publicado dia 1 de agosto de 2015
CEUs completam 12 anos como referência de política para uma Cidade Educadora
Reportagem: Redação
publicado dia 1 de agosto de 2015
Reportagem: Redação
por Danilo Mekari e Raiana Ribeiro.
Neste sábado, dia 1º de agosto, a cidade de São Paulo celebra o aniversário de 12 anos dos Centros Educacionais Unificados (CEUs). Não apenas os moradores das periferias, mas também os paulistanos em geral têm motivos de sobra para comemorar a data. Naquela tarde de 2003, foi inaugurada a primeira unidade do projeto, lançado como política pública pela então prefeita Marta Suplicy (PT). O CEU Jambeiro, localizado em Guaianazes, na zona leste, tirou do papel uma proposta de transformação da educação e tornou realidade a criação de polos de desenvolvimento comunitário nas bordas de uma das metrópoles mais desiguais do país.
Gestado quando o secretário de educação de São Paulo era Paulo Freire, e floresciam discussões sobre o papel da arquitetura no processo de aprendizagem, foi apenas dez anos mais tarde, a partir das contribuições do arquiteto e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU-USP), Alexandre Delijaicov, sob a coordenação de Maria Aparecida Perez, que os CEUs passaram a dialogar com a ideia de Cidade Educadora e foram reconhecidos como centros de estruturação urbana, capazes de induzir políticas de transformação nos territórios.
Dividido em duas fases, uma que vai de 2003 a 2004, e representa a entrega dos primeiros 21 CEUs; e outra que começa em 2005 com a posse de José Serra e, posteriormente, de Gilberto Kassab, que compreende a construção de mais 24, o programa alcança hoje, ao todo, 49 unidades, sendo três indígenas. (Acesse o Mapa aqui)
Atuando como um complexo educacional, esportivo e cultural – um espaço público com múltiplas funções educativas – os CEUs configuram-se, de modo geral, com um Centro de Educação Infantil (CEI), uma Escola de Educação Infantil (EMEI) e outra de Ensino Fundamental (EMEF), que também oferece Ensino de Jovens e Adultos (EJA). São equipados ainda com teatros, piscinas, bibliotecas, telecentros, laboratório de ciências, quadras poliesportivas, playgrounds, ateliês e espaços para oficinas. Em média, eles possuem 30 mil m² e custam cerca de R$50 milhões aos cofres públicos para serem implementados.
Além de serem utilizados pelas escolas dos territórios onde estão inseridos, ampliando espaços e oportunidades de aprendizagem para crianças e adolescentes, os CEUs estão abertos diariamente para a população da cidade e, sobretudo, àqueles que vivem nos arredores. Embora busque consolidar-se como espaço democrático, garantindo a participação da comunidade em seus Conselhos Gestores, os cargos de direção são de indicação política, e variam de acordo com as forças políticas da região e, claro, de quem está à frente da Prefeitura de São Paulo.
Para entender como funcionam atualmente os 46 CEUs, quais foram os avanços obtidos em 12 anos de política e os desafios que ainda enfrentam na tentativa de reduzir as desigualdades socioeducacionais de São Paulo, articulando pessoas, ações e políticas em territórios de alta vulnerabilidade do município, o Portal Aprendiz entrevistou Maria Cecília Carlini, que coordena pela Secretaria Municipal de Educação o que ela denomina como “equipamentos de produção de conhecimento e igualdade da cidade”.
À frente do cargo há apenas cinco meses, uma de suas primeiras missões foi alterar o nome de “Coordenadoria de Programas Especiais e Sala CEU” para “Coordenadoria de Educação Integral e CEUs” que, segundo ela, reflete com mais clareza o objetivo dos CEUs de garantir o desenvolvimento integral dos cidadãos. “Eu considero que só de existirem, só de estarem lá com as portas abertas para a comunidade, eles já trabalham na perspectiva da educação integral. Mas acredito que é preciso fazer isso ter qualidade, dar sentido, dizendo que esporte é esse, que cultura é essa, que produção de arte é essa”, afirma, relembrando que a cidade de São Paulo ainda não possui um programa de Educação Integral para suas escolas.
