Cuidando do meu bairro” e “Cartografia Cultural”, entre muitas outras. Veja todas aqui.
Dentro do programa, o projeto Agentes de Governo Aberto realiza a capacitação de pessoas interessadas no tema. De acordo com a pasta, mais de cinco mil pessoas foram certificadas nas 600 oficinas formativas já realizadas. “Queremos que, a partir de uma sociedade civil organizada, os indivíduos saibam avaliar, fiscalizar e cobrar os governantes”, observa Vidigal.
A última edição disponibilizou para a população, entre março e abril de 2016, 47 oficinas referentes a temas diversos – sempre de acordo com o eixo do programa. A partir de uma chamada pública, o SPA recebeu mais de duzentas propostas de oficinas, nas quais os cidadãos tem “total protagonismo”, segundo o secretário adjunto.
“Distribuir poder significa construir uma cidade melhor”, considera Vidigal. “A sociedade civil precisa estar apta, entender e produzir conhecimento nessa área, acompanhando execução orçamentária, entendendo de que forma é gasto o recurso público. Forçar os gestores públicos a prestar contas do que estão fazendo é uma forma de estimular uma sociedade civil mais atenta e engajada.”
De acordo com dados da Controladoria Geral do Município, nos primeiros meses de 2016, houve aumento de 30% nos requerimentos de acesso à informação – principalmente na área da saúde, público que obteve prioridade na primeira etapa do SPA.
Para uma política de transparência e participação social ser considerada referência mundial – qualificação que a OGP concedeu ao SPA –, ela deve ser inovadora também na questão tecnológica. “São Paulo foi uma das primeiras cidades do mundo a ter política de participação digital”, orgulha-se Vidigal.
A cidade instaurou minutas participativas, que possibilitam consulta aos documentos legais da prefeitura, desde decretos do prefeito às políticas municipais, além de permitir que os cidadãos contribuam com o texto e opinem sobre ele. Até agora, mais de 100 mil pessoas já visualizaram essas minutas.
Na manhã desta terça-feira (3/5), no Centro Cultural São Paulo, a prefeitura lança seu primeiro aplicativo de Governo Aberto: a Agenda Colaborativa, que permitirá ao cidadão propor agendas para o poder público.
Mais do que incentivar outras cidades brasileiras e latino-americanas a consolidarem uma agenda de governo aberto, o secretário adjunto traça metas mais ousadas para o futuro do SPA. “Nosso maior desafio atual é institucionalizar essa política, transformando-a em política permanente de Estado.” Para tanto, a pasta está elaborando um projeto de lei com este teor, a ser encaminhado à Câmara Municipal da cidade.
“O engajamento cidadão é muito importante para transformar a realidade local. Historicamente, a cidade de São Paulo possui uma experiência de participação social significativa e tem muito a ensinar nessa área. Estamos apenas dando um passo além e mergulhando no ambiente digital”, finaliza o secretário adjunto.