publicado dia 3 de março de 2015
No interior de MG, escola recupera margens de rios há mais de uma década
Reportagem: Danilo Mekari
publicado dia 3 de março de 2015
Reportagem: Danilo Mekari
Dom Viçoso é um pequeno município do sul de Minas Gerais que invariavelmente lida com períodos de estiagem, quando a parte alta da cidade sofre com turnos sem água. Se uma escola localizada há menos de 200 metros do Ribeirão do Rosário – principal vertente de água da região – não cuidar dele, quem irá fazê-lo?
Essa é a premissa que guia o projeto REBHIR (Reflorestamento da Sub Bacia Hidrográfica do Ribeirão do Rosário), realizado desde 2002 por alunos da Escola Estadual Cônego José Divino. Ao diagnosticar a relação entre o elevado desmatamento da mata ciliar nas margens de rios e nascentes com os problemas de abastecimento cada vez mais comuns na cidade, estudantes da escola passaram a plantar mudas arbóreas para diminuir o problema.
“A ideia inicial era ser um projeto de conscientização, mas a avaliação feita pelos próprios alunos era de que isso não ia adiantar nada. Precisávamos botar a mão na massa”, rememora a atual diretora da escola, Fátima Lúcia Nascimento. Foi em suas aulas de geografia que o embrião do REBHIR foi gestado.
Em sistemas de abastecimento como o Cantareira, que está em colapso em São Paulo, a presença de florestas permite que a chuva se infiltre no solo e alimente o lençol freático. Porém, apenas 34% dos 2.280 km² do sistema contam com cobertura de mata atlântica. É estimado que um km² de matas produza 10 mil litros de água por ano em regiões com média anual de 1.200 mm de precipitação (no Cantareira chove 1.500 por ano).
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Além de contribuir para a criação de uma cidade sustentável, a iniciativa busca integrar escola e comunidade, expandindo o espaço de aprendizagem para a cidade como um todo e articulando os saberes escolares aos problemas da sociedade. Ou, nas palavras de Fátima, “intervindo na realidade em que se vive para melhorá-la.”
Voluntário
Todos os alunos do 6º ao 9º ano são convidados a participar do REBHIR – hoje, entre 50 e 100 estudantes se envolvem diretamente com o projeto. A organização, controle e supervisão do canteiro de mudas são realizadas pelo grupo Vigilantes do Verde, composto por 15 estudantes. Todo o trabalho é voluntário e ocorre no contraturno da escola; quem participa recebe um certificado de horas de trabalho voluntário ao final do ano.
Distribuindo as mudas gratuitamente, cabe à comunidade o dever de cuidar para que as árvores se desenvolvam. O resto é papel do próprio meio ambiente. “Em nossas pesquisas, descobrimos que o mais correto para as margens dos rios é simplesmente abandoná-las e deixar para que a própria natureza dê conta. Porém, como encontramos muito desmatamento, às vezes a mão humana pode ajudar”, avalia a diretora.
Semente plantada
Ao longo dos anos, o projeto de reflorestamento plantou aproximadamente 15 mil mudas de árvores nas margens das 400 nascentes existentes em Dom Viçoso. “Como a maioria dos pais são lavradores, pedimos para as famílias dos alunos coletarem as sementes”, afirma Fátima, ressaltando o respeito que a comunidade nutre pelo projeto. Atualmente, o trabalho nos canteiros está parado devido à falta de chuvas: ali, várias nascentes e ribeirões secam quando o período é seco.
Mesmo diante de uma realidade muito menos avassaladora do que aquela existente em uma metrópole – Dom Viçoso possui aproximadamente três mil habitantes, enquanto só a cidade de São Paulo bate os 11 milhões –, a diretora da escola acredita que é preciso ter uma visão global dos problemas ambientais, mas também sabe que a atuação local é essencial.
“A escola forma o estudante para a sociedade. Nosso papel é fazer esse preparo, não apenas passar conhecimento cognitivo”, defende. “Esses projetos são interessantes pois tocam o lado afetivo do aluno, criam uma relação de amizade e cumplicidade que não vai embora.”
A escola dirigida por Fátima ainda não teve problemas de abastecimento, diferentemente de outros colégios da região. Quando chega a estiagem, a prefeitura de Dom Viçoso fecha a distribuição de água em períodos do dia. Em seu plano de contingência, a escola prevê a aquisição de lâmpadas econômicas e torneiras reguladoras, além de um projeto para coletar água da chuva.
Com o REBHIR, a escola recebeu o Prêmio Escola Voluntária da Rádio Bandeirantes e Clube Itaú Social, em 2007, e foi credenciada a participar da IV Conferência Nacional do Meio Ambiente, realizada em 2013 em Brasília. Apesar dos resultados positivos, Fátima está receosa quanto ao futuro.
“Vou me aposentar. Fiz parte de todo o desenvolvimento da iniciativa, e a tenho como um filho”, revela. “Com ela, encontrei o verdadeiro significado de ser professora. Conhecimento a pessoa adquire com livros e internet; agora, criar um vínculo com os estudantes e estimulá-los a ter atitude perante à sociedade, só obtive a partir do projeto.” Ela acredita que seu papel foi cumprido e, agora, “a semente está plantada”.