publicado dia 9 de março de 2015
Entre Saltos ocupa ruas para questionar violações às mulheres no espaço urbano
Reportagem: Danilo Mekari
publicado dia 9 de março de 2015
Reportagem: Danilo Mekari
Amanheceu nublado e abafado o Dia Internacional da Mulher em São Paulo. Parecia iminente a chuva que viria para lavar a alma de milhares de mulheres que se manifestaram no centro da cidade, pedindo igualdade de gênero e sonhando com uma sociedade sem os vícios do machismo.
A muitos quilômetros dali, um grupo de cerca de trinta pessoas – de ambos os sexos – realizou uma ação performática que pautou o papel da mulher na cidade. Nos arredores do Sesc Belenzinho, na zona leste de São Paulo, a performance Entre Saltos, do Coletivo Pi, tomou as ruas de assalto, pegando pedestres e motoristas de surpresa e reafirmando aquilo que é negado a muitas mulheres: o direito à cidade.
Durante duas horas, elas e eles circularam livremente pelas ruas, com passos lentos e firmes, apesar de calçarem apenas um pé do sapato de salto alto, o que deixava a caminhada um tanto cambaleante, simbolizando a situação de vulnerabilidade que as mulheres encontram na cidade. Tac, tac, tac era o único som que se ouvia na silenciosa ação – os tacos dos saltos batendo contra o chão.
“É muito difícil se colocar como mulher no espaço público. Parece simples, mas é extremamente importante um coro de mulheres atravessando esse espaço urbano, que ainda é tão masculino”, defende a estudante de teatro Ana Cláudia Castro, uma das mulheres vestidas de vermelho, com um salto nos pés e outro nas mãos.
O sapato que não estava no pé foi usado de diversas formas: uma algema que prende as mãos nas costas, um peso sob a nuca que estrangula, uma arma apontada para a cidade violadora de direitos. Muitas vezes, buzinas violentas e gritos machistas foram direcionados à performance, que adentrou estações de metrô, ruas movimentadas, viadutos, portas de botequins.
“Me senti empoderada e protegida, pois estávamos em um grande grupo”, revela Renata Luder, professora e acompanhante terapêutica. “Mas ao mesmo tempo vemos a nossa condição de fragilidade, as pessoas sempre mexendo na rua – não importa se você está em uma ou 20, elas não se intimidam, falam coisas ofensivas e violentas. Com mulheres biológicas ou não – pessoas com roupas femininas – parece que existe permissão e legitimação para mexer”, reclama.
Para Tiago Camacho e Mateus Fernando, dupla de performistas que participou da ação, trata-se de um momento de romper preconceitos. “Para nós, significa muito a possibilidade de abrir a caixinha – mulheres, homens, gays, heterossexuais, bissexuais, podemos ter uma diversidade de gênero e conviver com ela. Isso é muito rico”, afirma Tiago.
“Levar essa ação para a rua é uma forma de ocuparmos o espaço público com o que a gente pensa sobre isso. Queremos ampliar a dualidade homem x mulher para mais possibilidades de gênero e sexualidade.”
Entre Saltos começou e terminou nas escadarias do Sesc Belenzinho. Foi ali que a performance deixou a sua marca final: uma intervenção com os sapatos de salto alto que ficará até maio nesta unidade do Sesc. Mas o legado da ação vai muito além: “Não me senti exposta nem acuada. Pelo contrário: me senti mais forte e participar desse ato com mulheres e homens, e recebi uma força para enfrentar a rua diariamente”, concluiu Ana Cláudia.
Fotos e vídeo que ilustram essa matéria são de Danilo Mekari.