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publicado dia 6 de novembro de 2014

Livro revela o impacto da ditadura na vida de crianças brasileiras

Reportagem:

Ana Luísa Vieira, do Promenino Fundação Telefônica, com Cidade Escola Aprendiz

Zuleide, Carlinhos e Samuel são irmãos. Foram criados juntos pela avó, ao lado de um primo. Quando Zuleide completou 4 anos, foi fichada pelo Departamento de Ordem Política e Social (Dops) como “subversiva”, assim como Carlinhos e Samuel, de 6 e 9, respectivamente. “Éramos miniterroristas”, define ela, neta de Tercina Dias de Oliveira, ex-militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), conhecida pelos companheiros como a “Tia” do grupo comandado por Carlos Lamarca (1937-1971). Tercina, com as crianças e outros 39 brasileiros, acabou banida do país em junho de 1970, por ordem do general Médici.

A história da família de Zuleide Aparecida do Nascimento é um dos capítulos do livro “Infância Roubada – Crianças Atingidas pela Ditadura Militar no Brasil”, lançado na quarta-feira (5) no auditório da Biblioteca Mário de Andrade, Centro de São Paulo. O local ficou pequeno para receber as quase mil pessoas presentes no evento, entre elas as 44 depoentes da publicação.

“Reviver essa história é um pouco doloroso. Afinal, nós passamos por uma tortura. Isso mexe com a gente. Quem sofre qualquer tipo de tortura nunca esquece. Ao mesmo tempo, eu me sinto aliviada ao falar da minha história”, diz Zuleide, com os olhos marejados. Ela levou o filho Henrique, de 10 anos, e o irmão Carlinhos para o debate, que tratou da ditadura militar brasileira (1964-1985) sob o olhar das crianças vítimas do período.

“Vejo isso como uma missão que tenho na vida”, afirma ela, cerrando os punhos. “O Brasil precisa conhecer sua história, ele ainda não a conhece. Ela precisa ser contada e recontada para que o povo tenha consciência do que aconteceu nessa época. Eu passo por cima do que sinto para dizer: ditadura, nunca mais!”

O livro é resultado de um ciclo de audiências realizadas pela Comissão da Verdade Rubens Paiva, da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, entre 6 e 20 de maio de 2013. “Foi um trabalho bonito, mas ao mesmo tempo impactante”, conta Ricardo Kobayashi, assessor técnico da Comissão e um dos revisores do material. “Trata-se de um resgate que mostra a dimensão da ditadura na vida das pessoas que não eram diretamente ligadas à resistência. O trabalho deixou cicatrizes em toda a equipe envolvida. Saímos muito marcados e orgulhosos”, descreve Vivian Mendes, também assessora e uma das responsáveis pela pós-produção da edição, que em breve estará disponível para download no site da Comissão.

Longe de casa
“Por muitos anos, meu irmão ouviu o assovio do nosso pai”, emociona-se o engenheiro Gregório Gomes ao relembrar a história do sindicalista Virgílio Gomes da Silva, militante do Partido Comunista e da Ação Libertadora Brasileira (ALN). Virgílio foi sequestrado por agentes da Operação Bandeirante (Oban) em setembro de 1970. Chegou encapuzado à sede da instituição, onde sucumbiu às torturas e morreu.

À época, Gregório tinha apenas 2 anos. A mãe dele, Ilda Martins da Silva, também presa e torturada por agentes da ditadura, sempre manteve viva a memória do pai. Em 1972, ela e os quatro filhos (Virgílio, Gregório, Isabel e Vlademir) foram para o exílio – primeiramente, viajaram para o Chile, depois se mudaram para Cuba, onde viveram até os anos 1990. “O período duro foi aqui, sem trabalho, sem ter onde morar. Cuba nos recebeu de braços abertos. É a minha segunda pátria. Aqui me judiaram e lá me ampararam”, compara Ilda, hoje com 83 anos.

“Temos lutado para resgatar a trajetória do meu pai na história brasileira. A sociedade foi tão vítima quanto nós fomos”, diz Gregório. “As crianças nunca tiveram espaço para contar suas versões. Sempre falamos sobre o nosso pai, mas pouco sobre a nossa visão de filhos. O livro trouxe à família essa oportunidade.”

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