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publicado dia 30 de dezembro de 2014

Ex-aluno da escola pública, chileno vira professor e cria projeto sobre América Latina

Reportagem:

A família de Felipe Yanez desembarcou em São Paulo em 1983, quando ele tinha dois anos, para se afastar da ditadura militar de Augusto Pinochet, “que estava a pleno vapor”. Ficaram pelo centro, pois  “a maioria dos estrangeiros ficam por ali próximos à rodoviária, por aquela sensação de que, se não der certo, eu sei o caminho de volta”, até que seu pai, não acostumado com a nova situação, voltou para o Chile.

“Eu nunca tive muito essa sensação de nacionalidade, porque eu convivia com argentinos, peruanos, bolivianos, paraguaios. A comunidade latino-americana ficava junta, minha aproximação era pela língua”, conta Yanez. Com o tempo, sua mãe se casou novamente, e foram morar na periferia da capital paulista, onde Yanez continuou sua caminhada como aluno da escola pública brasileira.

“Na minha época, minha nacionalidade e meu jeito de falar eram motivo de deboche. Não havia esse entendimento do imigrante, essa abertura cultural para outras formas de expressão. Era muito mais preconceito do que valorização e reconhecimento”, lembra Felipe.

No entanto, esse caldo cultural e essa trajetória ganharam um sentido especial nos últimos dois anos. Foi quando Felipe virou professor da rede municipal de educação de São Paulo e passou a desenvolver na EMEF Paulo Carneiro, no Parque Novo Mundo, zona norte da cidade, o projeto “Identidade Latino-Americana”, uma iniciativa inscrita no Mais Educação, que trabalha elementos da língua espanhola misturados com a história e cultura das Américas com os estudantes do contraturno.

Identidade

Yanez relata sua empreitada pedagógica para recuperar a cultura latino-americana, trabalhando a divisão das nações como algo artificial. “Se trata de observar a construção histórica, mas acima de tudo apresentar a diversidade cultural das Américas. Tanto aquela cultura que é uma mescla do colonizador com o colonizado, como a indígena”. Desde 2013, ele desenvolve a proposta com alunos de 10 a 17 anos, cinco vezes por semana, com conteúdos apropriados para cada idade. Com apoio do Ministério da Educação e da Prefeitura, conseguiu livros, filmes e DVDs, além de jogos pedagógicos em castelhano. Sempre que possível, leva os estudantes para conhecer exposições e lugares ligados à temática.

Em 2014, o enfoque foi a expressão do jovem e ele apostou em apresentações culturais. Para o próximo ano, Yanez gostaria de trabalhar diretamente com imigrantes, em contato com os estudantes da EMEF. “Ainda existe muita xenofobia e temos alunos, principalmente bolivianos, que sofrem com isso. Ouvi de alunos que os estrangeiros vêm aqui roubar empregos e a desconstrução disso é necessária. Por isso que não podem ficar só na escola, precisamos estar atentos ao entorno.”

interna

Retorno

A trajetória de Felipe marcou de forma decisiva sua atuação como professor. “Toda minha bagagem vem junto quando eu entro em sala. Não levamos apenas nosso conhecimento pedagógico. Levamos nossa história de vida, como agente social. Eu sou filho da escola pública e quero trabalhar nela por questões ideológicas. Tudo o que aprendi tem que ser desenvolvido. Se eu sou formado em História e falo espanhol, preciso trabalhar isso na sociedade. E o setor que melhor faz essa intersecção, entre teoria e prática, é a educação”, opina.

Para ele, a importância de trabalhar com história das Américas reside no descaso com que o tema é tratado pela disciplina. “Do México até o sul não há um bloco homogêneo, mas sim uma história semelhante de exploração, colonização e massacre, de integração forçada de negros e indígenas. Além disso, o Brasil parece estar sempre de costas para o continente”, pondera.

Com o florescimento de políticas externas voltadas ao eixo sul, como o Mercosul e a Unasur, e o recente fluxo migratório no país, que também conta com nigerianos, haitianos e sírios nos últimos anos, a importância de pensar uma escola inclusiva cresce, defende Yanez. “Às vezes, quando o aluno chega, há estranhamento. Mas com a aproximação da língua e a força da cultura, tudo passa a fazer sentido rápido”, conclui.

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