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publicado dia 22 de outubro de 2014

Cidade e imprensa no Brasil: como o debate urbano sumiu da mídia em 2014

Reportagem:

Fernanda Regaldo, Renata Marquez, Roberto Andrés e Wellington Cançado*

Junho de 2013 viu explodir, além de bombas nas avenidas, a discussão sobre serviços públicos e condições de vida nas cidades brasileiras. Foi como se o país se desse conta, de repente, de todo o atraso na discussão de mobilidade urbana, moradia, espaços públicos e outros temas que costumam ficar relegados à academia ou às reclamações cidadãs nos cadernos de ‘cotidiano’ dos jornais.

Bastou o assunto ganhar um pouco de atenção para que se descobrisse que os vândalos tinham razão: a tarifa de ônibus no Brasil é das mais caras do mundo – e o serviço não é exatamente referência. Nas capitais europeias as passagens são subsidiadas em mais de 50%, enquanto aqui o usuário arca com todo o custo. Nossa frota é precária e a contabilidade das empresas é uma caixa preta. A discussão apenas se iniciava, mas foi logo abandonada com o arrefecimento das manifestações.

Um ano depois, mobilidade e cidades pouco aparecem na pauta das eleições. As passagens voltaram a subir, os serviços não melhoraram, as ocupações urbanas se intensificaram sem um avanço nas políticas de moradia, o país continua a patinar em modelos anacrônicos e excludentes de desenvolvimento. E a imprensa não conseguiu estabelecer plataformas de debate urbano – houve parcos avanços aqui e ali, mas sem uma estruturação que chegue a arranhar as questões mais cruciais.

A situação atual é bastante próxima daquela que descrevemos em 2011, quando lançamos a revista PISEAGRAMA: a privatização progressiva de todas as esferas do público e a opção por soluções imediatistas; a compreensão dos espaços públicos, pelas “autoridades”, como lugares de obediência contemplativa regidos por uma concepção de ordem duvidosa e em detrimento do uso comum e da apropriação espontânea; a falta de discussão e participação efetiva na esfera pública, que inibe negociações entre os seus agentes e usuários e reproduz formas instrumentais de violência e passividade.

PISEAGRAMA havia sido selecionada no edital Rede de Revistas do Programa Cultura e Pensamento do MinC. Os seis primeiros números abordaram os temas Acesso, Progresso, Recreio, Vizinhança, Descarte e Cultivo, e circularam o Brasil com ensaios visuais, experimentações artísticas, práticas espaciais, textos críticos e investigativos, microhistórias e narrativas do cotidiano.

Já em 2011, publicamos um artigo do engenheiro Lucio Gregori entitulado A Iniquidade da Tarifa, que narrava a tentativa de implementação da Tarifa Zero na gestão de Luiza Erundina e elencava argumentos pelo subsídio do transporte. No mesmo número, Enrique Peñalosa, ex-prefeito de Bogotá, apresentava as transformações urbanas da capital colombiana; recuperávamos um texto antigo e não publicado de Vanessa Barbara sobre a condição pedestre em São Paulo e Maider Lopez, artista do país basco, publicava em um ensaio visual um engarrafamento organizado num domingo ensolarado na montanha.

A confluência entre campos disciplinares e práticas variadas foi a aposta para uma abordagem ampla das várias questões que envolvem as cidades e os espaços públicos. Afinal, todos têm algo a dizer sobre os modos como vivemos e como nos deslocamos, sobre nossa relação com os recursos naturais e com o ambiente urbano. Já publicaram na PISEAGRAMA artistas, arquitetos, designers, líderes indígenas, filósofos, sociólogos, políticos, vendedores ambulantes, promotores públicos, lixeiros, jardineiros, fotógrafos, ambientalistas, mergulhadores de esgoto e tantos outros.

Hoje a revista tenta se estabelecer independente de recursos de editais, a partir da criação de uma rede de colaboração com leitores. Lançamos uma chamada para financiamento colaborativo no Catarse, em que o apoio é convertido em assinaturas. A revista impressa terá periodicidade semestral, constituindo dossiês temáticos sobre as questões abordadas.

Em paralelo, pretendemos constituir canais na internet para debates locais, com frequência intensa de publicação, formando uma comunidade interconectada e colaborativa interessada em discutir, (re)imaginar e transformar o espaço público de diversas cidades. A aposta na convergência de conteúdos locais ainda não foi feita de maneira estruturada no Brasil, apesar da continuada descentralização dos produtores de informação na Internet.

Como os principais jornais têm abrangência regional ou nacional, a discussão acerca dos espaços públicos na escala da rua, do bairro e do município acabam em segundo plano. Os resultados que podem ser alcançados com a formação e fomentação distribuída de produtores de conteúdo em escala local são imprevisíveis, mas apontam para a possível invenção de uma comunidade nacional articulada em torno de reflexões e propostas de interesse público em diferentes esferas.

Todo o conteúdo das edições anteriores de PISEAGRAMA está disponível gratuitamente na Internet. A campanha de financiamento colaborativo vai até 21 de novembro.

*Os autores do artigo são editores da PISEAGRAMA

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