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publicado dia 29 de outubro de 2014

10 livros infantis que abordam os direitos humanos

Reportagem:

Carolina Pezzoni, do Promenino, com Cidade Escola Aprendiz

O direito à vida e à convivência familiar, o acesso à educação, ao lazer, ao brincar. O direito de estar a salvo de qualquer tipo de discriminação e violência. Todos esses direitos, entre tantos outros, são considerados essenciais e resguardados às crianças por lei. Mas será que elas têm consciência do que cada um deles representa?

Apoiando-se na leitura como porta de acesso a essas informações, o Promenino pesquisou junto a especialistas* na área da educação e da literatura e chegou a uma seleção de 10 livros infantis que abordam esses temas de forma sensível e sem artificialismos.

Uma seleção de livros transformadores, de diferentes nacionalidades, os quais, segundo definição do autor e crítico inglês Aidan Chambers, “enriquecem a imagem do mundo e sua existência; ajudam a conhecer a si mesmo e a compreender os outros e a sociedade em que se vive, assim como a sociedade em que vivem as outras pessoas”.

Boa leitura!

1. Acompanhando meu pincel
Dulari Devi, com texto de Gita Wolf (WMF Martins Fontes, 2014)

Ao percorrer as delicadas e vibrantes ilustrações nas páginas deste livro, o leitor fica conhecendo a história de como a sua autora, a indiana Dulari Devi, se tornou uma artista. Nascida em uma família pobre, de tradição pescadora, ela precisou trabalhar na infância, ajudando a mãe na plantação de arroz, cuidando dos irmãos mais novos em casa, fazendo trabalhos domésticos para os vizinhos. O que mais gostava de fazer, no entanto, era parar no caminho para ver as outras crianças brincarem.

“Às vezes eu tinha vontade de fazer algum trabalho diferente, pois desde pequena era sempre a mesma coisa, todos os dias”, confidenciou em relato oral à editora Gita Wolf, que o reproduziu em texto no livro. Sem nunca ter ido à escola, Dulari não aprendeu a ler ou escrever, mas a vontade de “produzir alguma coisa bonita” a levou a descobrir sua vocação na pintura, especialmente na técnica Mithila, estilo que a tornou uma celebrada artista popular, e que agora usa para retratar lindamente as cenas mais marcantes da sua infância.

2. É tudo família!
Alexandra Maxeiner e Anke Kuhl (L&PM Editores, 2013)

Como um almoço de domingo, em que sempre cabe mais um, este livro abrange a diversidade das formações familiares contemporâneas. Em ritmo de HQ, ilustra algumas possibilidades: há famílias com filhos únicos ou numerosos, famílias com pais separados que podem se dar bem ou não, famílias com padrastos ou madrastas (geralmente diferentes das personagens dos filmes), famílias com pais homossexuais ou viúvos, famílias cujas crianças são criadas pelos avós, pais adotivos ou vivem em um orfanato.

Além dos diferentes tipos de laços familiares, apresentados de forma bem-humorada e sem artificialismos, o livro dá conta também de aspectos afetivos que permeiam essas relações: sentimentos como raiva, tristeza e amor, a rotina frenética de quem tem duas casas, a dor provocada pela perda de um parente querido e até mesmo circunstâncias mais obscuras, como a violência contra crianças: “Existem pais que tratam seus filhos muito mal. Nunca os abraçam ou beijam. Só gritam com eles. Outros até batem nos filhos, embora isto seja proibido!”.

3. Um outro país para Azzi
Sarah Garland (Pulo do Gato, 2012)

A partir do olhar da menina Azzi, este livro retrata uma família do Oriente Médio, que se vê obrigada a fugir quando a guerra começa a afetar sua rotina. “Às vezes, o barulho das metralhadoras nos helicópteros era tão alto que as galinhas ficavam assustadas e paravam de botar ovos”, conta a protagonista, nessa narrativa ricamente ilustrada, revelando sua perspectiva da aproximação do conflito.

