publicado dia 7 de abril de 2015
Ciutat Vella: território que educa seus habitantes dentro e fora da escola
Reportagem: Raiana Ribeiro
publicado dia 7 de abril de 2015
Reportagem: Raiana Ribeiro
A cidade é um território que tem memória, história e que cria referências emocionais e sociais na vida das pessoas. Mas como torná-la efetivamente educadora? Esse foi o questionamento central da “Roda de Conversa: Cidades Educadoras e Educação Integral – o que o Brasil pode aprender com a experiência de Barcelona?”, que ocorreu em São Paulo, no dia 30 de março.
Com a participação de Natacha Costa, diretora da Associação Cidade Escola Aprendiz; Beatriz Goulart, arquiteta e urbanista; Pilar Lacerda, diretora da Fundação SM; Bianca Ramos, do MAIS; Og Doria, da Consultoria Cara de Brasil, especializada em gestão de políticas públicas em educação; e Ana Maria Wilheim, também da Cara de Brasil e pesquisadora de educação, o evento contou com a presença de cerca de 150 pessoas.
A “Roda de Conversa: Cidades Educadoras e Educação Integral – o que o Brasil pode aprender com a experiência de Barcelona?” marcou o lançamento da Coleção “Territórios Educativos – Experiências em Diálogo com o Bairro-Escola”. Publicados em parceria entre a Editora Moderna e a Associação Cidade Escola Aprendiz, os dois volumes apresentam experiências no Brasil que articulam escola e comunidade em prol da aprendizagem. Organizada pela socióloga Helena Singer, a obra pode ser baixada gratuitamente pela internet.
Partindo da experiência de Barcelona, declarada Cidade Educadora desde a década de 90, os debatedores falaram sobre o Território Educativo estabelecido em Ciutat Vella, localizado na região central da capital catalã. Formado por 5 bairros, o distrito caracteriza-se por sua arquitetura histórica, calçadas largas, além da diversidade de etnias e múltiplas ofertas de serviços.
Ao todo, 122 nacionalidades convergem para um território com mais de mil organizações sociais, 49 escolas e uma cultura de participação social enraizada na comunidade. Mas tamanha pluralidade impôs para as escolas da região um desafio à altura: afinal, como garantir que a educação praticada no bairro reflita a paisagem humana e social do seu entorno?
A resposta exigiu um processo de pactuação entre poder público, sociedade civil e iniciativa privada em torno de Plano Educativo para Ciutat Vella. Baseado em cinco objetivos, o documento prevê oferta de educação de qualidade e êxito educacional; acompanhamento da etapa final da educação básica (equivalente ao Ensino Médio brasileiro) para garantia de continuidade e permanência; alinhamento da educação não-formal do território, suporte às famílias e atendimento às necessidades da rede de proteção local.
AICE
O movimento das Cidades Educadoras teve início em 1990 com o I Congresso Internacional de Cidades Educadoras, realizado em Barcelona, na Espanha. Neste encontro, um grupo de cidades pactuou um conjunto de princípios centrados no desenvolvimento dos seus habitantes que passariam a orientar a administração pública a partir de então. Organizados na Carta das Cidades Educadoras, cuja versão final foi aprovada em 1994, em Bolonha, esses objetivos norteiam ainda hoje as associadas da AICE – Associação Internacional de Cidades Educadoras.
“É claro o alinhamento institucional com esse desejo de Cidade Educadora e todas as pessoas têm muito ao pé-da-letra esses princípios”, relata Bianca Ramos. Outro aspecto que chama atenção, segundo Natacha Costa, é ver que o Plano permite que a Política Educacional opere em diálogo constante com o território. Já Pilar Lacerda destaca três aspectos: o nível aprofundado de articulação entre espaços e pessoas, a existência de políticas de Estado que garantem programas a longo prazo, e a relação que o terceiro setor estabelece com as escolas que, em sua opinião, escapa do voluntarismo e assistencialismo conhecidos no Brasil.
A concretização do Território Educativo de Ciutat Vella pode ser vista no dia a dia de escolas e organizações e, claro, nas ruas. Do modo como as famílias se relacionam com as instituições de ensino e suas propostas pedagógicas; passando pela conexão entre organizações sociais e escolas, à frequência com que estudantes ocupam e fazem uso dos espaços público.
“Ao colocar as crianças na rua, a cidade precisa percebê-las”, reflete Natacha, em uma referência direta às vias especialmente sinalizadas para crianças, fruto do projeto Caminho Escolar. Desde 2010, a iniciativa promove a mobilidade autônoma de crianças a partir dos oito anos, no trajeto entre a casa e a escola.
A partir de um diagnóstico participativo sobre como se dá a mobilidade das crianças de uma determinada instituição de ensino, a comunidade escolar desenha – em parceria com o poder público – um projeto de transformação do território, que inclui adaptações nas ruas, como a sinalização de que aquele é um trajeto de crianças, a criação de estacionamento de bicicletas e patinetes, entre outros.
Por outro lado, comerciantes, moradores e outros atores que estão no trajeto escolar das crianças são convidados a participar. Encarados como educadores nesse processo, eles podem aderir à iniciativa colocando um adesivo na porta do estabelecimento ou das casas, convertendo-se em um ponto de referência para as crianças, caso tenham algum problema ou necessitem ajuda.
Território e Educação: um diálogo permanente
O projeto Caminho Escolar revela outra faceta da experiência catalã de educação no território: a de que o desenvolvimento urbano é projetado em consonância com o que se quer para a educação. “Bem diferente do que fez São Paulo, por exemplo, que primeiro discutiu seu Plano Diretor Estratégico e agora deve decidir seu Plano Municipal de Educação”, compara Beatriz Goulart.
De acordo com ela, as iniciativas de Cidade Educadora no Brasil acabaram centralizadas nas secretarias de educação, reduzindo seu potencial intersetorial. “Essa discussão deveria ser a mesma e o correto seria a cidade ter um único Plano. Em Barcelona, o Plano Estratégico da Cidade foi crucial para que a cidade se tornasse um espaço educador”, completa.
Era Pós-Franco
Na opinião de Ana Maria Wilheim e Og Doria, o processo de redemocratização da Espanha é fundamental para entender os avanços de Ciutat Vella. À época, a organização e mobilização dos movimentos sociais da Cataluña permitiu uma série de progressos, entre eles, a opção por um urbanismo que favorecesse as pessoas. “É notória a contribuição do urbanismo de Barcelona para um novo tipo de convivência entre as pessoas. Os catalães conectaram a cidade toda ao transporte público, fizeram uma escolha pelo pedestre”, relata Ana Maria.
A visão de futuro compartilhada entre os setores da sociedade buscava posicionar Barcelona como cidade do conhecimento. Não à toa, uma das primeiras ações após a queda do regime de Franco, ocorrida em meados da década de 70, é a criação de bibliotecas e centros culturais. Soma-se a esses elementos, a garantia permanente de acesso à informação e campanhas de comunicação que visam sensibilizar e engajar a população nesse novo momento histórico. “O fim do regime de Franco foi uma oportunidade para que Barcelona fosse repensada, criando as bases para o que mais tarde culminaria em sua nomeação como cidade educadora”, finaliza Ana Maria.