publicado dia 6 de maio de 2015
Crianças são protagonistas em projeto de jornalismo independente
Reportagem: Clipping
publicado dia 6 de maio de 2015
Reportagem: Clipping
Por Tânia Carlos, do Promenino, com Cidade Escola Aprendiz
Cena um. Um garoto caminha por uma praça cheia de árvores, com um parquinho vazio. A câmera o segue, filmando o protagonista de costas. Seu nome é Carlos. Ele parece ter seus oito anos de idade. Tem cabelos castanhos e pele morena, é lento no andar, mas ágil na fala, que revela a urgência do relato feito sem olhar para o entrevistador ou para o interlocutor. “Quando estava na primeira série, minha professora me tratava mal. Não só a mim, mas aos meus colegas também. Ela nos puxava pela orelha, nos batia com a régua. Eu me comportava mal, mas não tão mal. Se ela tinha uma régua, nos batia com ela, e isso não significava que havíamos nos comportado mal”.
Corta.
O plano agora é a escola onde Carlos estuda. As crianças são filmadas com alguma distância, para que a lente não foque seus rostos. Esta reportagem do WADADA News For Kids (Notícias para crianças, em livre tradução) denuncia os maus tratos sofridos pelos alunos de escolas em Managua, capital da Nicarágua. No vídeo, outros alunos, colegas de Carlos, contam como gostariam que seus professores agissem em sala de aula.
A palmatória, há um século culturalmente considerada uma punição “normal”, hoje é crime em vários países, inclusive no Brasil. Em muitas localidades, contudo, até mesmo em lugares onde castigos físicos são inconstitucionais, as crianças ainda são agredidas física e psicologicamente.
“Como essas crianças podem ter esperança sobre o futuro se a mídia que elas acessam não tem um padrão alto de qualidade? Como podem se sentir bem informadas, inspiradas, instigadas?” Jan-Willem Bult
O WADADA News for Kids, sediado em Amsterdã e mantido pela Free Press Unlimited, é um programa internacional de televisão exibido semanalmente em canais de diversos países, além do YouTube. Há dez anos, o WADADA apresenta reportagens produzidas por 13 unidades locais e autônomas que atuam ao redor do mundo, em países como Nicarágua, Bolívia, Peru, África do Sul, Indonésia, Nepal e Bangladesh.
No Brasil, o WADADA firmou parceria com a TV Cultura no final de 2014 para celebrar uma década da TV Rá-Tim-Bum!. Juntos, criaram o “Jornal Ra Teen Bum”, noticiário voltado para adolescentes, que deve ser exibido pela emissora ainda em 2015. O Promenino entrou em contato com a assessoria de imprensa da TV Cultura, que não conseguiu informar a previsão da exibição do programa.
O próximo país a fazer parte do WADADA será o Equador, de acordo com o editor-chefe Jan-Willem Bult. Segundo ele, o projeto pretende atuar em 20 países até 2016.
O Promenino conversou com Jan-Willem, que contou mais sobre o programa e também relatou suas impressões sobre o Brasil. Confira:
Promenino: WADADA é um nome recente. Antes dele, o projeto já foi batizado com outras marcas. Por que WADADA? O que esse nome nos diz?
Jan-Willem: Nosso projeto começou há dez anos. Na época, o chamamos de Kids News Network (KNN) [em português, Rede de Notícias das Crianças]. Há dois anos, começamos a produzir o World Kids News (WKN). Mais tarde, precisamos pensar em um nome que agradasse aos nossos parceiros e telespectadores na África, na América Latina e Ásia. Inventamos uma palavra sem um significado, porém bastante sonora: foi aí que nasceu o WADADA.
Eram tantos nomes e tantas pessoas os confundindo, acreditando que o projeto se tratava de crianças fazendo um jornal para outras crianças… Foi aí que o renomeamos uma última vez, em outubro de 2014: WADADA News for Kids
Curiosidade
A palavra Wadada, no dialeto Amharic, da Etiópia, significa “amor”.
