publicado dia 20 de março de 2015
Arquiteto transforma seu lar em uma Casa Sustentável
Reportagem: Danilo Mekari
publicado dia 20 de março de 2015
Reportagem: Danilo Mekari
Do alto de seu terraço, o arquiteto paulistano Tomaz Lotufo aponta para a infinidade da vizinhança, olha para os lados, respira profundamente e reflete sobre o atual modo de vida urbano. “Quando olho para a cidade e vejo um lote de 100 m² totalmente impermeável, assim como o seguinte, de 300m², e acrescento à impermeabilidade da rua, o que acontece?”, questiona, para em seguida dar a resposta que brota na ponta da língua. “A água da chuva cai no solo e vai direto para o rio.” Aponta para o filho Martim, de um ano e três meses, e completa: “É como você pegar uma criança recém nascida e jogar no mundão. Vai trabalhar! Vai ralar! Vai interagir e ver as mazelas da sociedade, vai puxar carga!”
Com cerca de 100 m², o lar do casal Tomaz e Danuta e do pequeno Martim possui quatro quintais, com direito a plantação de frutos, vegetais e raízes, forno e fogão a lenha e uma cisterna capaz de armazenar cinco mil litros – não à toa, é chamada de Casa Sustentável. Às vésperas do Dia Mundial da Água (22/3), o arquiteto acredita que falta visão sistêmica para lidar com a crise hídrica que assola grande parte do sudeste brasileiro.
Casa Sustentável – Tomaz Lotufo from Habitar on Vimeo.
“É muito simples. O lugar da água é na terra, no solo. A cidade precisa ser hidratada e entendida como uma paisagem ecológica, e a água dentro disso presta serviços ecossistêmicos, assim como o ser humano e os animais”, diz. “É fundamental a gente pensar em mil soluções como está se pensando hoje, mas se não discutirmos plantar árvores e aumentar a permeabilidade do solo não vamos resolver a questão da água.”
Laboratório
Formado em Arquitetura e Urbanismo pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Tomaz morou nove anos em um sítio em Botucatu antes de reformar a Casa Sustentável, localizada na Vila Gomes, zona oeste de São Paulo. “Meu trabalho é com arquitetura de baixo impacto ambiental. No sítio, consegui desenvolver esse tipo de arquitetura. Deu para pesquisar de tudo, fazer tratamento de esgoto, cisterna, plantar alimentos”, relembra.
Ao voltar para a capital paulista, o desafio era criar um espaço em que pudesse reproduzir um pouco da vivência que teve no interior. “Como fazer a arquitetura que acredito no contexto urbano? A casa tem uma característica de laboratório: se funciona aqui, é possível reproduzir isso para um cliente ou replicar em uma comunidade.”
Segundo Tomaz, a casa escolhida possuía problemas do ponto de vista ecológico e de distribuição do espaço. Era 100% impermeável e totalmente compartimentada: uma salinha, uma pequena cozinha, vários quartinhos. Então, o casal quebrou paredes e criou ambientes amplos e unitários.
Hoje, a luz natural espalha-se pela casa e torna o ambiente agradável e convidativo. Na entrada, três bananeiras quebram a aridez da vizinhança, e já não há mais espaço para o concreto. As plantas tomaram o lugar da vaga do automóvel. E até mesmo o shitake servido no jantar é colhido no quintal.
O mestrado de Tomaz Lotufo se debruça sobre o ensino prático de arquitetura. “Precisamos aprender integralmente. Na faculdade, sempre me desesperei, pois aprendia na teoria uma coisa que é muito prática”, diz. Ele foi até o Alabama, nos Estados Unidos, conhecer o projeto Rural Studio, que baseia sua metodologia em construções comunitárias. “O aluno vive um ano lá, projetando com as pessoas, para depois construir. Em 99% dos casos, a questão ecológica acaba aparecendo.” Clique aqui para baixar o trabalho.
Autonomia
No terraço, placas solares esquentam a água do banheiro. A família também implantou um sistema de reuso doméstico, além da cisterna para estocar este item básico de sobrevivência. “Precisamos entender que uma casa produz água: sempre que você usa, você está produzindo. O ideal é criar um ciclo fechado, associando a cisterna e o reuso, sem demandar grandes espaços”, explica.
