publicado dia 22 de outubro de 2015
Em São Paulo, merenda orgânica conecta campo e cidade dentro das escolas
Reportagem: Danilo Mekari
publicado dia 22 de outubro de 2015
Reportagem: Danilo Mekari
No mês em que se comemora o Dia Mundial da Alimentação (16/10), o Departamento de Alimentação Escolar (DAE) da Prefeitura de São Paulo promoveu, nesta quarta-feira (21/10), um encontro aberto com agricultores familiares que fornecem alimentos para a rede de educação pública municipal.
O evento, nomeado Do Campo ao Prato, aconteceu na sede da Umapaz e contou com a presença de gestores, nutricionistas, cozinheiras e merendeiras que trabalham nas escolas da rede. A atividade partiu da premissa de que é no período da infância que os hábitos alimentares são formados e consolidados e levou em conta a realidade brasileira, na qual uma em cada três crianças de cinco a nove anos está acima do peso recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados em parceria com o Ministério da Saúde, revelam que, se em 1974, o excesso de peso atingia 9,7% das crianças, em 2015, esse número alcança 33,5%.
“Hoje, a produção do alimento está muito distante da criança. A proposta de compra da agricultura familiar está vinculada com a ideia de aproximar da escola os responsáveis por produzir o alimento consumido nela”, afirma Erika Fischer, diretora do DAE, citando o projeto de lei aprovado em março, que obriga a inclusão de pelo menos 30% de alimentos orgânicos – prioritariamente oriundos da agricultura familiar – no cardápio oferecido aos alunos da rede municipal.
Na semana passada, o prefeito Fernando Haddad afirmou durante aula magna que, em três anos de governo, a taxa de alimentos orgânicos utilizados nas escolas saltou de 6% para 25%. “Os alimentos orgânicos estão cada vez mais baratos e são uma alternativa saudável para o desenvolvimento de nossas crianças”, concluiu o gestor.
Responsável pela produção de aproximadamente 70% dos alimentos no Brasil, a agricultura familiar é definida pela Lei 11.326, de 2006. Entre outros pontos, é estabelecido que o terreno do agricultor familiar não pode ser maior do que quatro módulos fiscais (área que varia entre os municípios); que utilize mão de obra da própria família em seu empreendimento, assim como na direção.
Criado pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO/ONU), o Dia Mundial da Alimentação de 2015 teve como temática a “Proteção Social e Agricultura: quebrando o ciclo da pobreza rural”. O assunto foi muito debatido durante o evento na Umapaz, já que a oportunidade de agricultores familiares negociarem seus alimentos diretamente com a gestão de uma cidade do porte de São Paulo – sem atravessadores na mediação – tem gerado benefícios para além dos financeiros.
Produtor de laranja em Itápolis, a 360 quilômetros da capital, Toni é um dos fundadores da Cooperativa dos Agropecuaristas Solidários de Itápolis (COAGROSOL), que em quinze anos já reuniu cerca de 350 famílias locais para reorganizar a produção de uma zona rural “destruída” pela indústria da laranja.
“Começamos com suco de laranja e hoje já produzimos suco de goiaba, manga e tangerina. A venda direta para a prefeitura de São Paulo [mais de 3 milhões de sachês de suco por ano] agrega um grande valor para nós. A agricultura precisa ser vista pela cidade”, acredita Toni.
Sua irmã, Cezira, apontou que o projeto ajuda a combater um dos grandes problemas que ainda acometem o produtor rural: a falta de renda. “É complicado quando você não tem dinheiro para manter a sua família no campo. Isso agrava a migração para a cidade. Voltar a renda ao campo é estimular nossos filhos a continuarem lá, resgatando o valor do produtor”, observa. “Esse tipo de iniciativa dá fôlego para estarmos aqui hoje.”
Representando a Cooperativa dos Assentados e Pequenos Produtores (Coapri), que vende feijão carioca para as prefeituras de São Paulo, Guarulhos e São Bernardo, Aranha lembrou que foi preciso reorganizar a produção para negociar o volume de 30 mil quilos de feijão por mês. Vinculada ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a cooperativa está localizada dentro de um assentamento em Itapeva (a 289 quilômetros de São Paulo) onde há escola para os agricultores. “Da creche até o segundo grau. Não adianta mandar nosso povo para estudar na cidade. Queremos que ele se forme dentro do assentamento.”
Diversidade no prato
Presente ao evento, uma professora da EMEI Chácara Sonho Azul contou a triste história de quando apresentou uma manga para suas quatro turmas de crianças e apenas “quatro ou cinco” identificaram a fruta. “Eles já nem reconhecem os alimentos naturais, e muito menos a sua origem”, lamentou.
Em 2015, a Cooper Central Vale do Ribeira está atendendo exatas 980 escolas da capital paulista com 600 toneladas de banana nanica e 190 toneladas de banana prata. “A diferença de comercializar com a prefeitura é vender por um preço mais barato e distribuir o dinheiro entre os pequenos produtores”, aponta Rafael. A cooperativa atende ainda as prefeituras de Santo André, São Bernardo do Campo, Mauá, Guarulhos, Campinas, Embu das Artes e algumas da Baixada Santista.
“Hoje, o jovem que estava afastado do campo tem uma perspectiva. Estavam indo para as capitais arrumar emprego, e atualmente acontece o inverso: conseguem ganhar dinheiro dignamente na roça para sustentar bem suas famílias”, avalia Sérgio. Segundo os agricultores familiares, a análise laboratorial acerca do uso de agrotóxicos na produção da cooperativa beirou o zero. “Consumir o produto do agricultor familiar é comer o que há de melhor na propriedade.”
Entre os dias 22 e 25/10, acontece no Parque da Água Branca (zona oeste de SP) a 1ª Feira Nacional da Reforma Agrária, realizada pelo MST. Mais de 200 toneladas de alimentos a preços populares devem ser comercializados no evento, que contará com mais de 800 produtos das áreas de assentamentos. Haverá ainda shows, intervenções culturais e seminários.
Estimulando um olhar pedagógico sobre a alimentação, a prefeitura paulistana lançou em julho o programa Na Mesma Mesa, que pretende promover hábitos alimentares saudáveis nas escolas municipais a partir de uma interação mais próxima entre estudantes e docentes no momento da refeição.
“Quem está na cozinha também deve ser visto como um educador”, opina Erika. “É um modo de fazer o momento da alimentação ser também de formação.” A lei municipal também prevê a construção de hortas nas escolas públicas da capital. Hoje são mais de 300. “Vamos trabalhá-las como complemento para a cozinha. A partir desse momento, as crianças cuidam muito mais dos alimentos, inclusive desperdiçando menos.”
Um dos objetivos do evento era debater possíveis ações que aproximassem a comunidade escolar dos pequenos produtores rurais. Foram sugeridos espaços de formação com educadores e merendeiras para sensibilização sobre a temática, exposição dos produtos da agricultura familiar nas escolas e a realização de vídeos sobre a produção desses alimentos, ampliando a divulgação sobre a sua origem.