Promenino: Qual é a importância de programas jornalísticos para crianças? Você acredita que esses programas as empoderam?
Jan-Willem: Mídia de qualidade para crianças é essencial para o crescimento delas. O tempo que as crianças e jovens passam diariamente tendo acesso às notícias e conteúdo pela internet, televisão e veículos impressos é superior ao tempo que elas passam na escola ou sendo educadas pelos pais.
Como essas crianças podem ter esperança sobre o futuro se a mídia que elas acessam não tem um padrão alto de qualidade? Como podem se sentir bem informadas, inspiradas, instigadas?
Pesquisas mostram que crianças ficam menos ansiosas ao verem imagens de guerras e conflitos em seus países quando existem programas especiais para elas.
Promenino: Os repórteres do WADADA são voluntários?
Jan-Willem: Nossos repórteres são produtores de conteúdo infantil e também jornalistas. Em alguns países, também trabalhamos com jovens repórteres em um projeto, além de sempre apoiarmos e exibirmos episódios gravados por esses adolescentes.
Promenino: Você esteve no Brasil recentemente. Como foi essa viagem? Qual foi sua impressão sobre as crianças e os jovens brasileiros?
Jan-Willem: Minha última viagem ao Brasil foi em janeiro, quando nós treinamos o time da TV Cultura, alguns freelancers e estrangeiros. Tínhamos uma boa mistura de gerações na equipe e os jovens produtores brasileiros eram empenhados com notícias para crianças. Tínhamos, também, um dia inteiro de gravação com crianças de 8 a 14 anos, o que foi uma grande experiência para mim e para todos os participantes. As crianças eram ótimas para trabalhar e tinham muitas histórias para contar e opiniões a compartilhar.
Promenino: Como foi a parceria do WADADA com a TV Rá Tim Bum! e o canal TV Cultura? O que os dois programas pretendem fazer juntos?
Jan-Willem: O ‘Reporter Ra Teen Bum’ é baseado no formato do WADADA, mas o programa é independente e a TV Cultura fez suas próprias decisões sobre o conteúdo. A TV Cultura irá também transmitir WADADA News para Crianças como a parte internacional do noticiário, e em seu programa próprio também utilizará reportagens nossas vindas de várias partes do mundo. Será uma cooperação bem empolgante. Creio que esse programa terá grande impacto na sociedade. A temática dos direitos humanos será incluída em cada transmissão, direta ou indiretamente.
Promenino: Reportar violações de direitos humanos e realizar cobertura em áreas de conflito ou de extrema pobreza pode ser chocante para seu público-alvo. Como vocês enxergam isso?
Jan-Willem: Para mim, existem duas coisas importantes: a verdade e a esperança. O WADADA confronta adultos e politiza crianças. E crianças querem ouvir a verdade – claro que de uma forma com a qual consigam lidar. Esse é o nosso foco profissional: sempre oferecer dados objetivos, para que com a informação oferecida, jovens e crianças possam refletir e chegar a conclusões sozinhos.
E não importa quão dura a verdade pode ser: existirá sempre a esperança. Sempre deixamos isso claro em nossos programas. Além disso, também procuramos educar e entreter – do contrário, ninguém o exibiria na televisão ou clicaria no play.
Crianças e adolescentes falam sobre como se sentem após ataque islâmico em universidade local
Promenino: O WADADA oferece algum tipo de suporte psicológico para crianças que não tem seus direitos assegurados pelo Estado, pela sociedade ou por suas famílias?
Jan-Willem: Nós somos muito cuidadosos ao relatar os acontecimentos de forma que as crianças não se machuquem. Tanto que, em muitos países, as equipes dos programas trabalham junto aos especialistas da infância, como a Child Helpline International.
As produções locais da rede WADADA são mais do que programas de TV. Elas são verdadeiras comunidades nas quais crianças e adolescentes se apoiam uns nos outros.