Apesar das dificuldades que se impõem na travessia da sua família para um novo país – desde a fome, o frio e a sede que sentiu, passando pela preocupação com o bem-estar dos pais, até a saudade da avó, que permanece no país antigo para cuidar da casa – Azzi encara a situação como uma aventura e acaba descobrindo sentimentos que não conhecia, como a solidariedade e a esperança.

Inspirada por algumas famílias de refugiados da Birmânia e do Butão que encontrou na Nova Zelândia, a autora estudou as memórias daqueles que precisaram fugir ou foram exilados de seus países e pesquisou detalhes com professores e especialistas em leis de imigração e direitos humanos para contar uma história universal de mudança e adaptação.

4. A diaba e sua filha
Marie NDiaye, com ilustrações de Nadja Fejtö (CosacNaify, 2011)

Todos os dias, ao anoitecer, uma diaba de pele escura, olhos brilhantes e roupas muito limpas sai pelas ruas da cidade, batendo de porta em porta, em busca de sua filha perdida. Prestes a ajudá-la, as pessoas reparam que ela tem cascos negros e delicados no lugar dos pés e imediatamente a expulsam de suas casas, apagando as luzes até que se afaste.

Ao narrar esse conto de mistério, antes uma alegoria sobre nossos próprios medos e preconceitos, a autora coloca bem e mal, humanidade e demônios, nós e os outros na mesma página, nos desafiando a buscar qualquer traço de humanidade dentro de nós mesmos.

Como escreveu Mia Couto no prefácio do livro, a franco-senegalesa NDiaye fala da necessidade de classificarmos os outros e os arrumarmos em bons e maus, em anjos e monstros. “Nestas páginas se inscreve, enfim, a facilidade em culparmos e diabolizarmos os que são diferentes e o modo como os sinais de aparência (no caso, os pés de cabra) se erguem como marca de fronteira entre os ‘nossos’ e os ‘do lado de lá’.”

5. Martin e Rosa
Raphaële Frier e Zaü (Pequena Zahar, 2014)

Os ônibus só passavam em frente às casas das pessoas brancas, e negros só podiam se sentar no fundo, isso se nenhum branco quisesse o seu lugar. Restaurantes, banheiros públicos, elevadores e guichês tinham divisões de raças identificadas por tabuletas. Casais mistos também eram proibidos em qualquer lugar.

Muitos já ouviram falar sobre discriminação racial, mas poucos têm memória do quanto ela se impôs ao cotidiano dos negros no sul dos Estados Unidos, no período após a Guerra de Secessão. Para suprir essa lacuna, este livro informativo resgata alguns eventos históricos que marcaram os avanços na luta pelos direitos civis e pela igualdade entre os povos, destacando a trajetória daqueles que foram seus maiores representantes: Rosa Parks e Martin Luther King.

6. Mandela: o africano de todas as cores
Alain Serres e Zaü (Pequena Zahar, 2013)

Quando criança, ele gostava de pastorear carneiros, cortar galhos para arremessar bastão. Brincava com os cabelos brancos do pai e bebia leite recém-tirado das vacas. Um pouco mais velho, participava até tarde das conversas serenas dos adultos sobre os rumos da aldeia e queria estudar para não ter de trabalhar nas minas de ouro como os outros homens da aldeia.

Organizado em ordem cronológica, este livro apresenta a biografia de Rolihlahla, mais conhecido como Nelson Mandela, em uma linguagem poética e acessível para crianças. Em tom intimista, revela o seu percurso na África do Sul, em nome da democracia e igualdade de direitos, destacando o período de quase 30 anos que passou na prisão, até se tornar um dos maiores símbolos de resistência, coragem e paz para a humanidade.

7. Eloísa e os bichos (disponível em ISSUU
Jairo Buitrago e ilustrações de Rafael Yockteng (Pulo do Gato, 2013)

“Eu não sou daqui. Chegamos numa tarde, quando eu era bem pequena.” Assim começa o relato da protagonista, uma menina que chega a uma nova cidade com seu pai, em busca de uma vida melhor, talvez até fugindo de um passado doloroso. Nesse cenário, tudo o que ela encontra é um mundo estranho, onde as coisas obedecem a regras diferentes.

