publicado dia 17 de abril de 2015
Um Plano para tornar a Cidade Educadora
Reportagem: Helena Singer
publicado dia 17 de abril de 2015
Reportagem: Helena Singer
Todos os municípios brasileiros têm até o final de junho para aprovar seus Planos Municipais de Educação (PME) que, à luz do Plano Nacional de Educação (PNE), definirão as metas e estratégias para alcançá-las nos próximos dez anos. É mais uma conquista do maior período de consolidação democrática da história do país.
O prazo para a consolidação dos PME parece reduzido, mas seu processo de construção, em muitas cidades iniciou-se há vários anos. Em São Paulo, desde 2008, aconteceram várias audiências e uma Conferência Municipal para a sua elaboração. Mas, claro que agora, em sua etapa final, a participação de todos se torna ainda muito importante.
Helena Singer é socióloga e diretora da Associação Cidade Escola Aprendiz. Ajudou a fundar o Instituto de Educação Democrática Politeia e o Núcleo de Psicopatologia, Políticas Públicas de Saúde Mental e Ações Comunicativas em Saúde Pública da Universidade de São Pauo (NUPSI-USP). É autora de “República de Crianças: Sobre Experiências Escolares de Resistência” e “Discursos Desconcertados”.
Dentre os mais de dois milhões de estudantes paulistanos, mais da metade estão no ensino fundamental. Nesta etapa, talvez muitos não saibam, mas a rede estadual responde por 46% das matrículas, a rede municipal por 29% e a rede privada por 25%. No ensino médio, a rede municipal é quase inexistente e na educação infantil, a totalidade das matrículas é dividida entre município e rede privada.
O PME hoje em debate, sintetizado em relatório da Comissão de Educação, Cultura e Esportes da Câmara Municipal, abrange prioritariamente a rede municipal de ensino e, neste sentido, tem foco restrito, se consideramos o universo da educação na cidade. Poderíamos esperar que o restante fosse orientado pelo Plano Estadual de Educação, mas São Paulo é um dos 15 estados do país que não possuem este plano. O governo afirma que há uma proposta em estudo no Conselho Estadual de Educação, mas esta ainda não é pública.
Aliás, não sendo a educação apenas o que acontece dentro das escolas, o PME é também restrito na medida em que pouco traz tanto em dados como em metas em relação ao universo das organizações da sociedade civil e também dos equipamentos públicos dos diversos setores que desenvolvem projetos educativos na cidade.
Feitas estas ressalvas, é bom que se diga que o texto consolidado pela Comissão parlamentar traz muitos aspectos que podem tornar São Paulo uma Cidade Educadora, se assim o desejarem a sociedade e seus governantes. Esta possibilidade está dada em metas e estratégias que vamos analisar em cinco grandes frentes.
Territórios Educativos
Começando do fim, a possibilidade de organizar a cidade do ponto de vista da educação é afirmada na Meta 13 do texto que se refere à criação de Planos Regionais de Educação. Estes deverão ser elaborados pelas diretorias regionais de ensino, que atualmente são 13, com a participação de ao menos um representante de cada segmento das comunidades escolares, ou seja, estudantes, professores, funcionários e pais. Como estratégia, propõe-se também a implantação de conselhos regionais de conselhos de escola em cada diretoria regional. Os planos regionais são muito importantes para a conquista de uma cidade educadora, especialmente uma megalópole tão diversa como São Paulo. Se estes processos incluírem os outros agentes dos territórios será ainda mais potente.
Gestão democrática e controle social
A ênfase na participação de todos os segmentos na construção dos planos regionais conecta-se com a preconização dos processos participativos, segundo elemento chave de uma cidade educadora. Anunciado já na Meta 1, quando propõe o controle público sobre a destinação dos recursos à educação pública, o espírito democrático atravessa todo o texto, e torna-se mais explícito na Meta 12, que trata justamente da efetivação da gestão democrática. Para tanto, o Plano propõe a formação dos membros de todos os conselhos da cidade, a reestruturação do Conselho Municipal de Educação, a criação de processos participativos de planejamento e avaliação das políticas educacionais e a garantia da participação dos educadores, estudantes e familiares na formulação dos projetos pedagógicos das escolas. Até mesmo na educação infantil, o texto afirma a importância da “a escuta das crianças, como princípio formativo para democracia”.