Outra conquista, de acordo com Maria Cecília, virá no dia 18 de agosto com a assinatura de um decreto que define a transferência de recursos financeiros para os CEUs, assegurando de R$15 a R$30 mil por trimestre, para cada unidade, dependendo do tamanho. A coordenadora ainda deve encarar o início das obras de oito Territórios CEUs, previstos para o segundo semestre de 2015, e que buscam concretizar uma promessa estabelecida no Plano de Metas do prefeito Fernando Haddad. Santo Amaro, São Miguel, Pinheirinho D’Água, Taipas, Tremembé/Jardim Joamar, Cidade Tiradentes, Sapopemba, Grajaú/Petronita e Campo Limpo/Piracuama são os bairros contemplados nessa primeira etapa.
O objetivo 16 do plano de metas da atual gestão de Fernando Haddad prevê a construção de 20 novas unidades, com investimento de R$ 620 milhões. Até agora, porém, apenas um novo CEU foi entregue, em Heliópolis. Oito unidades estão licitadas e sete estão elaborando o seu projeto.
Confira a entrevista completa com Maria Cecília Carlini, que também já foi diretora da EMEF Pracinhas da FEB e da Diretoria Regional de Educação (DRE) Campo Limpo:
Portal Aprendiz: Na sua opinião, quais foram os principais avanços nestes 12 anos de implementação dos CEUs?
Maria Cecília Carlini: Os CEUs foram estruturados por um grupo de arquitetos coordenado pelo professor Alexandre Delijaicov, que afirma que, além de ser Centro de Educação Unificado, o CEU é um de centro de estruturação urbana, seguindo a ideia de que inauguração do equipamento deve ajudar a expandir melhorias na região. E isso é absolutamente verdadeiro.
O CEU criou um circuito de pessoas, um comércio e uma área de segurança no seu entorno. As pessoas gostam de morar perto do CEU porque virou um ponto de referência da comunidade, um lugar de melhoria e qualificação social.
Ele é capaz de induzir políticas públicas urbanas no entorno, mas ainda não com o potencial que gostaríamos. Após o governo Marta, os CEUs passaram oito anos com gestores que não tinham a gestão democrática como princípio. Quando voltamos à administração municipal, em 2013, encontramos um CEU apartado da comunidade, com grades, carteirinha e catraca para entrar. A gestão democrática estava sucateada e esvaziada de sentido.
O projeto possui também o papel do desenvolvimento da cidadania cultural. Ao longo desses anos, estimulou o surgimento de grupos de teatros, música e percussão. Muita coisa aconteceu por conta de existir um teatro e um fluxo de cultura nessas regiões.
Aprendiz: Você costuma dizer que os CEUs são centros de produção de conhecimento e equipamentos de igualdade da cidade. O que isso quer dizer?
Maria Cecília: Os CEUs reúnem cultura, educação, lazer e esporte, e isso produz pensamento, e o pensamento produz conhecimento. Desde o século 16, a escola trabalha com o conhecimento como instrumento, mas sem construí-lo, apenas reproduzindo. Quando se coloca a escola em um equipamento que transcende o espaço escolar, e reúne cultura, esporte e espaços de circulação como instrumentos da educação, você possibilita a produção de conhecimento em grande escala e com qualidade.
Todo mundo tem o direito de entrar em um CEU sendo quem é.
A escola deveria se mirar nisso, pois está mundialmente em crise, fazendo algo repetido que ninguém mais tem interesse. Antigamente, ela dava conhecimento e pedia em troca disciplina; hoje o conhecimento está em todas as partes, então ela vive uma crise de identidade. Nesse sentido, o CEU é uma ferramenta de mudança e qualificação da educação.
E ele é um equipamento de igualdade, pois leva para as periferias da cidade a mesma produção artística que existe no centro, e leva para o centro o que se conhece nas periferias. Transita entre esses dois fluxos e não faz leitura de classe social: todos têm acesso ao CEU, o tempo inteiro, assim como a todas as produções que são apresentadas nele.
Todas as equipes de gestão, cultura e educação têm que lutar para que as pessoas não tenham que ter uma cor de pele, uma religião, um tipo de cabelo para poder entrar lá. Todo mundo tem o direito de entrar em um CEU sendo quem é.
Aprendiz: E qual a relação dos CEUs com a proposta de Cidade Educadora?