Tomaz revela que toda a reforma e reestruturação dos ambientes da casa advém de uma única vontade: criar autonomia. “Até que ponto eu posso depender menos do setor público, até que ponto posso resolver meus problemas vivendo numa cidade?”, pergunta. Ele defende que o Estado se concentre em temas como educação, lazer e cultura, e que os próprios cidadãos se empoderem no que diz respeito ao abastecimento de água.
“Além de caríssimo, acho totalmente incoerente o poder público pegar o esgoto daqui, jogar para lá, mandar pra uma estação elevatória acolá, não tratar direito e despejar no rio”, pontua. “A água é um baita negócio, e as soluções para essa questão atualmente – do jeito que somos dependentes, e não autônomos – só uma empresa pode resolver. Acredito em soluções descentralizadas, que gerem autonomia na população.”
O ciclo da água
Ele defende que casas, prédios e condomínios valorizem as áreas permeáveis e invistam na plantação de novas árvores e espaços verdes. E para esclarecer essa ideia, recorre a uma anedota sobre o ciclo da água.
“A água é como se fosse um indivíduo. Ela nasce, se desenvolve, cresce, chega na velhice e não morre, mas evapora, para depois nascer de novo.
O que devemos fazer com as nascentes? Cuidar como cuidamos de um bebê recém-nascido. Esses pequenos corpos d’água são preciosíssimos, como esse neném aqui [apontando Martim]. Ele sai andando para cá, para lá, mas você tem que estar ali, e exige todo o cuidado possível.
E ela vai ficando mais velha, vai para pequenos córregos, a infância da água. Uma criança acha que pode fazer muita coisa, mas a gente também não tira o olho. Vira uma água adolescente, e está em um pequeno rio. O jovem já pode interagir mais com outros indivíduos, ficar sozinho de vez em quando, a gente usa essa água como transporte, pesca, desvia uma parte para gerar energia elétrica e mecânica.
Aí ela fica adulta, um grande rio que já está cansado, pois viu todas as mazelas da vida. Nela chega cocô, lixo, esgoto… Mas por ali passam coisas bonitas também, ela tem uma capacidade de trabalho muito grande, pode ser um meio de transporte importante, gerar atividade econômica.
E aí fica idosa, velha e se aposenta: nos oceanos. O que o velho quer? Ficar na paz, na marola, em tranquilidade. Quando ele vê que é a hora, evapora. É um corpo etéreo, evaporou, foi pro céu, chega uma hora e chove.
Essa é a grande questão: quando chove, para onde ela tem que ir?
É quase uma reencarnação. A água tem que ir para o útero, o lugar que cuida e dá possibilidade dela se desenvolver e poder nascer de novo. E onde é isso? O solo. A terra.”
Desenvolvimento humano
O pequeno Martim está totalmente à vontade em sua casa ecológica. Brinca, pula, grita, dança, balbucia, mas ainda não fala. Não perde a chance de observar os peixes no quintal dos fundos, encostar nas plantações e sujar as mãos no lixo orgânico, em busca de espetaculares minhocas.
Tomaz defende que a arquitetura ecológica – ou de baixo impacto ambiental – é muito boa para a classe média e alta. Mas para as comunidades vulneráveis ela é necessária, “pois é só assim que eles conseguem sobreviver com dignidade”, reflete. “A ecologia dá autonomia para as pessoas produzirem sua comida, coletarem sua água.”
“A grande descoberta nessa casa é o fato da gente entendê-la como um ecossistema e fazer dela permeável, com interações e produção de alimentos. Para o desenvolvimento dessa criança é uma coisa maravilhosa. Todo dia ele vê a água caindo, mexe nas plantinhas, se suja de terra”, observa Tomaz.
“Além dos benefícios de ter água, comida e não gastar tanta energia elétrica, existe o aspecto do desenvolvimento humano. A gente não se desenvolve nas cidades e nas casas que estamos construindo. Falar de ecologia é falar de desenvolvimento humano.”
Mas nem todos os desejos do casal para o lar foram concluídos. Ainda há muitos materiais de construção civil espalhados pela casa, um sinal de que as mudanças continuarão. Um dos sonhos de Tomaz é criar um fogão solar. O quarto da criança também serve como escritório para o arquiteto.
“Minha grande meta é ter a mínima separação entre o trabalho e a vida, e viver o que eu proponho como arquiteto. São muitos os desafios de trabalhar em casa, mas acredito que sou coerente com o que estou propondo e com o mundo que estou tentando desenhar.”