Autonomia, avaliação e qualidade da educação
O terceiro grupo de metas e estratégias importantes para a cidade educadora refere-se à qualidade da educação. Com elaboração até bem mais sofisticada do que a do PNE, a proposta para o PME aponta 29 estratégias para conquistar a tão reivindicada qualidade da educação. Dentre estas se destacam as que se referem a um processo contínuo e participativo de autoavaliação das escolas, a afirmação da autonomia escolar para a elaboração do seu projeto político pedagógico e a gestão de seus recursos, e a necessidade de se criar indicadores municipais de avaliação institucional. Trata-se de um grande salto no debate e no controle público sobre a qualidade da educação ofertada pelo município. Atualmente, indicadores existentes baseiam-se principalmente no desempenho dos estudantes em provas, teste de habilidades em português e matemática, algo muito insuficiente tanto do ponto de vista do objeto quanto do sujeito da avaliação. Se realmente valorizamos a educação, é preciso envolver equipes escolares, estudantes e pais no complexo processo de avaliar a escola.
Ao lado da autonomia escolar e das novas estratégias de avaliação, completa o quadro de estratégias voltadas para a qualidade da educação uma relativa à meta de universalização do ensino, que trata da necessidade de articular os ciclos e etapas de aprendizagem e a continuidade do processo educativo, considerando o respeito às diferenças e buscando a superação das desigualdades. Aqui dois pontos são fundamentais: a visão de continuidade do processo educativo que supera a perspectiva seriada da progressão escolar e a busca de estratégias para superar as extremas desigualdades que marcam São Paulo.
Ampliação de tempos e espaços
Outro conjunto de estratégias determinantes para uma cidade educadora relaciona-se com as metas de qualidade, universalização e ampliação da jornada escolar. Nestas três metas, repete-se a estratégia de “promover a relação das escolas com as instituições, equipamentos, movimentos e Pontos de Cultura a fim de garantir oferta regular de atividades para a livre fruição dos estudantes, a ampliação do repertório das linguagens artísticas dentro e fora das escolas e a transformação das escolas em pólos de criação e difusão cultural”. A preconização da escola como pólo de difusão cultural é extremamente significativa do ponto de vista da cidade educadora, já que a escola é o equipamento público mais frequente em nossos bairros.
Outras estratégias referem-se a implementar, com base em parcerias com instituições de ensino superior, fóruns de educação, conselhos escolares e sociedade civil, a Educação em Direitos Humanos. E há uma estratégia que afirma a importância da educação ambiental como prática educativa integrada, contínua e permanente. Ainda no campo da ampliação de espaços e agentes educativos, propõe-se a expansão da educação profissional técnica de nível médio levando em consideração os arranjos produtivos, sociais e culturais locais e regionais.
Quando se trata da ampliação do tempo da educação, o Plano afirma que a extensão da jornada escolar deve estar em consonância com o projeto pedagógico de cada escola e deve se orientar por princípios democráticos e participativos.
Rede de proteção e intersetorialidade
Não menos importante para a cidade educadora são as estratégias voltadas para a rede de proteção. Elas se relacionam tanto com a meta de qualidade quanto de universalização do ensino. Seus autores compreenderam que não é possível conquistar processos qualificados de aprendizagem, sem que os direitos fundamentais estejam garantidos. Para isso, a primeira proposta é formar os professores para que eles possam atuar em rede, promover a cultura de paz e ajudar a construir a escola como um ambiente seguro para a comunidade. Além disso, propõe-se a instauração de protocolos entre as instituições que formam as redes de proteção de direitos, a articulação dos programas da área de educação com os de saúde, trabalho e emprego, assistência social, cultura e esportes e a busca ativa de crianças e adolescentes fora da escola, em parceria com órgãos públicos dos três níveis de governo de assistência social, saúde e proteção à infância, adolescência e juventude.
Enfim, o texto hoje em análise na Câmara Municipal é sem dúvida um avanço na política pública e, uma vez aprovado, deverá ser implementado, monitorado e avaliado por todos os paulistanos.