Maria Cecília: O CEU ajuda a construir uma Cidade Educadora à medida que abre seu espaço para todas as pessoas, de todas as idades e todos os campos de conhecimento, e mostra que um equipamento não precisa ter cuidados policialescos para funcionar, não precisa ser um lugar onde haja impedimento para ficar.
Você não é suspeito nem precisa se explicar para estar lá, e isso educa no melhor sentido do ser humano: ele entender que pode entrar lá. O que acontece muito em espaços de lazer e cultura é a não identificação das pessoas, as pessoas passam na porta e pensam ‘isso aqui não é para mim’. O CEU é exatamente o contrário disso.
Além disso, ele trabalha a cultura de corpo e movimento, expande o esporte, amplia o repertório motor e cultural, e isso educa também.
Aprendiz: Os projetos arquitetônicos e os espaços físicos, assim como os materiais e equipamentos, são uma marca consolidada dos CEUs. Qual o balanço de uso e preservação desses recursos, ou seja, como as comunidades vêm se relacionando com eles ao longo desses anos?
Maria Cecília: Os CEUs têm uma preservação, um cuidado intrínseco, as pessoas cuidam muito deles. Isso acontece pois, desde o começo, eles foram pensados e discutidos com quem estava ali: o que era importante ter, que tipo de quadra, que tipo de palco. As pessoas se sentem construindo essa proposta, ela não foi colocada goela abaixo. Hoje, os desgastes que temos são por uso e não por depredação.
Aprendiz: Como os CEUs operam hoje em relação à gestão? Quais são os mecanismos existentes para que a comunidade participe das decisões?
Maria Cecília: Todos os cargos de direção são indicações políticas. Há dez pessoas concursadas em cada CEU, três bibliotecários e sete do esporte. Já os outros – três da educação, três da cultura, três do esporte e três da gestão – são indicados politicamente, ou seja, são cargos transitórios. Considero esse um modelo acertado, já que a cada quatro anos é definido nas urnas um projeto político para a cidade. Isso indica que, ao ganhar nas urnas, você tem a obrigação de cuidar dos CEUs. Já o conselho gestor é eleito pela comunidade e tem muito poder, tem voz, vez e voto. É efetivamente deliberativo, sendo a ferramenta mais democrática para instaurar propostas que reflitam as demandas locais.
Aprendiz: A prefeitura está criando os primeiros Territórios CEUs de São Paulo. O que os difere dos CEUs que já existem e quando eles começarão a funcionar?
Maria Cecília: Como não temos mais terrenos para construir CEUs na cidade de São Paulo, e leva mais tempo para tirar a população, desocupar e desapropriar do que construir, a ideia do Território CEU é aproveitar uma região onde já exista, por exemplo, um centro de esporte, um de saúde, algumas escolas, e fazer uma junção, integrando esses espaços e as políticas setoriais que já existem em um novo projeto arquitetônico e urbanístico.
Também será preciso construir teatro, piscina, ginásio e outros espaços, mas pode-se também melhorar o que a região já oferece. Em uma região, um clube privado resolver ceder seu espaço para o Território CEU que será construído, então as crianças vão poder usar as instalações do local. Algo muito interessante é que serão CEUs com mais praças, corredores e caminhos, já que os trajetos deverão ser feitos a pé. Hoje, temos oito licitados e com início de obras previsto para o segundo semestre de 2015. Para 2016, queremos entregar mais sete.
Aprendiz: Como os CEUs contribuem para a construção de uma política de Educação Integral no município?
Maria Cecília: O nome da pasta que dirijo mudou recentemente para Coordenadoria de Educação Integral e CEUs, mas ainda há muita dúvida quanto ao nosso conceito de educação integral. Ele está sendo formulado neste momento pela secretaria, mas, uma vez definido, o CEU fará a ampliação do tempo além da aula, no contraturno, pois é da essência e do ofício dele, enquanto espaço de produção de conhecimento. Hoje, eu considero que só de existir, só de estar lá com as portas abertas para a comunidade, eles já trabalham na perspectiva da educação integral. Mas acredito que é preciso fazer isso ter qualidade, dar sentido, dizendo que esporte é esse, que cultura é essa, que produção de arte é essa.