Ao aliar um texto conciso a ilustrações simbólicas e ricas em detalhes, este livro pousa um olhar terno e renovador sobre questões sociais, como o deslocamento, o respeito à diversidade e a recusa à intolerância. Segundo descrição na revista espanhola “Babar”, este é um daqueles livros aos quais se retorna mais de uma vez, procurando descobrir o segredo da sua grande carga emotiva e humana. “Como é possível dizer tanto em tão poucas páginas e frases tão sucintas?”

8. O mundo no Black Power de Tayó
Kiusam de Oliveira e ilustração de Taisa Borges (Peirópolis, 2013)

A protagonista deste livro é uma menina de 6 anos que, além de brincar e adorar bichos, tem orgulho da sua pele e dos seus olhos negros. Apesar do preconceito das outras crianças, faz questão de enfeitar seu cabelo black power das formas mais criativas. Seu nome, Tayó, originário do idioma africano iorubá, significa “da alegria” e espelha a forma como ela se relaciona com as pessoas a sua volta e com suas raízes.

Vencedor do Prêmio ProAC de Cultura Negra em 2012, este livro traz uma mensagem de valorização das raízes culturais brasileiras. “Hoje, eu olho para Tayó e posso ver minhas sobrinhas, primas, alunas – posso ver a mim mesma – e sentir orgulho. Isso, em termos de identidade, é fundamental, uma vez que as crianças negras não têm modelos positivos nas revistas e programas de televisão como espelho. É um caminho que ainda deve ser construído pelas mídias brasileiras”, afirma a autora.

9. A história de Júlia e sua sombra de menino
Christian Bruel e Anne Galland, com ilustrações de Anne Bozellec (Scipione, 2010)

“Você sempre tem que fazer tudo tão diferente?”, interroga a mãe. Ao que a filha responde: “Eu não sou como todo mundo, mamãe. Eu sou a Júlia!” O título do livro, somado a este diálogo em família, já dá uma ideia dos rumos desta narrativa. Pressionada pelo olhar vigilante dos pais, que não ‘entendem’ o seu comportamento, um dia Júlia acorda e se percebe com uma sombra de menino.

Por aí segue a história, que além do tema da aceitação e da busca pela identidade, aborda as diferentes concepções da infância, as tentativas dos pais em enquadrar os filhos em suas próprias expectativas e a cumplicidade entre as crianças que vivem situações semelhantes. Um clássico da literatura infantil francesa, publicado originalmente em 1976 e traduzido para vários idiomas.

10. O nascimento de Celestine 
Gabrielle Vincent (Editora 34, 2014)

Esta é uma história sobre o afeto e a amizade, que começa no dia em que o solitário urso Ernest encontra a ratinha Celestine abandonada em uma lata de lixo. Descortinam-se, a partir daí, os preconceitos que enfrenta para ficar com ela e os cuidados que dedica ‘ao bebê’ nos momentos mais difíceis.

Um livro-chave da artista belga Gabrielle Vincent (1928-2000) que, com poucas palavras e finos traços de sonho, em tons de sépia, mostra porque esses personagens conquistaram leitores no mundo inteiro. O editor Arnaud de la Croix escreve no posfácio: “[Ernest e Celestine] não são datados, uma vez que tratam do essencial: os sentimentos compartilhados”.

*Agradecemos às especialistas pelas valiosas sugestões:
Cristiane Tavares – jornalista e mestre em Literatura e Crítica Literária pela PUC-SP, coordenadora de um projeto de formação de professores na comunidade de Paraisópolis, em São Paulo.
Sandra Medrano – pedagoga e mestre em didática da Língua Portuguesa, coordenadora de projetos de formação de professores na Comunidade Educativa CEDAC e no Laboratório de Educação.
Thaís Albieri – editora, bacharel em Letras pela Unicamp-SP, onde fez mestrado e doutorado em Literatura Brasileira.

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